Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 1

Capítulo 15: Reencontro e desespero

Vladmyr não teve tempo para uma reação rápida. Com um ataque poderoso, o Cérbero o arremessou para longe, avançando novamente em direção à Lenna.

“Vlad!” Era o que Lenna tentava gritar, mas de sua boca semi aberta só se ouvia pequenos sons sem sentido.

Estava encurralada, mesmo que corresse, nunca seria mais rápida que ele. Na esperança de que Vladmyr estivesse bem e voltasse para protegê-la, tentava conjurar outro escudo para se defender. Mas para sua infelicidade, o Cérbero os absorvia quase que instantaneamente, deixando-a sem reação. Não conseguia pensar em outra opção para se defender. A criatura avançava em grande velocidade, Lenna, já sem forças em suas pernas, caiu de joelhos desesperançada.

Há poucos metros de distância, o Cérbero já se preparava para abocanhar sua nova vítima. Um zunido seguido de um urro do Cérbero interrompeu essa ação. Lenna olhava sem entender o que havia acontecido. Conseguiu ver apenas o sangue escorrendo sobre o focinho da cabeça esquerda da criatura. Em seu olho esquerdo havia três flechas profundamente encravadas. A dor fez com que ele desistisse de seu ataque e voltasse sua atenção ao seu novo inimigo.

— Mas... por quê? — disse Ector desacreditado com a ação do elfo.

— Sr. Hardro, por que denunciou nossa presença? Estamos em desvantagem aqui em cima, chamar a atenção não é a melhor ideia.

Ele se prendeu com o pé direito em uma pequena fissura do paredão, projetando seu corpo para frente para conseguir espaço e manusear seu arco. Graças à sua excelente visão, pode perceber a tempo o que estava acontecendo lá embaixo.

— Ela estava em perigo! — o elfo disse sem nenhuma hesitação.

Ambos olharam para Eduardh, ainda não haviam notado. Mas, através de sua expressão, presumiram haver finalmente encontrado aqueles dois.

Lenna ainda não acreditava que estava viva, o sangue do Cérbero caía sobre sua cabeça, se misturando com a cor de seu cabelo. A criatura se voltava em direção a Eduardh. Tudo se desenrolava em uma velocidade que era difícil de acompanhar, enquanto Lenna tirava o excesso de sangue do rosto para conseguir ver melhor o que havia acontecido.

Quando conseguiu se orientar, Lenna percebeu que Vladmyr ainda estava caído e desacordado após o ataque. Estava prestes a ser pisoteado pela criatura que corria em direção ao arqueiro para tentar abocanhá-lo. Provavelmente o baque havia sido maior do que imaginava.

No impulso de tentar protegê-lo e com medo de acontecer o pior, Lenna saiu em disparada, lançando-se em cima do corpo desacordado de Vladmyr. Estendeu rapidamente seu braço para conjurar um escudo de proteção e evitar que fossem esmagados. A brutalidade dos ataques que agora se voltavam para eles era impressionante. Como aquele braço tão magricela conseguia suportar tanta pressão, era óbvio que sua parte física não era nem de longe próxima aos demais ali, o que só reforçava que, o que a impedia de ser esmagada junto a Vladmyr, era a pura força e vontade.

Repentinamente, o Cérbero cessou seus ataques e, como era de se esperar, isso não era uma boa notícia. Ele rapidamente sugava as partículas de magia do escudo de Lenna, desfazendo-o em questão de segundos.

“Mas... o quê?” Lenna se desesperava ao ouvir o leve estalar das flechas caindo ao chão.

A confirmação era mais do que óbvia. Ele havia se recuperado do dano causado. Mais do que rapidamente, ele voltou sua atenção a desferir incessantes golpes aos inimigos caídos abaixo dele. Mesmo que Lenna soubesse do resultado, precisava se proteger e, para isso, ela continuava recriando seu escudo entre um golpe e outro.

Fazer magias de forma tão rápida não era um problema para ela. Mas dessa vez ela não fazia encantos. Nunca havia passado por aquele tipo de situação, isso estava fazendo seu corpo chegar ao extremo. Estava tão focada em conseguir manter o escudo, que não reparou quando Vladmyr acordou.

Por instinto, ao presenciar tal cena, ele agarrou imediatamente sua espada com uma de suas mãos e com a outra segurou na cintura de Lenna, movendo-a rapidamente para seu lado. Tudo ocorreu de forma tão rápida que o Cérbero só percebeu o que havia acontecido quando, ao efetivar seu ataque, sentiu a lâmina da espada varando sua robusta pata. A forma grosseira com que Vladmyr a removeu causou um dano ainda maior.

