Volume 3
Capítulo 96: Intervenção e Suspeita
— Que droga, até o Uji se envolveu na luta... — murmurou Joabe, no alto da arquibancada, com a voz quase inaudível. Ele trocou um olhar preocupado com Kreik, ambos tensos com o desenrolar da situação. Rydia, embora em um assento mais abaixo, compartilhou do mesmo sentimento.
Areta olhou para Uji, seus olhos estreitados em desconfiança.
— O que faz aqui, faxineiro? Não deveria estar limpando o campus ao invés de interromper minha aula? — perguntou, com a voz fria.
— Faxineiro, essa luta é minha! Por que interviu logo agora, quando eu estava prestes a ganhar o duelo? — Moara reclamou, tentando manter o disfarce.
Preso na barreira, Uji gritava de dor enquanto a prisão mágica o comprimia.
— Aaaargh! Só um minuto, professora! Eu já explico! Só me tire daqui, por favor! — suplicou, a voz entrecortada pelo sofrimento.
— Não farei isso... — Areta cruzou os braços, impassível. — Pelo menos, não sem um bom motivo.
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— Eu estava limpando o lixo, a pedido da sua estagiária. Daí vi essa... sujeira no chão e não quis que a aluna sujasse a roupa. Afinal, ela tem outras aulas... — ofegante, disse Uji, tentando justificar-se de forma convincente.
— Ah, que explicação maravilhosa, faxineiro! Professora, ele só é burro e achou que o símbolo rúnico era sujeira no chão. Pode soltar ele — Moara, revirando os olhos, acrescentou com sarcasmo.
Areta, ainda desconfiada, hesitou por um momento antes de desfazer a barreira.
— Pode sair andando, faxineiro.
Uji tentou se levantar, mas ao dar os primeiros passos, suas pernas cederam, e ele caiu no chão, segurando-as com força enquanto uma dor intensa o percorria.
“Como eu pensei...”, refletiu Areta, observando-o com olhar calculista.
Ela se virou para um dos alunos na arquibancada e fez um gesto.
— Leve-o até a enfermaria — ordenou, com autoridade.
Após Uji ser levado, Areta voltou sua atenção para Moara, que ainda parecia pronta para continuar o combate.
— Está pronta para continuar, professora? — perguntou Moara, tentando esconder o cansaço.
— Tsc. — Areta suspirou. — Deixe de ser atrevida e suba para a arquibancada, antes que eu mude de ideia. Você tem 10 segundos. 9... 8...
Mesmo ferida, Moara usou as poucas forças que lhe restavam para correr até o primeiro lugar disponível na arquibancada, onde se jogou, decidindo ficar em silêncio pelo restante da aula.
Areta suspirou novamente, voltando sua atenção para os demais alunos.
— Viram aquele símbolo rúnico no chão? Aquilo é o que chamamos de “Trunfo do Caçador”. Consiste em selar poder mágico em pessoas, locais ou objetos, que só se manifestam mediante toque ou sob certas condições. É uma técnica estratégica poderosa em combate. Quem domina o Trunfo do Caçador pode desenvolver técnicas de selamento e acionamento estratégico, além de aprimorar o tempo de recarga e a duração de suas habilidades.
Os alunos estavam atentos, absorvendo cada palavra.
— O Trunfo do Caçador exige paciência absoluta. O mago deve eliminar toda ansiedade e saber aguardar o momento certo para atacar sua presa. Alguma dúvida? — Areta perguntou, olhando de um lado a outro.
— Não, professora! — responderam todos em uníssono.
— Perfeito! — Areta sorriu, satisfeita. — Agora, vamos para o último potencializador... A Presença Soberana.
Areta manteve as mãos para trás, fechando os olhos com uma calma desconcertante. Os alunos se entreolharam, confusos, sem entender o que ela estava prestes a fazer. De repente, ela deu um passo suave para frente. No instante em que seu pé tocou o chão, seus olhos se abriram com uma intensidade afiada, e uma aura invisível e esmagadora se espalhou pela sala.
O ambiente foi tomado por uma pressão opressora, como se a própria morte pairasse sobre os presentes. Todos os alunos ficaram paralisados, incapazes de se mover, tomados pelo medo. Suas respirações se tornaram irregulares, o suor escorria pelas têmporas, e o terror se instalou em seus corações, sem que soubessem exatamente por quê.
Areta manteve aquela atmosfera sufocante por alguns segundos, antes de fechar novamente os olhos. A aura se dispersou de repente, deixando todos os alunos exaustos e ofegantes, como se tivessem escapado por pouco de uma morte iminente.
— O que foi... aquilo? Eu pensei que fosse morrer! — exclamou Clemência, ainda tremendo.
Donny, ao seu lado, parecia igualmente abalado, mas tentou fazer uma piada para aliviar a tensão. — Eu também não sei, mas, Rufus... sua mãe é perigosa. Não sei como você conseguiu ser criado por ela sem enlouquecer!
Rufus, que sempre teve uma postura altiva, parecia abalado pela demonstração de poder de sua mãe. — Ela é poderosa, sim... mas nem eu sabia que ela tinha essa capacidade... — respondeu ele, misturando surpresa e medo.
