Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 3

Capítulo 136: Dentro de Você

A noite estrelada servia de pano de fundo para uma chuva constante que caía sobre a praia. As ondas quebravam suavemente na areia, acompanhadas pelo som dos pingos atingindo o chão molhado. Leonora caminhava calmamente, protegida por um guarda-chuva negro que contrastava com sua figura elegante. Cada passo parecia calculado, apesar da areia molhada e do vento gélido que cortava o ar. 

Ao se aproximar do ponto de encontro, seus olhos captaram a figura do Poeta Fantasma. Ele estava sentado em uma rocha próxima ao mar, com o manto encharcado e esvoaçando levemente. A atmosfera era densa, como se a própria natureza pressentisse a tensão entre os dois. 

Leonora parou a poucos metros dele, sua postura impecável e voz carregada de ironia. 

— Realmente deve ser algo muito importante para você me chamar aqui, no meio de uma chuva dessas. — Um leve sorriso puxava o canto de seus lábios. — Arriscar pegar um resfriado não parece muito sábio, nem para alguém como você. 

O Poeta Fantasma soltou uma risada rouca com sua voz distorcida pela máscara que usava. Ele levantou o olhar para encará-la. 

— Não conhecia esse seu lado cômico, Reitora. 

— Há muitas coisas sobre mim que você desconhece. — Leonora respondeu, o olhar afiado. — Mas diga logo o que quer. 

O homem se levantou com um movimento fluido, apontando diretamente para ela, os olhos brilhando com uma intensidade inquietante. 

— Eu quero você. 

Leonora arqueou uma sobrancelha, mantendo a compostura enquanto sua voz carregava um novo toque de sarcasmo. 

— Posso ser viúva, mas ainda não estou aberta a novos relacionamentos. Principalmente com alguém da sua laia. 

O Poeta Fantasma gargalhou, jogando a cabeça para trás. 

— Hoje seu senso de humor está aflorado, ou talvez eu não tenha sido claro o suficiente. — Sua expressão se tornou séria de repente. — Vou explicar melhor: eu quero o que está dentro de você. 

Por um breve instante, o rosto de Leonora congelou. Uma gota de suor misturou-se à água que escorria de sua testa. Ela respondeu, tentando disfarçar o nervosismo que a informação lhe causara. 

— O que quer dizer com “o que está dentro de mim”? 

O Poeta Fantasma deu alguns passos em sua direção, cada palavra carregada de desprezo. 

— Ah, Leonora, não se faça de idiota. Você pode enganar aquela sua guilda contratada, suas duas amigas professora ou até mesmo Areta, mas não a mim. Eu sei sobre o que Randalf usou para curá-la... e o que estava naquela gaiola no dia daquele ritual mágico. 

Leonora engoliu em seco, seus pensamentos fervilhando. “Impossível... nunca falei disso para ninguém. Omiti essa informação da Crossed Bones, da Kassandra e da Seraphine... como esse maldito sabe disso?” 

Ela respondeu com voz firme, embora seu semblante mostrasse um leve tremor. 

— Ainda não estou entendendo onde quer chegar. 

O Poeta Fantasma estreitou os olhos, irritado com a tentativa de evasão. 

— Chega de palhaçada, Leonora. — Sua voz ecoou acima do som das ondas. — Você sabe o que eu quero e farei de tudo para conseguir.  — Magna Fábula! — ele falou, quase recitando. De repente, um livro verde foi materializado em suas mãos, sua capa brilhando com inscrições rúnicas douradas. 

“Esse livro? Será ele um conjurador ou um forjador?”, refletiu Leonora, observando fixamente o livor.

— Capturei seus alunos e proponho uma troca. Eu os libertarei, e você entra de bom grado no meu livro. É uma troca justa: a liberdade deles pela sua prisão. 

— Hum... Posso saber o que pretende fazer ao me prender nesse livro?

— Irei realizar outro ritual, mas no sentido contrário. Vou apenas separar aquilo que Randalf uniu. Depois disso, você retorna para a sua vida comum e ficará livre.

