Volume 3
Capítulo 98: Lobinho
Kreik e Moara trocaram olhares assim que Joabe foi expulso da sala. Eles sabiam que as ações do trio estavam levantando muitas suspeitas.
— Que merda foi aquela que o Joabe fez? — sussurrou Kreik, ainda confuso. — Ele enlouqueceu?
Moara, sempre desbocada, deu um leve sorriso e murmurou de volta:
— Não faço ideia... E você ainda quer ser estratégico como ele?
Antes que Kreik pudesse responder, o professor Daaz encerrou a aula mais cedo. Vicente e Kenia saíram imediatamente, os dois não trocaram nenhuma palavra com os demais alunos. Kreik e Moara acompanharam o movimento deles, trocando olhares. Rufus, sentado no canto da sala, percebeu a tensão e apontou discretamente com a cabeça, indicando que deveriam segui-los.
Enquanto Kreik e Moara se levantavam, Prya e Clemência agarraram suas mãos, interrompendo-os.
— Ei, o que vocês vão fazer agora que a aula acabou? — perguntou Prya, com um sorriso curioso.
Moara, sempre ágil em situações assim, olhou rapidamente para Rufus que, com uma piscadela, chamou a atenção das duas amigas.
— Prya, Clemência, venham cá! Tenho algo interessante para mostrar! — chamou Rufus, desviando a atenção das duas.
Aproveitando a distração, Kreik e Moara escaparam rapidamente e voltaram a seguir Vicente e Kenia, mantendo-se a uma distância segura, escondendo-se atrás das colunas e árvores ao longo do caminho. A dupla continuou os seguindo de longe, mantendo-se nas sombras do corredor. Vicente e Kenia passaram a andar rápido, mas não o suficiente para parecerem apressados. O coração de Kreik começou a bater mais forte. Ele sabia que, se fossem pegos, toda a missão poderia ir por água abaixo.
— Anda mais devagar, Moara, eles vão perceber a gente se aproximando! — sussurrou ele, tentando parecer confiante.
— Deixa de besteira, eu sei o que tô fazendo, Kreik! — respondeu Moara com um sussurro firme. Mesmo assim, o nervosismo era evidente em sua voz.
De repente, Vicente parou abruptamente, seus olhos deslizando cautelosamente para trás. Kreik, reagindo por instinto, puxou Moara contra a parede. A superfície fria do corredor de pedra pressionava seus corpos, enquanto seus corações disparavam no peito. A respiração de Moara era quente e próxima, roçando o ouvido de Kreik, e por um breve momento, o silêncio dominou a cena.
Vicente, desconfiado, olhou ao redor. Seus olhos percorreram o corredor vazio, mas não viram ninguém. Soltando um suspiro de alívio, ele continuou a caminhar ao lado de sua amiga, Kenia.
Moara bufou suavemente, relaxando um pouco.
— Isso foi por pouco... — disse ela, olhando para Kreik com um leve sorriso.
— Eu te disse para mantermos distância — retrucou Kreik, tentando manter a seriedade, mas sentindo o alívio que ela também compartilhava.
Antes que pudessem reagir, uma voz familiar os surpreendeu.
— Vocês tão fazendo um péssimo trabalho em tentar ser discretos.
Kreik e Moara quase saltaram de susto ao ver Uji encostado em uma parede próxima, um sorriso travesso estampado no rosto. Moara soltou um pequeno grito, que tentou abafar com as mãos.
Vicente e Kenia, ao longe, pararam de novo, desta vez mais desconfiados. Kenia, com seus olhos brilhando, rapidamente se transformou em sua forma híbrida, uma mistura de coelho e humano, e saltou em direção ao beco onde Kreik, Moara e Uji estavam escondidos.
— O que foi aquele grito? — questionou Kenia, ao se aproximar de Uji, que ainda vestia a roupa de faxineiro, fingindo limpar o chão. — O que tá acontecendo aqui, faxineiro?
Uji, sem perder a compostura, fingiu surpresa ao ser abordado.
— Ah, foi mal... — disse ele, sorrindo nervosamente. — Eu tava limpando o lixo e um rato maldito me assustou. Quase me matou de susto. A propósito, senhorita, dizem que as mulheres adoram um homem de uniforme. É verdade?
Kenia o observou por um momento, sua expressão impassível. Ela parecia ponderar por alguns segundos, antes de retrucar sem muita emoção:
— Não deveria acreditar em toda baboseira que falam por aí.