Sentados na arquibancada, Kreik e Joabe observavam em silêncio. Joabe se inclinou para perto de Kreik, sussurrando com seriedade:
— Kreik, não importa o que aconteça, temos que evitar um confronto direto com essa professora. O nível dela está muito além do Baan.
— Pode deixar... — Kreik engoliu em seco, assentindo rapidamente. — Isso ficou claro pra mim também.
Areta, retomando a compostura, começou a explicar calmamente:
— Isso que vocês sentiram foi o potencializador de aura chamado Presença Soberana. Consiste em liberar toda a sua soberania e determinação de uma só vez, projetando uma aura invisível e amedrontadora. Na sua forma bruta, ela é capaz de desmaiar pessoas de baixo nível mágico e subjugar até mesmo animais ferozes. Contra magos mais experientes, essa aura pode paralisá-los por uma fração de segundo, o suficiente para virar o curso de uma batalha.
Moara, ainda se recuperando, pensou em voz baixa, enquanto analisava o que acabara de presenciar: “Então... foi assim que o Baan conseguiu dominar o gato guerreiro da menina fera em Passafora. Quando ele disse que tinha o nível de um General sem a restrição do selo, ele não estava brincando...”
— Ao dominar a Presença Soberana, o mago consegue desenvolver habilidades voltadas para imobilização, restrição de movimentos ou até mesmo imposição de vontade. Mas lembrem-se, para dominar esse potencializador, vocês devem ter pleno controle sobre sua própria determinação. Vocês precisam ser capazes de subjugar a força de vontade do oponente. — Areta continuou sua explicação, mantendo a voz firme.
A professora então olhou para os alunos, avaliando suas expressões tensas e temerosas.
— Alguma dúvida? — perguntou, em um tom que desafiava qualquer um a responder.
A cena então mudou para um quartel militar em Meryportos, onde o Coronel Noah Malik estava de pé, observando um grupo de soldados em treinamento. Entre eles estavam os tenentes da família Sundiata, Mayumi e Ryujiro, ambos atentos à aula que também tratava dos potencializadores de aura.
Ryujiro, sempre ousado, levantou a mão.
— Coronel, eu ainda tenho uma dúvida. Se eu quiser chegar ao seu nível, isso significa que preciso dominar todos esses seis potencializadores?
Malik riu, cruzando os braços enquanto refletia por um momento.
— Nem mesmo eu, como coronel, sou capaz de dominar todos os potencializadores, Ryujiro. Aliás, nem mesmo um general poderia. É impossível dominar com maestria todos eles. — Ele olhou nos olhos dos dois irmãos, notando suas expressões de surpresa.
— Mas, coronel, como pode dizer isso se você demonstrou todos eles? — Mayumi, sempre mais cautelosa, perguntou com curiosidade.
Malik levou a mão ao queixo, ponderando antes de responder:
— Deixe-me explicar. Existem três fases para cada potencializador: despertar, dominar e alcançar a maestria. Despertar significa usar o potencializador em sua forma mais bruta, o que pode ser usado poucas vezes e gasta uma enorme quantidade de energia. Já dominar significa moldá-lo e adaptá-lo ao seu estilo de combate e técnicas. E maestria é quando você consegue combinar dois ou mais potencializadores em uma mesma técnica.
Ryujiro e Mayumi trocaram olhares confusos.
— Vou dar um exemplo — continuou o coronel. — Imaginem um mago transmorfo com habilidades de sapo. Se ele despertar o potencializador Impulso Fervoroso, ele será capaz de realizar alguns saltos poderosos, mas a um custo físico enorme. No entanto, se ele dominar esse potencializador, poderá moldá-lo para criar técnicas que envolvam saltos destrutivos ou golpes de impacto. Se ele tiver maestria, por exemplo, em Impulso Fervoroso e Território de Caça, ele pode combinar ambos para criar um jato de água impulsionado, com alta potência e alcance.
— Isso significa que, dependendo dos potencializadores dominados, magos com as mesmas habilidades podem criar técnicas completamente diferentes? — questionou Mayumi, intrigada.
— Exatamente — respondeu Malik. — Dominar um potencializador significa superar seus próprios limites e usá-lo dentro de seu estilo de luta. A maestria é a capacidade de combinar essas habilidades e criar algo novo e ainda mais poderoso.
— E como saberemos se realmente dominamos ou alcançamos a maestria de um potencializador? — perguntou novamente Mayumi.
— Isso é difícil de dizer, porque estamos falando de algo intangível, sentimentos. Mas, para ilustrar melhor... — ele fez uma pausa, observando as reações de ambos os jovens — Imagine um hexagrama, onde cada vértice representa um potencializador. Digamos que dominar um deles seria ter uma proficiência acima de 50%. Entretanto, alcançar a maestria exige uma proficiência superior a 75%.
Mayumi assentiu, mas seu irmão, Ryujiro, parecia impaciente. Ele inclinou-se um pouco à frente, os olhos brilhando com curiosidade.
— Afinal, Coronel, alguém da sua patente tem controle sobre quantos potencializadores? — questionou Ryujiro.
