Volume 3
Capítulo 135: Mãos à Obra
Na quietude da madrugada, a campainha da casa de Areta soou, rompendo o silêncio com uma urgência inesperada. Areta, ainda vestida com um robe de seda branco, aproximou-se da porta com um semblante de irritação, ajeitando o cabelo desalinhado pela noite de sono. Ao abrir a porta, sua expressão de surpresa não pôde ser contida ao reconhecer a figura diante dela.
— Ludya? — perguntou, franzindo a testa. — O que está fazendo aqui a esta hora? Isso é alguma emergência?
Rydia, levemente molhada pela garoa que começava a cair, inclinou levemente a cabeça em respeito e respondeu:
— Professora, peço desculpas por incomodá-la tão tarde... Mas preciso falar com a senhora sobre algo importante. Será rápido, eu prometo.
Areta hesitou por um momento, mas abriu espaço para que a jovem entrasse.
— Muito bem, venha — disse com um tom de voz firme. — Mas isso realmente deve ser algo importante para justificar sua presença agora.
As duas caminharam pela casa silenciosa até a área do jardim coberto, onde a vegetação parecia brilhar sob a fraca luz das lanternas mágicas. Areta gesticulou para que Rydia se sentasse em uma das cadeiras de ferro fundido da cor branca.
— Vou preparar um chá — disse Areta, olhando para Rydia com olhos avaliativos. — Enquanto isso, espero que esteja pensando em uma boa razão para me acordar no meio da noite.
Assim que Areta desapareceu pela porta em direção à cozinha, Rydia suspirou profundamente e começou a tamborilar os dedos sobre a mesa, pensativa. Ela sabia que precisava agir rápido. Seu verdadeiro objetivo era substituir as runas de alarme que Areta havia instalado na casa, mas ainda não tinha decidido que desculpa usar para distraí-la.
Enquanto refletia, seus olhos pousaram em sua mão esquerda, onde ainda estava o anel que havia roubado do professor Hazard. “Esse anel... acho que esqueci de tirá-lo quando eu me vestia”, pensou, antes de ajustar a postura quando ouviu passos voltando.
Areta retornou com uma bandeja que trazia duas xícaras fumegantes de chá e um pequeno prato de biscoitos amanteigados. Colocando a bandeja sobre a mesa, ela sentou-se e cruzou as pernas, inclinando-se levemente para frente.
— Agora, diga-me, Ludya. Qual é esse assunto tão urgente? — perguntou, tomando um gole de chá.
Rydia endireitou os ombros e lançou um olhar sério para Areta, mesmo enquanto sua mente trabalhava rapidamente para formular uma mentira convincente.
— Professora, vim porque queria relatar uma informação importante que descobri durante o jogo de runeball. — Ela fez uma pausa estratégica, observando a reação de Areta, que ergueu uma sobrancelha com interesse.
— Continue — incentivou Areta.
— Notei que certos alunos parecem estar conspirando com Leonora para sabotar a senhora. Eu os vi agora a noite conversando com ela nos corredores — disse Rydia, escolhendo cuidadosamente suas palavras. — E achei que seria meu dever alertá-la.
Areta estreitou os olhos, avaliando cada nuance do que Rydia dizia. Depois de alguns segundos, relaxou, dando um sorriso satisfeito.
— Entendo... Mas não entendo a necessidade de me acordar tarde da noite por uns meros alunos idiotas... Leonora pode até utilizá-los para me tentar me atingir desprevenida, contudo, não passam de meros alunos. Espero que sua informação não seja apenas essa besteira.
— Não, senhora! O importante não é o fato de haver alunos conspirando com ela, mas sim, quem são esses alunos. — Rydia suspirou criando coragem. — Eram aqueles dois alunos que a senhora enfrentou em sua aula na quadra e também o seu filho, Rufus.
— Rufus?! Maldita Leonora, querendo me atingir da forma mais vil. Se ela quer partir para o ataque, eu farei o mesmo — respondeu Areta, seus olhos cheios de ódio e ira. — Em seguida ela olhou para Rydia e a elogiou. — Admirável sua lealdade, Ludya. Você me foi uma grata surpresa. Mas diga-me, por que está sendo tão prestativa e obediente? O que você ganha com isso?
Rydia pensou: “Foi mal Rufus, foi a única forma. Depois a gente inventa uma desculpa para você se resolver com sua mãe”. Em seguida ela abaixou a cabeça, simulando humildade, antes de se ajoelhar de repente no chão de pedra do jardim.
— Professora Areta, admiro profundamente sua inteligência, seu poder, sua capacidade de liderança — declarou, com uma voz carregada de emoção cuidadosamente fabricada. — Não quer ser apenas sua estagiária, quero ser sua discípula. Por favor, me leve até o topo. Quero aprender com a senhora e, um dia, alcançar o cargo de Reitora ao seu lado.
Areta riu baixinho, visivelmente lisonjeada. Seus olhos rubros brilharam com um misto de orgulho e satisfação.
