Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 3

Capítulo 134: Maçã Proibida

Paralelamente aos acontecimentos na enfermaria, na reitoria, Leonora entrou na antesala com passos firmes, estreitando os olhos ao ver Prya já à sua espera. A jovem secretária da reitora levantou-se de imediato, entregando à Reitora uma pasta com documentos sobre o ocorrido.

— Bom dia, senhora Reitora. Essa aluna foi encaminhada pela Professora Seraphine Muller por mau comportamento — cumprimentou a secretária, apontando para a porta do gabinete. 

— Estou sabendo — Leonora respondeu, sua voz demonstrando claramente sua impaciência. Com um movimento de cabeça, indicou que Prya deveria acompanhá-la.

Ambas adentraram a sala principal, onde Leonora se acomodou em sua poltrona de couro negro. Prya permaneceu em pé, mas seus olhos traiam uma serenidade ensaiada que parecia não abalar Leonora. Após folhear a pasta rapidamente, a Reitora ergueu os olhos, sua expressão carregada de um misto de cansaço e curiosidade. 

— Dar um soco em um colega de classe por causa de uma partida perdida? — Leonora perguntou estreitando seus olhos. — Não parece algo do seu feitio, Prya. 

A jovem deu de ombros, o semblante carregado de uma indiferença quase desafiadora. 

— Talvez eu só quisesse um tempo a sós com a senhora Reitora. Ultimamente, você tem estado tão ocupada. 

Leonora arqueou uma sobrancelha, ironizando: 

— Não sabia que era tão querida assim. Se tivesse avisado antes, poderíamos ter marcado um piquenique. Seria menos agressivo do que socar alguém. 

— Concordo — retrucou Prya, com uma leve curvatura nos lábios. — Mas seria menos prático. 

— Muito bem, então. — Leonora suspirou e recostou-se na cadeira, cruzando os braços. — O que deseja? Mas se for demorar, vou logo avisando que não lhe trarei chá ou biscoitos. 

— Não precisa. — Prya sacudiu a cabeça, séria. — Serei breve. Estou aqui para entregar uma mensagem... do Poeta Fantasma. 

— Poeta Fantasma? Desconheço alguém com esse nome. 

— Não se faça de desentendida, Reitora. Acha mesmo que não sabemos sobre seu novo contrato com a guilda Crossed Bones?

A provocação fez o semblante de Leonora endurecer. Ela se inclinou ligeiramente para frente, apoiando os cotovelos na mesa. 

— Já que quer jogar limpo, vou fazer o mesmo — disse em tom grave. — Eu sei que ele está envolvido com a professora Areta. E saiba que irei encontrá-lo... e ele se arrependerá por desafiar a mim ou esta instituição. 

Prya permaneceu firme, embora suas mãos tremessem levemente. 

— O Poeta Fantasma não quer atacar você, Reitora. Ele quer negociar. Está propondo uma reunião. 

— E se eu não aceitar? — retrucou Leonora após soltar uma risada seca. 

Prya deixou escapar um sorriso frio. 

— Nós mataremos os alunos capturados. 

As palavras caíram como um trovão na sala. A atmosfera mudou imediatamente, o ar ficando denso e sufocante. Leonora ativou sua Presença Soberana, uma pressão espiritual tão intensa que Prya começou a ofegar, os joelhos quase cedendo. 

— Não pense que vou me curvar a ameaças tão facilmente — Leonora murmurou, sua voz impregnada de autoridade. Com um impulso fervoroso, ela desapareceu e surgiu atrás de Prya, suas unhas afiadas perigosamente próximas ao pescoço da jovem. — Se acredita que pode matar meus alunos, o que me impede de fazer o mesmo com você? 

Prya engoliu em seco, as palavras escapando com dificuldade entre sua respiração entrecortada. 

— Se quiser me matar... fique à vontade. Mas sabe tão bem quanto eu que você tem mais apreço pelos seus alunos... do que o Poeta Fantasma tem por mim. 

