Magia Gênesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 1

Capítulo 14: Ação, reação e frustração

Logo após iniciar a descida, Cázhor, que estava logo atrás de Ector, teve um mau pressentimento, parando repentinamente enquanto olhava para trás incrédulo. Acompanhando seu olhar, Eduardh percebeu que a entrada pela qual vieram, estava estranhamente se fechando sozinha. Ele suplicava com o olhar para que isso não estivesse acontecendo, mas, na mesma velocidade de seu pensamento, a entrada se fechou.

— Só pode ser brincadeira!

— Bom, agora vamos ter que ir de qualquer forma. Não acredito que estejam com tanto medo assim de um cãozinho deformado — Ector disse, dando de ombros, enquanto descia.

— Ah! Claro! — Cázhor já havia desistido de rebater os argumentos do guerreiro.

Após alguns minutos de descida, repararam que a movimentação abaixo deles havia diminuído. O forte barulho das correntes se acalmou. Eles se olhavam com um ar interrogativo.

— Esperem! — disse Eduardh, baixinho.

— O que foi? O que você está vendo? — Ector sussurrava impaciente.

— Creio que fomos bem cautelosos e furtivos — Cázhor tentava entender a hesitação do elfo — mal fizemos barulho, não suficiente a ponto de chamar a atenção do Cérbero, ainda mais nessa distância.

— Creio que... ele viu outra coisa.

Sem ter como voltar, estavam parados no meio do caminho esperando algum movimento daquele grande vulto negro. Uma imagem borrada que parecia aguardar algo. Eduardh sinalizava com a cabeça indicando terem que ser mais ágeis na descida, afinal, devido ao pequeno espaço disponível para andarem, qualquer novo abalo causado pela criatura resultaria provavelmente em uma queda fatal.

Enquanto Vladmyr e Lenna ainda tentavam pensar em algo para evitar o combate, o Cérbero, que até então estava aparentemente farejando algo do outro lado da galeria, parou repentinamente. A cabeça do meio se virou em direção a eles com precisão.

— Ele nos viu! — Lenna estava incrédula.

O Cérbero pisava firme e seguia em direção a Vladmyr e Lenna. Em meio à escuridão, o brilho amarelado de seus olhos se destacava. Quando menos se esperava, a criatura deu um impulso, partindo para uma forte investida contra os dois. Era impressionante como era ágil. Um ataque tão repentino e com tanta velocidade assim, mesmo que Vladmyr defendesse, provavelmente seria arremessado pela força.

Sem tempo para se esquivar, ele então se posicionou da melhor forma para tentar receber o impacto do ataque.

— Fique atrás de mim! — Vladmyr ordenou, e com um olhar firme, ele encarou seu inimigo.

E então, algo inesperado aconteceu. O som da corrente estalou no ar, seguido de um rosnado e vários latidos.

— Chuif! — Vladmyr suspirou, soltando o ar, levemente aliviado.

A criatura havia atingido o limite do comprimento da corrente, parando apenas a um metro de distância dos dois. O Cérbero tentava loucamente arrebentá-la, mas aparentemente era bem resistente. Sua baforada era tão forte que fazia as roupas e o enorme cabelo de Lenna se balançarem continuamente.

O Cérbero, enfurecido, se esticava tentando alcançá-los com suas enormes presas, mas sem sucesso. Foi quando decidiu usar sua pata com garras robustas e afiadas para atingir seu alvo. Nesse momento, Vladmyr percebeu que não teria mais como fugir. Ele recebeu todo o impacto do ataque. Segurando sua espada na diagonal, agora com as duas mãos, a erguia acima de sua cabeça. Usava de uma força descomunal para evitar ser dilacerado pelas garras enquanto era fortemente pressionado ao chão.

Lenna estava encolhida logo atrás dele, quase sem poder se movimentar, presa entre uma garra e outra. A pressão cada vez aumentava mais e mais, se continuasse nesse ritmo, logo seriam esmagados e cortados ao meio.

Estava claro para os dois que estavam em grande desvantagem. Devido ao tamanho e força, o Cérbero levaria a melhor, ainda mais na posição em que se encontravam. Os poucos minutos que se passaram foram suficientes para que Lenna, mesmo com muita dificuldade, finalmente conseguisse se desvencilhar das grandes garras. Já Vladmyr não teve tanta sorte. Ela olhou desesperada ao redor, e repentinamente começou a correr para longe.

— Ei! Aonde você vai? — Gritava ele, sem entender o motivo dela o deixar sozinho.

Ela correu o máximo que conseguiu para longe, tentando calcular a distância aproximada da corrente até a parede onde estavam. Quando chegou a um certo ponto, ela finalmente parou. Fazendo alguns gestos delicados com a mão, balbuciou rapidamente algumas palavras e apontou na direção do Cérbero. Instantaneamente se formou uma esfera de fogo, que logo em seguida se transformou em algo semelhante a um projétil. Com extrema força e rapidez, a magia atingiu em cheio uma das cabeças do Cérbero, causando uma grande explosão.

“Funcionou?” A preocupação e a incerteza tomavam os pensamentos da maga.

Lenna ficou surpresa de que, de fato, a criatura havia se afastado um pouco devido ao dano, cedendo um pequeno espaço para Vladmyr conseguir sair ileso, debaixo da sua pata. A criatura havia recebido pouquíssimo dano, considerando o tamanho da explosão.

— Isso não é um bom sinal — disse Lenna, aflita.

— Será que ele tem resistência à magia? — Vladmyr começava a ficar sem opções.

— O que vamos fazer agora...

Antes que ela pudesse bolar outro plano, o Cérbero avançou rapidamente para cima. Por mais que a magia não tivesse feito muito estrago, aparentemente o irritou muito.