— Muito bem, Ludya — respondeu, estendendo a mão para ajudá-la a se levantar. — Nunca vi sendo uma mestra de ninguém... Pelo contrário, sempre achei essa ideia algo trivial. No entanto... sua determinação e desenvoltura me fizeram refletir a respeito disso... Aceito você como minha discípula. Mas esteja preparada. Seu treinamento começará amanhã ao amanhecer. Agora, vá para casa e descanse.
Rydia, por fora, exibiu um sorriso agradecido. Por dentro, sentia a pressão aumentar. Ainda não havia encontrado uma forma de trocar as runas, e o tempo estava acabando.
De repente, o som da chuva se intensificou. As gotas começaram a tamborilar sobre o telhado do jardim, e Areta suspirou.
— Essa chuva... — comentou. — Não quero que volte para casa nessa tempestade. Pode dormir aqui, se quiser. Há um quarto de hóspedes disponível.
Rydia mal conseguiu esconder o alívio que sentiu. “Essa chuva foi uma benção, se existir alguém aí em cima, obrigado. Hehehe!”, pensou. Agora tinha a oportunidade perfeita para agir.
— Obrigada, professora — disse, curvando-se ligeiramente. — Aceitarei sua hospitalidade.
Enquanto Areta se levantava e indicava o caminho para o quarto, Rydia começou a planejar. Seu olhar vagou para os arredores da casa, sua mente trabalhando a mil e seus olhos atentos como uma águia. Ela sabia que teria de agir com extremo cuidado e precisão. “Essa será uma longa noite”, pensou.
Ainda na casa de Areta, o silêncio da madrugada era quebrado apenas pelo som da chuva constante. Areta levou Rydia até o quarto de hóspedes, uma pequena e aconchegante suíte decorada com móveis de madeira clara e detalhes em tons de azul. A professora indicou o quarto com um gesto seco.
— Aqui é onde você ficará esta noite — disse Areta. — Espero que não apareça nada urgente para me acordar de novo.
— Claro, professora. — Rydia agradeceu com um leve aceno. — Não vou incomodá-la mais. Tenha uma boa noite, mestra.
Areta apenas assentiu antes de desaparecer pelo corredor em direção ao seu quarto. Assim que ficou sozinha, Rydia se permitiu relaxar por um momento, mas logo sua expressão endureceu. Ela tinha pouco tempo e precisava agir rápido.
Com passos leves e cuidadosos, Rydia saiu do quarto e parou no corredor, calculando o que fazer. Pensou em uma maneira de garantir que Areta saísse de seu quarto por tempo suficiente para que ela pudesse agir. Após refletir, ela inspirou fundo, concentrou-se em sua habilidade mágica e pequenas gotículas de água começaram a surgir no ar, unindo-se em fios finos e brilhantes que se esticavam entre as paredes, formando uma estrutura elástica, interligando vários objetos da casa.
Rydia caminhou até o corredor próximo do quarto da professora Areta, levando um fio de água consigo, o qual se interligava com os demais objetos presos na estrutura elástica. Ela se esgueirou atrás de um móvel e tencionou o o fio de água, este derrubou panelas, vaso e demais objetos da casa, gerando uma enorme barulheira e espalhando um pouco de água pelo chão. A barulheira aguda ecoou pela casa. Rapidamente, seu coração palpitava, o medo e a pressão tomava conta do seu corpo. Segundos após o barulho, Areta abriu a porta de seu quarto com um olhar severo e curioso.
— Mas o que foi isso? Ninguém vai deixar eu dormir hoje, que inferno! — murmurou, ajustando a roupa enquanto se dirigia ao corredor adjacente para investigar.
Rydia aproveitou o momento e deslizou saindo de trás do móvel e indo direto para dentro do quarto de Areta com a precisão de uma sombra. O ambiente era espaçoso, decorado com prateleiras cheias de livros e artefatos mágicos. Na mesa de cabeceira, a runa brilhava suavemente, como se fosse um farol para seu objetivo.
Com destreza e rapidez, Rydia pegou a runa original, partindo-a entre os dedos, e retirou a substituta do bolso, posicionando-a exatamente no mesmo lugar. Após garantir que tudo parecia intacto, ela sacou uma runa de comunicação e sussurrou:
— Baan, aqui é Rydia. A troca foi um sucesso. Agora é com vocês.
A runa brilhou levemente antes de apagar. Guardando tudo de volta no bolso, Rydia dirigiu-se à saída. Porém, assim que abriu a porta, deu de cara com Areta, que retornava ao quarto com expressão desconfiada.
— Rydia? — A voz de Areta estava carregada de suspeita. — O que você está fazendo no meu quarto?
Rydia virou-se nervosa e Areta imediatamente criou uma barreira retangular, contraindo a jovem contra a parede com muita força.
