Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 3

Capítulo 120: Isso vai acabar hoje!

No Reino Livre de Moferagne, no vasto continente de Lestarus, duas jovens de aproximadamente dezesseis anos caminhavam pelo vilarejo com baldes vazios. As roupas eram simples, de tecidos rústicos, e o sol forte fazia o suor escorrer por suas testas enquanto se aproximavam do poço central para buscar água.

— Isso é um saco! — resmungou Floreliza, franzindo o cenho ao segurar o balde. — Aquele traste é que deveria pegar água. Somos apenas jovens donzelas! Não deveríamos carregar peso enquanto aquele maldito fica sendo sustentado pela mamãe. Não concorda, Leonora?

Leonora, com o olhar tenso, respondeu num tom baixo, olhando ao redor para certificar-se de que ninguém as ouvia:

— Floreliza, é melhor ficar calada. Se ele ao menos sonhar que você está falando mal dele, ele vai nos bater.

Floreliza suspirou, resmungando mais alto enquanto ambas enchiam os baldes com dificuldade.

 

 

— Ah, que droga! Se eu tivesse poderes mágicos, já teria acabado com a raça daquele desgraçado.

Leonora também fazia força, as mãos pequenas escorregando na alça do balde, mas mantinha um semblante resignado:

— As coisas não são tão simples... Se você acabasse com ele, era bem capaz da mamãe querer ir com ele ao invés de se separar. — Leonora deu um passo em falso, e um dos baldes escorregou de sua mão, derramando a água pelo chão poeirento.

Ela soltou um grito de frustração e, irritada, começou a socar o chão.

— Droga! Droga, droga! — A dor misturada ao desgosto tomava seu rosto.

Floreliza, vendo a irmã desmoronar, abaixou-se para tentar consolá-la, mas logo notou dois rapazes se aproximando pelo caminho. Um brilho malicioso surgiu em seus olhos, e ela decidiu mudar de estratégia.

— Ei, Leonora, pare de chorar... Aprenda com quem sabe. — Sussurrou para a irmã e ajeitou-se, colocando uma das pernas sobre uma pedra próxima. Sutilmente, ergueu a barra do vestido, revelando parte das pernas. Com uma mão sobre a testa, começou a clamar, dramaticamente: — Oh, que calor... E nós, tão frágeis, carregando esses pesados baldes de água... Será que não há nenhum cavalheiro bondoso para nos ajudar?

Os rapazes pararam e arregalaram os olhos ao ver as irmãs. Eles se entreolharam, empolgados, e logo correram em direção às garotas, prontamente se oferecendo para ajudar. Um deles encheu o balde vazio, e os dois tomaram os baldes, carregando-os até a casa das moças.

Enquanto caminhavam, Leonora sussurrou para a irmã, ainda corando pela situação:

— Floreliza, você é tão descarada!

Floreliza lançou um olhar de lado, sorrindo com um ar de satisfação.

— Apenas fique quieta e aproveite o “poder feminino”, Leonora. Não tem nada mais persuasivo neste mundo do que as pernas de uma bela dama.

As duas riram discretamente, enquanto os rapazes trocavam olhares orgulhosos. Ao chegarem em casa, Floreliza, com um sorriso provocante, falou com um tom manhoso:

— Muito obrigada, cavalheiros. A ajuda de vocês foi indispensável.

Um dos rapazes, mais atrevido, segurou a mão de Floreliza, depositando nela um beijo audacioso.

— Que tal nos agradecermos mais tarde? Podemos caminhar pelos campos próximos... — sugeriu ele, com um sorriso insinuante.

Floreliza riu e deu um leve tapinha na camisa do rapaz, quase como se estivesse limpando uma sujeira imaginária.

— Ora, você é bem apressadinho, não? Amanhã estaremos no mesmo poço, à mesma hora. Se quiser passear conosco, terá que mostrar mais atos de cavalheirismo. — E piscou para ele, completando com uma voz doce. — Afinal, sou gamada em homens cavalheiros.

Antes que os rapazes pudessem responder, uma voz furiosa explodiu de dentro da casa:

— Que pouca vergonha é essa? Entrem logo, suas merdinhas!

Os rapazes se assustaram e se despediram rapidamente, desaparecendo pelo caminho. As irmãs pegaram os baldes e entraram às pressas, tentando evitar mais problemas.

— Mãe! — gritaram em uníssono ao entrar, mas se depararam com uma cena que congelou o sangue em suas veias.

Normando, o padrasto, segurava Edmunda, a mãe das garotas, com uma das mãos. Ele havia acabado de lhe dar um tapa e, com um tom de escárnio, falava:

— Viu só, mulher? Com esse seu jeito mole, você tá criando duas vadias!

Floreliza, tomada pela fúria, pegou um dos baldes e correu na direção dele.