Lenna, surpresa com a ação repentina, só conseguiu pensar em conjurar um escudo. Era um dos encantos mais rápidos que conseguia fazer. A criatura bateu com sua enorme pata contra o escudo, a pancada foi tão forte que ela foi arremessada de costas contra a parede. O baque fez com que seu escudo oscilasse.

Vladmyr ainda tentava entender o que ela havia feito. Quando presenciou a tal cena, ele correu em sua direção ainda segurando a espada nas duas mãos. Quando estava próximo o suficiente, jogou seu corpo para que deslizasse por baixo da criatura, entre suas patas. O que possibilitou que ele desferisse um golpe certeiro, causando um grande corte na pata dianteira, e ainda tivesse o restante do impulso para conseguir chegar até Lenna.

— Tá tudo bem? — Enquanto a criatura grunhia de dor, Vladmyr estendia uma de suas mãos para ajudar Lenna a se levantar, mas sem tirar os olhos da criatura.

— Não! Claro que não! Mas dá para continuar. — Ela aproveitou o momento de distração do Cérbero para refazer sua magia.

— Você consegue manter o escudo e movimentá-lo ao mesmo tempo, para me acompanhar enquanto ataco?

— Bom... meu escudo tem um limite de dano que pode suportar antes de se desfazer... Movimentar? Acho que só consigo desfazê-los e tentar conjurá-los, novamente, a tempo... — A expressão de incerteza dela, ao dizer aquilo, não dava muita confiança ao guerreiro.

Sem muito tempo para pensar se daria certo, ela teve que colocar o plano em prática assim mesmo. O Cérbero já havia voltado a sua atenção para os dois. Vladmyr então avançou, contando com a proteção de Lenna. Ele atacou ferozmente a mesma pata que já havia causado danos anteriormente, no intuito de limitar a mobilidade.

O ataque fez com que a cabeça do meio desse uma investida tão repentina contra ele, que acabou o pegando totalmente desprevenido. Uma abocanhada de cima e o Cérbero pressionando seus enormes dentes em sua direção, por um momento, o fez hesitar. Dava para sentir o calor da sua baforada.

“Se continuar assim, é só questão de tempo até que eu seja esmagado.” Foi a primeira coisa que veio à mente do guerreiro.

Para seu alívio, a barreira permanecia firme e forte. Lenna, com suas mãos erguidas em direção a ele, mantinha sua magia ainda sem muita dificuldade. Percebendo isso, Vladmyr aproveitou a oportunidade e cravou sua espada no céu da boca do Cérbero. Projetando-se para frente, criou um enorme rasgo que fez o sangue da criatura escorrer em sua cabeça até descer pelos ombros.

O Cérbero deu um pulo para trás, balançando sua cabeça, claramente ele sentiu algo excruciante. Enquanto isso, Vladmyr tirava o excesso de sangue dos olhos que atrapalhava sua visão, passando rapidamente o rosto na manga da blusa.

Estava dando certo, se mantivesse nesse ritmo, ele acreditava que o derrotaria sem tomar nenhum dano. Então ele se lançou para desferir um novo golpe, correndo em direção à criatura, dando um longo salto e, com a ponta da espada para baixo, a cravou na pata já machucada. O corte foi profundo, saía muito sangue, a feição do Cérbero cada vez era mais enfurecida. A cabeça da esquerda tentava auxiliar no ataque, abocanhando na direção do guerreiro, mas sem sucesso. O escudo ainda estava de pé.

Um longo rastro de sangue no chão se formou. A ferida realmente causou estrago. Ele aguardava o Cérbero parar seu ataque, para dar seu próximo passo. Estava mais focado e mais tranquilizado após o sucesso de seu plano. Porém, quando menos se esperava, a cabeça da direita começou a emitir um brilho estranho de dentro da boca. Por fim, cessou suas investidas e logo em seguida lançou uma poderosa magia. O Cérbero, até então, havia apenas se focado em golpes físicos, o que acabou pegando ambos totalmente de surpresa.

— Mas que merda! Saia daí!

Era algo parecido com enormes lanças de gelo, só que dessa vez, em direção a Lenna, ignorando totalmente Vladmyr. Ele olhou para trás assustado quando viu uma enorme explosão de gelo onde ela estava. Pela primeira vez demonstrou preocupação genuína com o que poderia ter acontecido.

Assustado, esperava o pior. Quando a névoa e os cristais de gelo desapareceram, revelou-se o que de fato aconteceu. Ele estava impressionado de que, mesmo sendo um ataque surpresa, ela conseguiu conjurar uma barreira para se proteger. Olhando ao seu redor, reparou que a dele ainda se mantinha.

— Uau... Impressionante!

Não podia desperdiçar a oportunidade, já que ela estava bem, tinha que acabar com a luta o mais rápido possível. Se aproveitando da distração, ele se movia sorrateiramente para perto da criatura quando, inesperadamente, ouviu um grande baque. O Cérbero tentava quebrar o escudo com a pata, a mesma que estava ferida. Cada movimento fazia jorrar seu sangue por todo lado.

Após o ataque falho, a cabeça do meio abriu sua boca, estava puxando o ar, seu peito inflava cada vez mais. Lenna percebeu que, quando ele fazia isso, algumas partículas de luz começaram a surgir, indo em direção ao Cérbero.

“Mas... de onde está saindo essa magia?” questionava Lenna sem entender.

Com um olhar mais atento, o desespero começou a tomar conta de seu corpo quando o escudo começou a sumir.

— Ele está absorvendo a magia! — Lenna gritava aflita.

De onde Vladmyr estava, ainda não era possível ver o que estava acontecendo. Ele se deu conta só quando percebeu seu escudo sumir e simultaneamente as feridas do Cérbero se regenerarem. Estava ileso, como se nada tivesse acontecido.



Comentários