Embainhando rapidamente sua espada, tomou Lenna em seus braços, levando-a para longe do alcance dos ataques da criatura. Ele a segurava de uma forma tão protetora que nem parecia a mesma pessoa. Um homem que, há poucos dias, a segurava bruscamente pelo punho, transbordando ofensas, agora a acolhia e a protegia.

— Por que fez isso? — Lenna estava incrédula de que teria uma resposta satisfatória.

— Qual o sentido de não retribuir a alguém que, com tanta vontade e determinação, protegeu minha vida?

— Como é?

— O mínimo que posso fazer é garantir que você esteja tão bem protegida como fez comigo — disse Vladmyr enquanto corria. Até mesmo seu timbre parecia diferente ao falar com ela.

Sem haver tempo para mais questionamentos, foram surpreendidos por um grito feroz que ecoou por todo aquele salão. Ector, que ainda não havia chegado na base da caverna, deu um grande salto, dali mesmo onde estava, em direção ao Cérbero. Empunhando seu enorme machado com as duas mãos, acertou em cheio uma das cabeças da criatura. A pressão e a violência acabaram fazendo um enorme rasgo que forçou a criatura a recuar com mais um urro de dor.

Finalmente, o grupo se reencontrou. Cázhor obviamente não tinha o mesmo vigor e porte físico de Ector. Então, mesmo diante de toda a situação, o máximo que conseguiu fazer foi continuar pelo caminho estreito no qual já estava, até chegar aos demais. Eduardh com sua extrema destreza e agilidade, uma vez que o elemento surpresa já não era uma opção, utilizou dessas habilidades para descer o mais rápido possível em linha reta, se pendurando entre as rochas.

— Vocês dois, estão bem? — Ector, do jeito dele, demonstrava preocupação.

O silêncio de Vladmyr o surpreendeu. Normalmente se reportaria na hora, mas não foi o caso. Aparentemente, ele estava mais preocupado com Lenna do que responder ao seu superior. Ele a olhava aflito em ver todo aquele sangue em seu rosto e procurava a origem daquele sangramento. Mesmo com tamanha preocupação, seu toque era delicado e macio. Por alguns instantes, Lenna, involuntariamente, prendeu a respiração, seu corpo não entendia aquela mistura de sentimentos.

— Acorda pra vida, garoto! — O grito de Ector interrompeu a cena.

Dessa vez, foi fácil para Vladmyr entender que foi direcionado a ele. Olhando confuso, voltou sua atenção para Ector.

— Quem é você?

A surpresa foi geral, ele não reconhecia seu superior? Era o que todos se perguntavam. Mas não havia tempo para entender ou se preocupar com aquilo. O Cérbero, mesmo gravemente ferido, parecia ignorar a dor, partindo para um novo ataque. Dessa vez, focado em Ector, avançando freneticamente em sua direção. Ao mesmo tempo, Cázhor finalmente chegava ao centro da batalha. Agora podia focar e entender melhor a situação.

Ao perceber o ataque iminente ao seu companheiro, Cázhor iniciou seu cântico de conjuração, mas foi surpreendido quase imediatamente quando Eduardh o impediu de continuar. Sinalizando com a cabeça, mostrou que o Cérbero imediatamente voltou sua atenção para ele. Considerando a força da magia de Cázhor, pelo que o elfo pôde observar, caso a criatura absorvesse sua magia, recuperaria de todos os seus ferimentos. Isso só tornaria a investida de Ector em vão. De forma breve, Eduardh explicou rapidamente ao mago o motivo de tê-lo interrompido, afinal ele ainda não estava a par desse grande empecilho.

— Isso vai ser um grande problema. — Cázhor demonstrava um leve aborrecimento em seu tom de voz.

Precisavam de um plano com urgência, manter aquela estratégia só iria desgastar mais ainda o grupo. Sem contar que o maior beneficiado nisso era somente o Cérbero. Como dois dos membros lutavam com uso de magia, a batalha se tornava cada vez mais desvantajosa. Era necessário reverter essa situação o mais rápido possível.

— Ei, elfo. Vai um pouco mais pra cima do grupo e nos dê cobertura — disse Ector apontando o melhor lugar para que ele fizesse isso. Aparentemente, ele tinha uma estratégia.