Com um aceno de cabeça, Kenia voltou à sua forma humana e seguiu seu caminho ao lado de Vicente, que continuava desconfiado.
Assim que ficaram sozinhos novamente, Uji soltou um suspiro exagerado.
— Aí, que merda ser faxineiro! Se eu estivesse vestido de professor, a resposta seria outra — murmurou ele.
Moara, saindo de trás dos sacos de lixo, ainda um pouco pálida pelo susto, o encarou.
— Isso foi por pouco... Mas, afinal, Uji, o que você tá fazendo aqui? — perguntou ela, cruzando os braços.
— Vi vocês dois se esgueirando por aí e decidi dar uma olhada. Achei que precisavam de ajuda — respondeu Uji, sorrindo.
— Estamos seguindo aqueles dois alunos, Vicente e Kenia. Segundo o Rufus, foram eles que foram abduzidos pelo fantasma poeta — explicou Kreik, com a voz baixa.
Uji olhou para eles, seus olhos brilhando de confiança.
— Dessa vez, prestem mais atenção. Eu vou liderar. Só me sigam e não façam barulho.
Sem questionar, Kreik e Moara assentiram e seguiram Uji. Vicente e Kenia avançavam em direção à área dos banheiros, sempre lançando olhares desconfiados para os lados. Quando os dois alunos desapareceram na curva do corredor, Uji parou de repente.
— Eles se separaram — sussurrou ele, franzindo a testa. — Ela entrou no banheiro feminino, ele no masculino.
Kreik olhou para Uji, sem saber o que fazer.
— E agora?
— Eu cuido do cara, e Moara vai atrás da garota. Você, Kreik, fica de guarda aqui fora. Se algum deles sair, nos avise.
— Ok!
Uji e Moara seguiram rapidamente para seus respectivos banheiros, enquanto Kreik ficou do lado de fora, atento a qualquer movimento. O silêncio no corredor era quase opressor. Tanto Uji quanto Moara avançaram cautelosamente pelos banheiros vazios, mas ao chegarem ao último cubículo, não havia sinal de ninguém.
Moara saiu do banheiro bufando, frustrada.
— Não tem ninguém lá! Perda de Tempo!
Uji, por outro lado, havia notado algo. Uma janela estava aberta. Ele se aproximou, seus olhos estreitando-se ao ver papéis flutuando do lado de fora, sendo carregados pelo vento.
— Papéis? Isso é algum tipo de truque? — murmurou ele para si mesmo, intrigado.
Paralelamente, na sala da Reitora, Joabe estava sentado em silêncio, o semblante fechado. A Reitora Leonora o observava com olhar severo, suas mãos cruzadas sobre a mesa.
— Então, o que aconteceu? — perguntou ela, sua voz firme.
Joabe desviou o olhar, se recusando a responder. Havia uma teimosia em seus olhos, uma resistência que Leonora percebeu imediatamente.
— Eu perguntei o que aconteceu. Você e seus colegas já aprontaram demais por um dia. Primeiro, desafiando a professora Areta, e agora o professor Daaz. Você quer ser expulso com seus amigos? — insistiu ela, tentando romper o silêncio obstinado de Joabe.
Por alguns segundos, ele permaneceu calado, mas a ideia de colocar a missão em risco o fez ceder. Respirando fundo, Joabe finalmente falou:
— Foi pessoal. Só isso.
Leonora arqueou uma sobrancelha, intrigada.
— Pessoal? Entendo. — Ela se recostou na cadeira, seus olhos penetrantes analisando cada reação de Joabe. — Sabe, Joraco, sua atitude me faz lembrar uma história... Havia um lobinho que teve seus pais mortos e foi criado por ratos. O lobinho, embora fosse maior e mais forte que os ratos, aprendeu a viver como eles, pensando que também era um rato. Um dia, quando um gato atacou a toca dos ratos, o lobinho fugiu com medo, mesmo sendo claramente superior ao gato. Um pássaro, observando a situação decidiu intervir e perguntou ao lobinho o motivo dele ter fugido, embora fosse maior e mais forte que os ratos. O lobinho respondeu que não adiantava ser maior ou mais forte, porque um rato nunca venceria um gato.
Joabe, ouvindo a história, franziu a testa, confuso.
— O que você tá tentando dizer com isso? — perguntou ele, sua voz carregada de desconfiança.