— Seu maldito parasita, eu vou te matar! — gritou, jogando-se com tudo, mas Normando, rápido, agarrou o pulso dela, impedindo o golpe e a empurrando ao chão.

— Ponha-se no seu lugar, sua vadia! — ele esbravejou, com olhos de ódio, enquanto lançava um olhar ameaçador para Leonora, que permanecia imóvel, apavorada, sem conseguir desviar o olhar para longe.

O homem encarou Leonora por um segundo antes de virar e subir as escadas. Leonora correu até Floreliza e a mãe.

Edmunda suspirou, com a voz trêmula, olhando para Floreliza com uma expressão de tristeza:

— Por que você foi desafiá-lo, Floreliza? Era só ficar quieta, igual a sua irmã...

Floreliza deu um olhar amargo para a mãe, enquanto se levantava com dificuldade.

— Igual a Leonora? Tá de sacanagem, mãe? Eu tava tentando te proteger, e agora você ainda joga a culpa em mim? Vê se me erra!

Edmunda endureceu o olhar, mas tentou manter a calma.

— Isso é jeito de falar com sua mãe, Floreliza?

— Esse maldito não coloca uma única moeda em casa, bate em nós todos os dias, e você ainda prefere essa vida miserável! — rebateu ela, a voz cheia de raiva e desespero. — Eu desisto!

— Floreliza, você tá sendo injusta. Normando é uma boa pessoa... só está estressado, nesses últimos dias — murmurou Edmunda, desviando o olhar.

A resposta fez Floreliza virar-se com uma raiva ardente.

— Mãe, só você não enxerga! Ele é um crápula! Desde que papai morreu, você criou uma dependência insana dele. Está tão cega que mandaria a gente embora, mas ele não! — Com lágrimas nos olhos, ela deu as costas para a mãe e se retirou para o quarto, batendo a porta com força.

Edmunda, abalada, olhou para Leonora.

— Vá conversar com sua irmã, Leonora, e ponha um pouco de juízo naquela cabeça dela.

Leonora assentiu e seguiu para o quarto, onde encontrou Floreliza chorando. Com o coração apertado, ela se aproximou e a abraçou.

Floreliza se acalmou um pouco, mas logo segurou o rosto de Leonora com firmeza, olhando-a com urgência:

— Leonora... nossa mãe é um caso perdido. Eu cansei dessa vida. Vem comigo, vamos fugir e conquistar nossa própria liberdade.

Leonora, mesmo relutante, sentiu algo em si se quebrar diante da seriedade da irmã. Por mais que temesse o que estava por vir, assentiu.

Na manhã seguinte, enquanto se dirigiam ao poço para encher os baldes de água, Floreliza e Leonora avistaram os rapazes do dia anterior, que pareciam estar ali à espera delas. Um deles sorriu e caminhou até elas com um olhar convencido, segurando uma flor nas mãos.

— Você disse que gostava de cavalheiros, então viemos aqui mostrar nosso respeito a essas lindas donzelas. — Ele se inclinou, oferecendo a Floreliza uma singela flor.

Floreliza pegou a flor com um sorriso astuto e respondeu com doçura:

— Cavalheiros, eu e minha irmã passamos a noite pensando em vocês. Não conseguimos tirar vocês da cabeça, então decidimos... nos casar com vocês!

Os rapazes trocaram olhares confusos, e um deles, alarmado, exclamou:

— O quê?! Casar? Espera... isso não tá indo rápido demais?

Leonora, envergonhada, pôs a mão na testa, enquanto outro rapaz, ainda mais surpreso, completou:

— Pera aí, Floreliza... Vamos com calma! Ontem mal podíamos caminhar pelos campos, e agora você tá falando em casamento? Isso tá estranho.

Floreliza, com um olhar persuasivo, deu de ombros e disse:

— Bom, se não querem casar... temos outra proposta. Basta nos levar para uma cidade próxima. Vamos começar uma nova vida, longe desse maldito lugar.

Os rapazes se entreolharam, e um deles comentou, cético:

— Por que a gente arriscaria tanto assim pra ajudar vocês a fugir?

Sem perder o charme, Floreliza aproximou-se do rapaz e sussurrou algo em seu ouvido. O jovem corou instantaneamente, assentindo com a cabeça, enquanto os outros observavam, sem entender o que havia sido dito.

Mais tarde, voltando para casa, Leonora lançou um olhar curioso para a irmã.

— O que foi que você ofereceu pela ajuda deles?

Floreliza soltou um sorriso enigmático.

— Você sabe...

Leonora arregalou os olhos, horrorizada.

— Ah, não! Floreliza, eu não vou fazer isso... nem por todo o dinheiro do mundo!

A irmã a encarou com seriedade, a voz firme e decidida.