Para isso, Eduardh teria de escalar novamente o grande paredão que os cercava. Enquanto isso, Ector e Vladmyr ficariam na linha de frente, para protegê-lo durante seu posicionamento.

— Garota! Você continua na proteção com a conjuração dos escudos.

— Ok! — Lenna estava pronta para voltar ao combate.

— Cázhor! Para evitar que o Cérbero se foque nela, ataque no lado oposto para dividir a atenção da criatura. — As ordens eram claras e objetivas, ficou o motivo dele ser o líder do exército.

Vladmyr parecia um pouco perdido, sua cabeça latejava. Descontente em deixar Lenna sozinha, mas dada toda a situação, não conseguiu pensar em uma opção melhor, seguindo com o plano. Então, sem demais objeções, todos começaram a se posicionar.

Era mais do que óbvio que tal situação demandava mais atenção nesse momento, porém era descarada a preocupação com as novas atitudes de Vladmyr, ele claramente não estava em seu estado normal, mas isso podia esperar. Tinha que esperar.

Tudo indicava que o Cérbero queria se recuperar quanto antes. Apesar de ser um monstro, ele era bem racional, entendia que estava em desvantagem numérica. Sua prioridade era atacar os magos, porém a estratégia que Ector havia bolado o impedia de alcançar diretamente Lenna e Cázhor. Uma vez que ambos guerreiros estavam na linha de frente, teriam vantagem caso a criatura desse as costas.

Já posicionado, Eduardh procurava o melhor ângulo para tentar acertar áreas críticas. Seu grupo estava muito próximo ao alvo, usar uma habilidade em área, por mais que efetiva não seria a melhor ideia. O Cérbero revelou usar de vários elementos, o que dificultava saber qual seria mais eficaz. Sem contar que, ainda havia o grande risco de o ataque ser absorvido antes mesmo de atingir o alvo.

Então numa decisão rápida o elfo fechou os olhos para focar toda sua concentração, gerando um fluxo de magia intenso. Convertendo-a em pura força e distribuindo-a para impulsionar a sua flecha. E num piscar de olhos, ele tencionou seu arco de forma que a força utilizada e a pressão gerada chegavam a esfolar seus dedos no contato com a corda. Ao abrir seus olhos, suas pupilas se expandiram. Naquele momento era clara a imagem da criatura, que estava direcionando sua atenção aos inimigos ao seu redor e provavelmente havia se esquecido dele.

Não havia chance melhor. Ao mesmo tempo, em que soltava lentamente sua respiração, a flecha era disparada com tamanha pressão que parecia até improvável não estar envolta por magia. Fazendo um rasgo no ar, alcançou seu alvo com tanta velocidade que causou uma onda de choque com o impacto no alvo. Levantando assim um grande muro de poeira e causando pequenos deslizamentos.

Apesar de ser perigoso, foi um ataque efetivo, o Cérbero esbravejava de dor. Eduardh, concentrou seus ataques onde confirmou ser seu ponto mais frágil, os olhos. Enfurecido, ele batia suas patas sem controle na tentativa de acertar os que estavam próximos. Dava várias investidas no grande paredão onde Eduardh estava que se segurava entre uma trombada e outra para não perder o equilíbrio.

A oportunidade não poderia ser melhor, Ector rapidamente avançou contra o Cérbero fazendo a chamada para Vladmyr atacar junto. Claramente ele não compreendia bem quem ele era, mas era óbvio que abater a criatura era, sem dúvidas, prioridade.

Em disparada, Vladmyr seguia em direção ao seu superior, com grande dificuldade, ainda estava zonzo do último golpe que sofreu. Precisava esquivar-se, com precisão, das imensas patas e garras afiadas que ainda se colidiam ferozmente no chão. Alguns ataques passavam consideravelmente perto, a ponto de Lenna questionar se conjurava ou não o escudo para ajudar. Mas, ao ver a maestria que ambos possuíam, se conteve, poupando sua reserva de magia, ainda que contra sua vontade.

A sincronia entre os dois era de dar inveja a qualquer guerreiro. Sem ser necessária qualquer palavra, Ector posicionou seu machado acima de sua cabeça simulando uma base, apoiou-se em uma das pernas e dobrou a outra ao chão. Apenas esperando que Vladmyr entendesse o recado. O jovem guerreiro, correndo em direção a Ector, no mesmo embalo que ele chegou, saltou para cima do machado, quase derrapando para fora da base. Vladmyr foi lançado ferozmente, num movimento de catapulta, em direção à criatura.