— Professora, ouvi um barulho estranho e pensei que fosse algum ataque de Leonora ou de seus alunos. Fiquei preocupada que ela pudesse lhe atacar desprevenida, então entrei para verificar. — respondeu a maga de cabelos verde, quase sem conseguir falar, de tanta pressão que sentia em seus ossos.
Areta se aproximou da jovem e a olhou nos olhos, arqueou as sobrancelhas e desativou sua barreira. Rydia caiu de quatro, respirando ofegante, sentindo o ar voltar em seus pulmões.
— Hm. Foi muito atenta da sua parte. Mas, da próxima vez, não entre em um local sem minha prévia autorização. Não é porque te fiz minha discípula que você terá a liberdade de tomar decisões sem meu consentimento. Saiba o seu lugar.
— Tem razão, professora. Desculpe-me pela minha intromissão. Isso não irá se repetir — Rydia respondeu rapidamente, contudo o olhar de Areta mudou ao perceber algo brilhando no dedo da jovem.
— Esse anel... Não me lembro de ter visto você com ele antes.
Rydia congelou por um instante, mas logo forçou uma expressão de descontração, respondendo rapidamente.
— Ah, isso? É um presente do professor Hazard. Ele disse que era um equipamento rúnico experimental. Ele pediu que eu testasse por uns dias.
Areta inclinou a cabeça, analisando o artefato com curiosidade.
— Não sou especialista em equipamentos rúnicos, mas isso não me parece ser um equipamento rúnico. Há algo peculiar nele.
As palavras de Areta ecoaram na mente de Rydia como um alerta. Um pensamento desconcertante passou por sua cabeça, deixando-a pálida por um breve instante.
— Ludya? Você tá bem? Parece pálida — perguntou Areta, percebendo a mudança repentina na expressão da jovem.
— Tô bem sim, professora! — Rydia balançou a cabeça rapidamente, forçando um sorriso. — É que... lembrei que o professor Hazard tinha me pedido para devolver esse anel para ele antes do fim da noite. Se eu não for agora, posso perder a oportunidade!
Sem esperar por uma resposta, Rydia saiu correndo pela casa. A chuva forte não a incomodava enquanto ela seguia apressada, correndo em direção à casa da professora Kassandra. Seus pensamentos estavam fixos em uma única coisa: pedir orientação à professora e confirmar suas suspeitas.
Areta recebeu aquelas atitudes de sua discípula com certa estranheza, ela olhou para o chão e agachou, tocando o chão e percebendo os rastros úmidos deixados pelos fios de água de Rydia, o que aumentou ainda mais sua desconfiança. Em ato contínuo, adentrou em seu quarto e olhou atentamente cada local, para cada objeto, até que se aproximou de sua mesa de cabeceira e pegou a runa de alarme, a mesma que foi trocada por Rydia, e passou a analisá-la minuciosamente.
Na universidade, Baan e os demais membros da guilda estavam reunidos com Rufus, com a mão curada após a intervenção do mago ósseo, e seus amigos em um dos corredores vazios. A mensagem de Rydia havia acabado de chegar, confirmando o sucesso da troca.
— Mãos à obra! — exclamou Baan, com um sorriso confiante. — Vamos para a próxima fase do plano!
Rufus suspirou e se concentrou até ativar sua invocação. Um círculo mágico apareceu no chão, e uma criatura sombria surgiu, exalando uma aura negra que parecia sugar a luz ao seu redor.
— Alquimista Negro — murmurou Rufus, enquanto a criatura se materializava. Ele se virou para os amigos e disse: — Encostem nele. Precisamos alimentar sua força para poder romper a barreira da minha mãe.
Os outros hesitaram, trocando olhares relutantes, mas acabaram obedecendo. Um a um, colocaram as mãos na criatura, que absorveu seus poderes. A aura negra ao redor do Alquimista tornou-se mais densa, quase sufocante.
Os amigos se afastaram, ofegantes e visivelmente cansados.
— Lembrem-se — alertou Rufus. — Seus poderes estão suprimidos até que eu os gaste. Quando o alquimista utilizar toda a magia absorvida, seus poderes mágicos voltarão aos poucos, em questão de poucos minutos, mas até lá, evitem confrontos.
Todos assentiram, enquanto Baan e Rufus se preparavam para partir em direção ao laboratório de Areta.
Escondido entre os pilares próximos, o professor Lemon Doyle observava tudo com uma expressão de desdém.
— Então, seu maldito faxineiro — murmurou, referindo-se a Baan. — Envolvendo tantas pessoas nas suas trapaças...
Ele viu Baan e Rufus saindo apressados, mas decidiu não segui-los.
— Deixarei vocês dois irem por enquanto... Não quero ser atacado por Areta — decidiu Lemon, seus olhos se estreitando ao observar o restante do grupo. — Mas quanto a vocês, seus merdinhas... Vou descobrir exatamente o que estão tramando. — Um sorriso frio surgiu em seus lábios enquanto ele se preparava para atacar.