Leonora permaneceu imóvel por um instante antes de desativar sua presença. A pressão no ambiente dissipou-se, e Prya caiu de joelhos, respirando fundo como se tentasse compensar o oxigênio perdido. 

Com passos firmes, Leonora voltou para sua poltrona e se sentou, cruzando as pernas. 

— Quais são os detalhes desse encontro? 

Prya levou alguns segundos para se recompor antes de responder. 

— Hoje à noite. Na praia da cidade. E vá sozinha. Caso o Poeta Fantasma detecte qualquer presença adicional, ele não hesitará em executar os alunos capturados. 

Leonora apertou os punhos, contendo sua raiva. 

— Estarei lá. Pode ir. 

Prya levantou-se e saiu, deixando a sala em silêncio absoluto. Leonora, sozinha novamente, cerrou os punhos com força. Seus olhos, cheios de determinação, fixaram-se no horizonte além da janela. 

“Eu vou mostrar a ele que quem brinca com fogo, acaba se queimando”, pensou a reitora, seus lábios formando uma linha fina de desafio.

Horas depois, a lua alta iluminava suavemente o quarto de Prya, seus raios prateados atravessando a janela semiaberta e projetando sombras dançantes nas paredes. Ela estava sentada na beirada da cama, as mãos entrelaçadas no colo, quando uma brisa fria soprou, anunciando a chegada de alguém. 

Das sombras, ele emergiu silenciosamente, como um sussurro na noite: o Poeta Fantasma, com sua figura imponente envolta em um manto escuro, o rosto parcialmente oculto, e o seu livro verde em suas mãos pálidas. Seus olhos brilharam na penumbra ao se fixarem nela. 

— Então, Prya — ele começou, a voz baixa e melódica —, Leonora concordou com o encontro? 

Prya levantou-se devagar, hesitando antes de responder: 

— Sim... — seus olhos desviaram, como se procurassem refúgio em qualquer canto do quarto —, mas a contragosto. 

O Poeta Fantasma inclinou a cabeça ligeiramente, como se já esperasse aquela resposta. 

— Entendo... — disse ele, virando-se em direção à janela, que agora estava completamente aberta. 

Antes que pudesse saltar, Prya o segurou pelo braço com firmeza, sua expressão um misto de determinação e preocupação. 

— Eu também tenho que ir! — declarou ela, sua voz carregada de emoção. — Não posso apenas ficar aqui esperando. Se uma luta começar... você com certeza vai perder. Leonora é mais forte que você! 

— Por isso mesmo você não irá. — Ele soltou o braço com delicadeza, mas firmeza suficiente para mostrar que sua decisão era final. — Não terei como te proteger se um embate acontecer. 

— Além do mais... — Ele virou-se para encará-la, os olhos sombrios, mas determinados. — Se for necessário, usarei aquele trunfo. 

As palavras caíram no quarto como uma pedra em águas calmas, e Prya arregalou os olhos. Sua expressão de tristeza ficou ainda mais evidente, como se o peso daquelas palavras tivesse esmagado qualquer esperança que restava em seu coração.  O Poeta Fantasma notou, e sua voz suavizou, quase como um sussurro. 

— Calma, Prya. Nosso objetivo está próximo de ser alcançado. Ele... — uma breve pausa, e seus olhos brilharam com um sentimento que poderia ser chamado de saudade — ...ele retornará para nós. Eu cumprirei minha promessa. 

Prya baixou a cabeça, mordendo o lábio inferior. Quando finalmente respondeu, sua voz estava baixa e resignada. 

— Tudo bem... eu farei isso. 

— Bom. — O Poeta Fantasma deu um leve aceno de cabeça. — Apenas fique aqui e monitore aqueles moleques. Certifique-se de que não interfiram em nosso caminho. 