Leonora apertou o punho, sua expressão transparecendo tristeza e frustração. Por um momento, sua mente a levou de volta ao dia em que perdeu o marido. 

— Esses rituais... — murmurou, mais para si do que para ele. — Eles nunca saem como o planejado. Vai por mim, já tenho muita experiência nisso. — Ela ergueu o olhar na altura dos olhos do vilão. — É melhor desistir agora, libertar os alunos e eu deixo você sair com vida. 

O Poeta Fantasma sorriu friamente, balançando a cabeça. 

— Deixe de ser petulante, Leonora. Você não está em vantagem aqui. Apenas aceite meus termos e sinta-se satisfeita. 

Ela o encarou, os olhos brilhando com uma mistura de desafio e determinação. 

— E se eu recusar? 

— Eu matarei seus alunos sem piedade. 

Leonora desviou o olhar para o céu, ainda segurando o guarda-chuva. A chuva parecia ganhar intensidade, as gotas deslizando por seu rosto. 

— Sabe... — começou ela, um sorriso enigmático se formando. — Ouvi dizer que basta arrancar as folhas do seu livro para libertar os alunos. Não me parece uma tarefa muito difícil. 

O Poeta Fantasma gargalhou mais uma vez, folheando as páginas do livro com um movimento quase teatral. 

— Acredita mesmo nisso? Quer testar? Societas poetarum mortuorum (Sociedade dos Peotas Mortos). 

Das páginas começaram a emergir folhas mágicas que flutuavam no ar, se unindo lentamente para formar figuras humanas. Em poucos segundos, os clones perfeitos de Moara, Donny, Kênia e Vicente estavam diante dela, cada um carregando uma expressão vazia, mas com a mesma aparência dos originais. 

Leonora fechou o guarda-chuva lentamente, permitindo que a chuva caísse livremente sobre ela. Seu riso ecoou pela praia, carregado de mistério. 

— Se sabe o que realmente aconteceu no dia em que perdi meu marido, então sabe também quais são as minhas novas habilidades. — Ela ergueu os braços, como se abraçasse a tempestade, um brilho de superioridade iluminando seu rosto. — E sabe que, com esse clima, você nunca me derrotará. 

Sua voz soou como um trovão quando ela finalizou: 

— Conheça minha primeira habilidade: Cumulus! 

Enquanto Leonora iniciava seu confronto contra o Poeta Fantasma, com passos firmes, Baan e Rufus finalmente chegaram à entrada da sala de Areta. O ambiente era protegido por uma poderosa barreira mágica, brilhando com uma energia que oscilava como se estivesse viva. Baan, com seu típico sorriso despreocupado, olhou para Rufus e apontou a porta. 

— Sua vez, Rufus. Libere a entrada. — Sua voz carregava uma mistura de confiança e urgência. 

Rufus, mais reservado e focado, ajustou os óculos com precisão. — Certo. Deixe comigo. 

O jovem mago estendeu a mão, invocando seu Alquimista Negro, a entidade robusta e envolta de uma poderosa aura escura, caminhou até a barreira e tocou-a com uma de suas mãos. O brilho da proteção começou a vacilar, enquanto, na outra mão, o Alquimista moldava uma gladius negra, alimentada pelo poder de Areta. 

Em poucos segundos, a barreira se desfez com um leve estalo. Rufus recuou um passo, ofegante, mas satisfeito com o resultado. 

— Vamos, antes que a barreira se regenere. — Ele sinalizou para Baan. 

Os dois entraram na sala espaçosa. Livros estavam espalhados por prateleiras que iam do chão ao teto, e artefatos mágicos brilhavam com energia pulsante. Era o tipo de lugar que parecia esconder segredos em cada canto. 

Baan começou a vasculhar os armários e prateleiras, sua abordagem sendo mais caótica do que metódica. 

— Aaah, que droga! — ele resmungou. — Se a Rydia estivesse aqui, já teria achado alguma coisa. 

Rufus, que mexia em uma das mesas laterais, lançou-lhe um olhar de reprovação. — Não podemos desistir. O tempo está contra nós. Logo os poderes do Alquimista vão desaparecer, e a barreira vai voltar ao normal. 