O impulso foi tão forte, que Vladmyr não teve dificuldades em alcançar a cabeça que já havia recebido danos. Com um movimento rápido e grosseiro, cravou sua espada um pouco acima da ferida causada por Eduardh. Usando o peso de seu corpo, e se aproveitando da gravidade, segurou fortemente a espada enquanto ela descia rapidamente, causando um enorme e profundo rasgo que se estendeu até a mandíbula da criatura.

Devido à velocidade, Vladmyr caiu de ombros no chão. Uma pancada dura e seca, porém nada que lhe infligiu muito dano. Levantando seu rosto ensanguentado para conferir a eficácia de seu golpe, foi surpreendido com uma enorme pata com grandes garras em sua direção. A única forma que encontrou de escapar naquele momento foi rolando no chão entre uma pisada e outra. Aquela cabeça parecia estar definhando, mas ainda lhe restava força para desferir um novo ataque logo após as investidas.

“Imaginei que isso fosse acontecer.” Vladmyr não tinha tempo e nem espaço para tentar uma nova esquiva.

Um grande borrão apareceu à sua frente, bloqueando o ataque. Ector, usando seu machado como um escudo, impediu que o Cérbero tivesse sucesso no golpe. A criatura, com uma imensa brutalidade, conseguiu arrancar de suas mãos o machado, os deixando sem defesa, avançando para uma nova investida.

Uma enorme labareda circular atingiu em cheio o Cérbero, que com a explosão, cambaleou chegando ao ponto de tombar para o lado. A pressão foi tamanha e tão rápida que, mal deu tempo dois se esquivarem, levantando uma enorme massa de poeira e muita fumaça. O Cérbero ainda confuso se restabelecia, ofegante pela pancada, estava tão concentrado nos guerreiros que não percebeu a tempo de absorver a magia de Cázhor.

Lenna nunca havia visto ele em combate dessa forma, ainda mais sem utilizar de encantamento. Todas as magias que ele demonstrou no passado, eram de grande escala, e demandam muita magia do usuário.

“Nossa... como ele se dá tão bem como um mago de combate. Droga, por que ele nunca me mostrou esse lado sele?” Lenna admirava seu mestre, mas estava claramente aborrecida.

Ele conjurar seus ataques sem encantamento, a deixou bem desapontada, achando que estava o impressionando com tal habilidade, mas aparentemente, não era nenhuma novidade para ele.

O Cérbero, após o golpe, se levantou ainda mais enfurecido, porém estava claramente exausto. Apesar de sua resistência mágica, o ataque de Cázhor foi extremamente violento. Uma força absurda que Lenna jamais cogitou ver seu mestre ser capaz de utilizar.

— Vamos lá garoto, essa é nossa chance! — gritou Ector enquanto avançava para uma nova investida.

Apesar de sua marcante musculatura, Ector era um guerreiro ágil. Agilidade suficiente para que, em meio a sua disparada, recuperasse seu machado, que havia sido arrancado pela criatura e lançado ao chão, sem ao menos precisar parar sua investida. Considerando que sua arma é de grande porte e bem pesada, pegá-la de tal forma, demandava de grande vigor para tal manobra.

Rapidamente Vladmyr se juntou ao ataque, ambos corriam lado a lado, segurando suas armas para trás e lançando seus corpos para frente. Projetavam-se para baixo, para diminuir a diminuir a resistência do ar e aumentar a velocidade.

Já próximos ao seu alvo, foram surpreendidos pelo Cérbero. A cabeça da esquerda, apesar de debilitada, ainda tinha forças o suficiente para lançar um poderoso golpe de fogo. Semelhante ao que o mago havia lançado, porém, não aparentava ser tão destrutivo. Mesmo assim, um ataque desses à queima-roupa, os danos seriam incalculáveis. Estavam engajados no ataque, não havia como parar ou esquivar-se a tempo. Considerando que o contra golpe era iminente, só esperavam sobreviver para concluir o ataque.

“Eles não vão conseguir!” Eduardh e Cázhor observavam angustiados sem ter o que fazer.

— Continuem! — gritou Lenna.

Então, os dois guerreiros respiraram fundo, confiando que ela tinha algo em mente e continuaram de encontro a grande bola de fogo que, instantes depois, os engoliu com uma enorme labareda.



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