Sem esperar resposta, ele deu um passo em direção à janela, seu manto esvoaçando com a brisa noturna. Ele olhou para trás uma última vez, como se quisesse dizer algo mais, mas nada saiu de seus lábios. 

Em um movimento fluido, ele desapareceu na escuridão da noite, deixando Prya sozinha no quarto. Ela permaneceu ali, olhando para a janela aberta, sentindo o frio da noite e o peso de sua missão. 

— Você sempre carrega tudo sozinho... — murmurou ela para si mesma, a voz quase se perdendo no vento que invadia o quarto. 

Enquanto isso, a noite seguia silenciosa nos dormitórios da universidade, envoltos pela penumbra tranquila. Kreik dormia profundamente em sua cama, seus pensamentos perdidos nos sonhos, até que o ranger sutil da porta sendo aberta o despertou abruptamente. 

Ele sentou-se de imediato, os olhos arregalados e a mente alerta. Seu coração disparou enquanto ele preparava-se para um possível confronto. Contudo, sua expressão de tensão se transformou em um misto de alívio e surpresa ao reconhecer a figura que adentrava o quarto. 

— Professora Seraphine Muller? — murmurou ele, confuso. 

A mulher, sempre envolta em um ar de mistério e sedução, cruzou a soleira da porta com passos suaves. Seus cabelos alaranjados caíam em ondas soltas, e seus olhos brilhavam com um misto de malícia e diversão. 

— Ah, meu ruivinho, espero não ter te acordado... — disse ela com sua voz aveludada, um sorriso malicioso brincando em seus lábios. 

Kreik, ainda confuso, desviou o olhar e gaguejou: 

— O que faz aqui, professora? Isso é... 

Antes que ele pudesse completar a frase, Seraphine colocou um dedo sobre seus lábios, interrompendo-o com um gesto delicado. 

— Shhh... — ela murmurou, inclinando-se para ele. — Eu te disse que faria tudo para te fazer amadurecer. 

Sem pedir permissão, Seraphine o empurrou de volta para a cama com suavidade, sentando-se em cima dele. 

— Aposto que você nunca conheceu uma verdadeiramente uma mulher antes — disse ela, inclinando-se ainda mais próxima. 

Kreik, corando intensamente, tentou disfarçar sua inexperiência. Seu semblante nervoso e os olhos desviados o denunciavam. 

— Professora, já conheci sim... tenho muita experiência! — mentiu, evitando encará-la diretamente. 

Seraphine soltou uma risada baixa e provocativa. 

— Mentiroso... — sussurrou, aproximando o rosto do dele até que seus olhos se encontraram. — Estou aqui para te ensinar a ser homem. Assim, ficará mais fácil lidar com sua... namorada. 

A menção inesperada fez Kreik ficar ainda mais vermelho. Ele tentou recuar, mas a cama não lhe dava escapatória. 

— Professora, eu acho que isso não é uma boa ideia... — disse ele, a voz trêmula enquanto seu coração batia descompassado, dividido entre o medo e algo que ele não conseguia nomear. 

Seraphine sorriu novamente, sua expressão misteriosa e desafiadora. 

— Não farei nada que você não queira, meu ruivinho. — Ela inclinou-se ainda mais, a respiração quente tocando o rosto dele. — Vou deixar meu rosto bem aqui, próximo ao seu. Se virar o rosto, eu te deixarei em paz. Mas... — ela fez uma pausa, o sorriso ampliando — se me beijar, farei tudo o que você quiser... e até o que você não quiser. 

Kreik sentiu o peso da situação. Seus olhos encontraram os dela, um olhar penetrante e impossível de ignorar. Por um instante, ele inclinou a cabeça, pronto para ceder. Mas uma voz suave, quase um sussurro, ecoou em sua mente. 

— Kreik! — chamou a voz feminina. 

Ele parou imediatamente, os olhos arregalados, já Seraphine, percebendo a hesitação, franziu o cenho. 

— De quem é essa voz que ecoa em sua cabeça, ruivinho? — perguntou, com um tom de desdém. 