— Leonora, não estamos falando de dinheiro... Estamos falando de algo mais importante: liberdade.

Leonora murmurou, incomodada:

— Por que eu tô achando esse plano uma droga?

Ao chegarem em casa, o clima estava mais tenso. Pouco depois, todos se reuniram para o almoço. Normando, como de costume, não perdeu a chance de humilhar as jovens. Apontando para uma prateleira alta, ele pediu com arrogância:

— Leonora, pega aquele melão ali pra mim.

Ela se esticou para alcançar a fruta, mas, mesmo em pontas de pés, não conseguia pegá-la. Normando soltou uma risada de desprezo.

— Que meninas imprestáveis! Nem pra pegar uma simples fruta. Se morressem, não serviriam nem como peso morto.

Floreliza cerrou os punhos, incapaz de conter a revolta, respondeu com sacarsmo:

— São os exemplos que aprendemos aqui em casa!

Num piscar de olhos, Normando a golpeou com um soco no rosto, fazendo-a cair ao chão com o nariz sangrando. Leonora gritou, horrorizada, e correu para ajudar a irmã.

— Seu monstro! — ela exclamou, segurando Floreliza.

Normando empurrou a mesa com violência, avançando para cima das irmãs com o rosto contorcido de fúria.

— Isso é por não respeitarem a autoridade dessa casa! Vão ficar trancadas no quarto sem comer até amanhã! Alguma objeção?

Desesperadas, as irmãs olharam para a mãe, esperando alguma atitude. No entanto, a mulher abaixou a cabeça, em silêncio. Normando segurou as duas pelos braços e as arrastou até o quarto, jogando-as lá dentro e trancando a porta com força.

As jovens imploraram pela ajuda da mãe, mas a resposta foi um silêncio esmagador do outro lado da porta.

Mais tarde, no início da noite, a mãe das meninas arriscou pegar uma chave escondida e abriu a porta do quarto, trazendo um pouco de comida para elas. Mas, antes que pudesse lhes entregar, Normando apareceu, segurando-a pelo braço com brutalidade.

— Sua vadia ingrata! — gritou ele. — Se você não respeita minha autoridade, como espera que elas respeitem?

Ele começou a espancá-la na frente das meninas. A mãe olhou para elas, com lágrimas nos olhos, sinalizando silenciosamente para que não interferissem. Logo depois, ele a arrastou para fora e trancou a porta novamente, deixando as irmãs sozinhas e aterrorizadas.

Horas depois, quando o silêncio dominava a casa, Floreliza, com o rosto ainda marcado e os olhos vazios, começou a murmurar:

— Isso vai acabar... hoje à noite, isso vai acabar... isso vai acabar...

Na calada da noite, o som de pedrinhas batendo contra a janela do quarto chamou a atenção das meninas. Ao abrir a janela, elas viram os rapazes do poço esperando com uma carroça cheia de feno. Eles retiraram o feno e o colocaram abaixo da janela, gesticulando para que elas pulassem.

Com cuidado, Floreliza e Leonora pularam, amortecidas pelo feno. No entanto, o impacto assustou os cavalos, que relincharam alto, despertando Normando. Em um rompante de fúria, ele saiu de casa com uma tora de madeira na mão, enquanto sua esposa tentava desesperadamente acalmá-lo.

Normando se aproximou dos rapazes, exigindo explicações. Um deles tentou dialogar pacificamente, mas foi surpreendido por um golpe na cabeça. Leonora gritou, apavorada, ao ver o rapaz desmaiar com sangue escorrendo pela testa. Normando virou-se para ela e, em um acesso de fúria, começou a espancá-la também. Floreliza se interpôs entre eles, tentando proteger a irmã.

Leonora, em um pico de desespero, estendeu os braços na direção de Floreliza, suplicando por ajuda. Para sua surpresa, o corpo de Floreliza começou a escurecer e, lentamente, desintegrou-se como poeira ao vento. Ela olhou para trás, sorrindo.

— Eu te disse que isso ia acabar hoje... Obrigada, irmã! — murmurou ela antes de desaparecer completamente.

Todos ao redor ficaram aterrorizados. Normando, fora de si, tentou desferir outro golpe, mas, ao tocar Leonora, sua mão também começou a se desintegrar. Ele recuou, gritando de dor, enquanto sua esposa tentava socorrê-lo.

Leonora correu até o rapaz caído, desesperada, e clamou por ajuda. Ele tentou fugir, mas, ao tocá-lo, o tornozelo dele também começou a desaparecer. Assustado, o amigo do rapaz puxou-o para a carroça e os dois fugiram dali, deixando Leonora em prantos, sem entender o que estava acontecendo.

Chorando e em choque, Leonora caiu ao chão, sem forças, e logo depois desmaiou, perdida em meio à dor e ao terror daquela noite sombria.



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