— Eu nasci com uma doença rara e incurável. — Leonora suspirou, seus olhos suavizando. — Viajei o mundo com meu marido em busca de uma cura. Inclusive, estive no reino de Suna... No dia em que, segundo as autoridades, um homem e seu filho de um antigo clã atacaram o palácio real...
Antes que pudesse continuar, Joabe se levantou abruptamente, sua raiva transbordando.
— Pare! — gritou ele, irado.
Mas antes que pudesse dar mais um passo, uma poderosa aura invisível o atingiu. Leonora havia ativado sua presença soberana, pressionando Joabe com uma força esmagadora. Ele foi forçado a recuar, incapaz de resistir à energia que emanava da Reitora.
Quando ela desativou sua técnica, sua voz voltou ao tom suave de antes.
— Creio que agora você entendeu a história, meu lobinho — disse ela, calmamente.
Joabe, sem palavras, apenas olhou para o chão, derrotado.
— Eu não entendo o motivo que justifique tanto ódio nutrido pelo povo de Suna contra o clã Asura, principalmente após ver o “expurgo” realizado naquele episódio em Suna — continuou Leonora. — Mas nesta universidade, se quiser ficar, terá que superar esse ódio e seguir as regras. Então, faremos um acordo, você vai se desculpar com o professor Daaz, e vou considerar esse episódio encerrado.
Relutante, Joabe concordou, mas não pôde evitar retrucar:
— Você não conhece meu passado e do meu povo para julgar minhas ações.
Leonora sorriu levemente.
— E você também não conhece o meu, ou o dos outros, para julgar suas ações como corretas — respondeu ela, sabiamente.
Antes que ele pudesse sair, Leonora deu um último aviso:
— Ah, e avise sua alcateia... Não quero mais confusão vindo de vocês, ou então expulsarei os três de uma vez.
Joabe assentiu, sem dizer mais nada, e saiu da sala, com a mente tumultuada.
Durante aquela noite, Rydia, Baan e Uji se reuniram no quarto de Rydia, dentro da universidade. O ambiente estava à meia-luz, criando uma atmosfera de reflexão, enquanto os três discutiam suas percepções sobre o que estava acontecendo na universidade.
— Tem algo de errado com a professora Seraphine — comentou Baan, com o tom desconfiado. — Ela é a mais nova entre os professores, mas... algo nela não me inspira confiança.
Rydia assentiu, cruzando os braços. — Areta também não está convencida da presença de Uji. Ela pediu para que eu o espionasse — disse, lançando um olhar furtivo para Uji.
— Espionar?! — Uji ficou alarmado, levantando-se rapidamente. — Não basta me afastarem das festas de bebedeira e azaração com as alunas, agora virei alvo daquela professora doida de pedra?
Rydia não hesitou. Com um movimento rápido, deu um cascudo em Uji. — Eu já disse, esse tipo de coisa só existe nessa sua cabeça pervertida! — repreendeu ela, ainda irritada. — E afinal, cadê o Rufus, o Joabe, a Moara e o Kreik? Onde diabos eles se meteram?
Enquanto isso, nos corredores da universidade, Rufus, Joabe, Moara e Kreik caminhavam devagar, em silêncio. O ambiente estava sombrio, iluminado apenas pelo luar que entrava pelas janelas, criando sombras assustadoras nas paredes, quase como cenas de um filme de terror.
— Vamos mais rápido! — pediu Moara, que estava mais à frente, virando-se para os outros. — Estamos atrasados para encontrar o resto da guilda.
Joabe bufou, sem esconder sua irritação. — Foi você quem atrasou a gente, e agora tá reclamando? — retrucou ele.
Moara cruzou os braços e lançou um olhar desafiador. — Quanto mais bonita a mulher, mais tempo ela precisa pra se arrumar. É o preço da beleza — disse ela, num tom convencido.
Joabe riu, com uma provocação afiada nos lábios. — Se isso fosse verdade, você estaria pronta em questão de segundos.
— Como é?! — Moara parou no meio do corredor, indignada. — Deixa eu chegar aí perto pra você falar isso na minha cara, seu cabeça de vento!
No entanto, antes que pudesse avançar, Rufus sentiu uma mão pousar em seu ombro e gritou. Instantaneamente, Joabe, Kreik e Moara entraram em posição de guarda, preparados para qualquer ameaça. Mas uma voz suave os interrompeu.
— Calma, gente! Vocês estão muito nervosos — disse Prya, saindo das sombras com um sorriso descontraído.