Baan ignorou o aviso e continuou mexendo em tudo, até que esbarrou em uma prateleira, fazendo vários livros caírem no chão. Apenas um permaneceu em seu lugar, imóvel como se estivesse preso. 

Ele e Rufus trocaram olhares. 

— Isso parece suspeito — Rufus comentou. 

Baan tentou puxar o livro, mas ele não se moveu. Então tentou incliná-lo como uma alavanca, mas nada aconteceu. 

— Ai, que merda! — Baan exclamou. — Sempre nos filmes é só puxar o livro que a passagem secreta abre! Por que com essa mulher tinha que ser diferente? 

Rufus ficou pensativo por alguns segundos, então estalou os dedos. — Abra o livro na página 1563 e faça o mesmo movimento. 

Assim que ele inclinou o livro na página indicada, um compartimento secreto se abriu no chão. Baan olhou para Rufus, surpreso. 

— Como você sabia dessa página?

Rufus desviou o olhar, ajustando os óculos. — 1563... Foi o ano de nascimento do meu irmão, Randalf, o prodígio da família Flamel. 

Baan percebeu a melancolia no tom de Rufus. Ele deu uma leve batida no ombro do jovem, tentando aliviar o clima. 

— Bom trabalho, gênio. Vamos ver o que temos aqui. 

Os dois avançaram pelo compartimento, que levava a um laboratório secreto. A iluminação fraca realçava o brilho de cristais mágicos espalhados pelas mesas e estantes. 

Bardo, estava preso no local e observava tudo de seu esconderijo, ele pensou em sair assim que viu Baan, todavia, ao se deparar  com o Alquimista Negro, ele estremeceu de medo e optou por não sair de seu canto. 

— Ei, Rufus. Você me disse que o cristal do Randalf tá aqui, certo? — Baan perguntou enquanto examinava o ambiente. 

— Sim, minha mãe o guardava neste laboratório. 

Baan deu um assobio baixo, impressionado. — Pois bem, além de procurar algo que possa ligar sua mãe ao Poeta Fantasma, vamos encontrar esse cristal. 

Rufus assentiu, mas algo chamou sua atenção. Seus olhos vibraram ao ver um compartimento selado por uma barreira. 

— Baan, ali! — Ele apontou, com um brilho de determinação no olhar. — Minha Besta Mágica consegue ver manifestações, selos e encantamentos mágicos. Naquele lugar tem uma barreira impedindo o acesso. Não tem motivo para minha mãe selar algo tão cuidadosamente se não for importante. 

Baan concordou. — Consegue fazer seu Alquimista romper essa barreira? 

Rufus ajeitou os óculos novamente e sorriu confiante. — Com o poder que nossos companheiros me cederam, sim. 

O Alquimista tocou o compartimento, e a barreira começou a vibrar. Com um pouco mais de esforço, ela se desfez em fragmentos luminosos, enquanto o alquimista moldava uma espada com a outra mão. Assim que a barreira caiu, eles abriram o compartimento e se depararam com algo inesperado: um corpo. 

 

 

— Nossa... — Baan murmurou, impressionado. — É idêntico à Leonora, mas alguns anos mais jovem. Parece uma réplica perfeita. 

— É o homúnculo perfeito. — Rufus explicou, sua voz carregada de emoção. — Meu irmão criou isso a partir do DNA dela. 

Baan coçou a nuca, desconfortável. — E o que vamos fazer com isso? 

— Vamos devolvê-lo à Leonora. Ela merece isso de volta. 

Baan suspirou, resignado. — Fugir com um corpo desse tamanho nos braços vai chamar muita atenção... Mas, se insiste... Tudo bem. Só continue procurando o cristal do Randalf enquanto eu dou um jeito nisso. 

Antes que pudessem agir, a runa de comunicação de Baan brilhou. Ele a pegou do bolso e atendeu com sua típica despreocupação. 

— Oi, Rydia. Que foi?

Nesse ínterim, nos corredores da universidade estavam mais silenciosos do que o normal, com uma atmosfera pesada que parecia crescer a cada passo que o grupo dava. Uji, Joabe, Kreik, Clemência e Cassie caminhavam em direção aos dormitórios. O som dos sapatos ecoava pelas paredes, mas, apesar do aparente silêncio, havia um incômodo latente que pairava entre eles. 