O Coronel Malik sorriu de canto. Ele já esperava essa pergunta. Endireitando a postura, começou a explicar com a autoridade de quem já percorreu um longo caminho na hierarquia da GPA.
— Vou fazer melhor que isso. Vou te dar um panorama completo de cada patente da GPA. — Ele fez uma pausa, como se estivesse medindo o impacto de suas palavras. — Um soldado raso não compreende fundamentos mágicos. Um tenente, no entanto, precisa ter pleno domínio sobre equipamentos rúnicos e runas. Já um capitão, além de obrigatoriamente ser um mago, ele precisa ter um profundo conhecimento sobre os funcionamentos básicos da magia, compreendendo suas habilidades atuais, seus pontos de melhoria e o caminho a ser percorrido em seu desenvolvimento.
Mayumi interrompeu com um aceno de cabeça, seus olhos se iluminando com uma percepção repentina.
— Por isso ainda não fomos promovidos a capitão... — comentou, pensativa. — Precisamos entender a verdadeira extensão de nosso potencial e como corrigir os erros que surgiram do nosso desenvolvimento precoce.
— Exatamente. — Malik sorriu com aprovação. — Agora, um major domina pelo menos dois potencializadores de aura. Quanto a mim, como Coronel, eu preciso ter minimamente maestria em dois potencializadores e domínio sobre mais um.
Ryujiro arqueou uma sobrancelha, fascinado, mas antes que pudesse falar, o Coronel prosseguiu:
— Por fim, um general alcança a maestria em três ou quatro potencializadores. Inclusive, o máximo que alguém pode atingir é a maestria em quatro, mais que isso... é impossível.
O Coronel Malik observou os dois por um momento, percebendo o entusiasmo em seus olhos. Ele então finalizou:
— O objetivo de vocês agora é despertar seus potencializadores... isso se ainda quiserem se tornar capitães ou, quem sabe, alguma patente de maior hierarquia.
Mayumi e Ryujiro trocaram um olhar animado, sentindo o peso das palavras de Malik. Uma chama de determinação acendeu-se neles. Ao mesmo tempo, suas vozes soaram em uníssono:
— Certo, Coronel!
Mais tarde, na Universidade Flamel, a professora Areta caminhava ao lado de Rydia, que segurava uma pilha de pastas pesadas. O som de seus passos ecoava pelos corredores enquanto o silêncio reinava ao redor. Ao chegarem na sala da professora, Areta abriu a porta e entrou, indicando para Rydia que a seguisse.
A professora sentou-se com um suspiro em sua poltrona de couro e, com um leve sorriso no rosto, perguntou:
— Conseguiu aprender junto com a turma a aula de hoje?
— Sim, professora! — Rydia assentiu rapidamente, seu tom respeitoso como sempre. — A senhora demonstrou, mais uma vez, o porquê de sua fama como a grande Reitora dessa instituição.
Areta sorriu, satisfeita com o elogio. Ela observou a jovem à sua frente por um instante, refletindo. Havia algo mais em sua mente.
— A propósito, Ludya — disse, seu tom de voz suavizando —, tenho um favor a lhe pedir. Quero que monitere alguém.
Rydia, que até então se mantinha calma, sentiu um leve tremor em seu coração. A ideia de ter disfarce da guilda descoberta estava deixando-a nervosa, mas ela tentou disfarçar, mantendo a voz firme.
— Seria um daqueles dois alunos insubordinados da aula de hoje?
— Não. — Areta soltou uma risada curta. — Eles não passam de pestinhas fáceis de subjugar. — Ela então inclinou-se para frente, os olhos mais afiados. — Quero que você monitore aquele faxineiro.
Rydia congelou por um momento, surpresa.
— O faxineiro...? — Ela perguntou, tentando entender o motivo por trás de tal pedido. — Por que, professora?
Areta fechou os olhos por um instante, como se estivesse relembrando na memória uma cena anterior.
— Aquele faxineiro... — ela começou, sua voz grave —, ele se moveu numa velocidade anormal. No início, suspeitei que fosse um impulso fervoroso. Mas não quis acreditar. Então o liberei da barreira... e seus pés vacilaram. O que significa que ele realmente realizou um impulso fervoroso incompleto. Agora, me diga, por que diabos a Reitora contrataria um faxineiro com esse tipo de habilidade? — A professora cerrou os punhos e seus olhos se estreitaram, revelando uma raiva contida. — Aquela mulher pretende algo e vou descobrir o que é.
Rydia sentiu um arrepio percorrer sua espinha. A possibilidade de que Areta estivesse se aproximando demais da verdade a deixou tensa. Ela sabia que qualquer desvio poderia colocar sua guilda em risco. Com um aceno firme, escondeu o nervosismo por trás de um sorriso discreto.
— Certo, professora. Como a senhora desejar.
Rydia saiu da sala, seu coração batendo acelerado. Pensamentos sobre as possíveis consequências para a guilda giravam em sua mente. “Se Areta descobrir nossas verdadeiras identidades... ela matará a todos sem piedade”, ela pensou, sentindo o peso da responsabilidade sobre seus ombros.