Todos relaxaram, embora ainda tensos.
— O que estão fazendo andando por esses corredores escuros? — perguntou Prya, inclinando a cabeça, intrigada.
Os quatro se entreolharam, nervosos, incapazes de contar a verdade. Gaguejaram, tentando formular uma desculpa, mas Prya os interrompeu antes.
— Já sei! — exclamou ela, com os olhos brilhando. — Vocês estão investigando a história do poeta fantasma, não estão?
Moara, meio desconcertada, assentiu rapidamente. — Isso mesmo! — respondeu.
Joabe, desconfiado, estreitou os olhos. — E você, o que estava fazendo por aqui?
Prya suspirou, seu semblante ficando mais sério. — Também estou investigando essa lenda. Minha amiga Kenia mudou muito depois daquela noite em que foi ao jardim da universidade para observar as estrelas. Desde então, ela parece um zumbi, só vai às aulas e desaparece. Tenho certeza de que é culpa do poeta fantasma.
Ela cerrou os punhos, a tristeza evidente em sua voz. — Falei pra ela sobre a lenda, mas Kenia zombou de mim. Agora vou encontrá-lo e destruí-lo, libertando Kenia do controle mental dele.
— Mas como pretende derrotar um fantasma? — perguntou Kreik, curioso.
Prya sorriu confiante e tirou um crucifixo e um alho do bolso. — Fácil! Basta usar o crucifixo para enfraquecê-lo e depois acabar com ele com um alho inteiro.
— Nossa Prya, você foi muito espera, acho que isso deve funcionar! — disse Moara impressionada.
Kreik coçou a cabeça, meio desconcertado. — Acho que isso funciona com vampiros, não com fantasmas...
Prya olhou para os itens em suas mãos e seu rosto ficou pálido. — Não acredito! Troquei as informações! — exclamou, jogando os itens fora. — Parece que vamos ter que derrotá-lo na moda antiga... Com magia.
— “Vamos”? — perguntou Joabe, arqueando uma sobrancelha.
— Sim! — respondeu Prya, como se fosse óbvio. — Vocês não estão aqui pra isso também?
Rufus, meio sem jeito, assentiu. — É verdade... — disse, desconcertado.
Eles continuaram caminhando, agora com Prya liderando ao lado de Kreik e Moara, enquanto Joabe e Rufus seguiam logo atrás.
— E agora, Rufus? Como vamos nos livrar dessa sua amiga e nos reunir com o pessoal? — perguntou Joabe, abaixando a voz para não ser ouvido.
Rufus suspirou, sem saber o que responder. — Eu não sei...
Joabe lançou um olhar para Rufus e sugeriu em tom provocador. — Se quiser, eu posso apagá-la rapidinho.
Rufus balançou as mãos em negação. — Não, não! Tá maluco?!
Após mais alguns minutos de caminhada, Prya parou e olhou ao redor. — São muitas salas de aula. Vamos nos separar. Rufus, você, Joraco e Kreinald olham as salas à direita, enquanto eu e Hermiara verificamos as da esquerda.
Eles obedeceram, e assim Prya e Moara começaram a investigar algumas salas. De repente, Moara avistou vários papéis espalhados no chão de uma das salas.
“O que são esses papéis?” — murmurou ela consigo. “Uji me disse que viu papéis voando quando Vicente sumiu no banheiro... Será que...?”
Antes que pudesse terminar o pensamento, um grito estridente ecoou pelo corredor.
— Esse grito... Foi a Prya! — exclamou Rufus, alarmado, em outra sala.
Todos correram para fora da sala e viram, aterrorizados, a parede à frente se quebrar. Moara foi arremessada para o corredor, com cortes ao redor de seu corpo. Os amigos se apressaram para ajudá-la.
— O fantasma maldito... — disse Moara, ofegante, enquanto socava o chão com raiva. — Ele apareceu... E capturou Prya.
De repente, do meio da parede quebrada, surgiu o poeta fantasma. Ele segurava um livro verde em suas mãos, usava um manto encapuzado, uma máscara prateada e luvas pretas. Páginas de papel giravam ao redor dele, como se o protegessem. Aos poucos, as folhas de papel começaram a se formar em duas colunas, que logo tomaram a forma de figuras humanas encapuzadas, menores que o poeta.
As duas figuras tiraram seus capuzes, revelando seus rostos.
— Como é possível? — murmurou Rufus, tremendo de medo. — Vicente e Kenia?!