Joabe quebrou o silêncio com sua voz carregada de insatisfação: 

— Esse negócio de ficar temporariamente sem poderes... Eu não gosto disso. Me sinto como um animal indefeso. 

— Concordo contigo. — Clemência assentiu, suspirando profundamente. — É muito chato ficar de molho enquanto os outros vivem toda a aventura. — Sua voz oscilou, carregada de frustração. — Queria libertar o Donny e a Moara... E também... — Ela hesitou, apertando os punhos. — Falar com a Prya. 

Kreik tentou suavizar o clima, exibindo um sorriso encorajador: 

— Vamos conseguir salvá-los, Clemência. Só precisamos de uma chance... Uma oportunidade para pegar o Poeta Fantasma e a Prya desprevenidos. 

Cassie, que caminhava ao lado, subitamente parou. Seu olhar desviou para o corredor escuro à direita, enquanto ela franzia as sobrancelhas, claramente alerta. 

— Ei, Cassie! — chamou Joabe, irritado, olhando para trás. — Anda logo! O que você tá fazendo aí parada? 

— Desculpa... — murmurou Cassie, ainda encarando o corredor. — Mas tive a impressão de ver algo voando... Dentro de uma bolha. 

Clemência se aproximou da amiga, semicerrando os olhos como se quisesse enxergar além das sombras: 

— Sério? — Ela inclinou a cabeça, mas balançou-a logo depois. — Não tô vendo nada. Acho que foi só coisa da sua cabeça. 

Cassie, ainda desconfiada, tentou afastar a sensação estranha. 

— Talvez tenha razão... 

No entanto, aos se virarem, mas antes que elas pudessem continuar, ambas gritaram ao sentir algo se prender aos seus tornozelos. Fios brilhantes, como tentáculos viscosos, emergiram das sombras e as arrastaram para o corredor escuro em um movimento rápido e cruel. 

— Cassie! Clemência! — gritou Kreik, avançando um passo instintivamente, mas parando ao sentir o ar pesado e opressivo vindo do corredor. 

Joabe e Uji se posicionaram ao lado dele. Os três ficaram frente a frente com a escuridão que parecia pulsar. Um som de passos, lentos e calculados, começou a ecoar, aproximando-se. 

Joabe cerrou os dentes, com a irritação evidente em sua voz: 

— Deve ser aquele Poeta maldito... 

Uji estreitou os olhos, erguendo a katana com um movimento rápido e decidido. Sua voz soou fria: 

— Não. Isso... É algo diferente. — Ele deu um passo à frente, encarando o vazio à frente. — Apareça, seja lá quem for. Ou eu vou te cortar em pedaços. 

Os passos finalmente cessaram. Da escuridão emergiu o professor Lemon Doyle com um rosto frio e apático que gelou o sangue do grupo. Seus óculos refletiam a luz, escondendo parcialmente o olhar que parecia analisar cada um deles.

 

 

Mas o que chamou a atenção foram seus braços, os quais estavam transformardos em tentáculos translúcidos que brilhavam como os de uma água-viva. Neles, estavam Cassie e Clemência, presas e imobilizadas. Seus corpos eram envoltos pelos tentáculos, e suas bocas cobertas, impossibilitando qualquer grito de socorro. 

Joabe, com o rosto vermelho de raiva, apontou para o professor: 

— Solte as duas, agora, ou eu vou acabar com você, seu desgraçado! 

— Calma, meu caro. — O sorriso maligno formando-se em sua boca, o qual ampliava-se cada vez mais. — Não há necessidade de sermos tão... Agressivos. — Ele soltou uma risada baixa e carregada de cinismo. — Pelo meos... não agora. Não enquanto vocês não me derem as respostas que eu quero. 

Ele inclinou levemente o corpo para frente, como se apreciasse a tensão no ar, e completou, a voz gotejando sarcasmo: 

— Então... Que tal conversarmos como adultos civilizados? Hehehe...



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