— Mayumi! — Kreik, agora mais consciente, respondeu instintivamente.

A expressão de Seraphine mudou para curiosidade, e ela perguntou: 

— Quem é essa? 

Antes que ele pudesse responder, a porta do quarto foi aberta com força. Lá estava Mayumi, com o rosto sério, o seu arco erguido e uma flecha dourada já preparada.

— Mayumi?! Não é o que você tá pensando. Essa mulher apareceu do nada. Eu não tive culpa...

— Cala a boca e deixa comigo! — Mayumi fitou a professora, seus olhos ardendo em fúria. — Quero que deixe o Kreik em paz.

Seraphine levantou-se lentamente, o sorriso divertido ainda presente, mas seus olhos avaliavam a jovem com atenção. 

— Homens... — murmurou ela, apontando para Kreik. — Sempre querem se safar colocando a culpa na mulher. Seu namoradinho estava prestes a morder esta maçã proibida, e agora vem dizer que é inocente. 

— Você não é uma maçã proibida. É apenas uma cobra mentirosa. — respondeu Mayumi, soltando a flecha com precisão. 

O projétil dourado acertou o peito de Seraphine, que soltou um gemido abafado antes de se dissolver em um rastro de luz. 

Kreik, ainda confuso, sentou-se na cama e olhou para Mayumi. 

— O que foi isso? O que você tá fazendo aqui? 

Ela sentou-se ao lado dele, suspirando. 

— Vim te proteger daquela cobra, bobinho. 

— Obrigado... Eu estava com saudades de te ver.

— Eu também... — Mayumi sorriu suavemente. — E desta vez, nada vai nos separar. 

— O que quer dizer com isso? 

Ela segurou as mãos dele, olhando profundamente em seus olhos. 

— Kreik, eu não quero ser apenas sua amiga. Quero ser algo mais. 

— Eu... — Kreik ficou boquiaberto, tentando encontrar palavras. — Nossa, não sei nem o que dizer. 

— Não precisa dizer nada. — A Tenente sorriu suavemente — Apenas me beije.

 

 

Quando ele começou a se inclinar, os traços do rosto de Mayumi começaram a mudar, assumindo um tom monstruoso. Assustado, Kreik gritou e abriu os olhos, percebendo que estava em sua cama. 

— Que sonho estranho... — murmurou, passando a mão pelo rosto. 

A porta do quarto bateu com força, despertando-o de vez. Ele abriu-a lentamente, apenas para encontrar Joabe, com uma expressão impaciente. 

— Ei, seu idiota! Por que demorou tanto? Vamos logo, o Baan tá esperando. 

— Foi mal, vou só vestir uma roupa. 

— Só não demore. — Joabe bufou. — Já gastou tempo demais só para abrir essa maldita porta. 

Do lado de fora, no telhado dos dormitórios, Seraphine Muller estava sentada, as pernas cruzadas, olhando para a lua com um sorriso travesso. 

— Ah, meu ruivinho... é tão bom brincar com você — murmurou ela, com uma presilha de cabelos em seus cabelos brilhando fortemente. — Não sabia que você era tão ambicioso... Querer alguém da família Sundiata como namoradinha, principalmente sendo um membro de guilda, é complicado, mas admito, a garota é um bom partido. 

Um pássaro pousou em seu dedo, e Seraphine retirou uma carta de dentro do bico dele. Ao ler, inflou as bochechas com um semblante chateado. 

— Ah, não... Parece que não poderei mais brincar com meu ruivinho. — Ela olhou para a lua novamente, o sorriso voltando ao seu rosto, enquanto passava as mãos no cabelo, a presilha sumindo junto com o seu movimento.  — Mas, pelo menos, ainda posso ajudá-lo a amadurecer de outras formas. 

Levantando-se, ela abriu os braços. O pássaro esticou a boca e a engoliu, levando-a consigo para o céu noturno.



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