Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 3

Capítulo 110: Interrogatório e Dissimulação

A universidade estava envolta em um silêncio profundo, e passos precisos ecoavam pelos corredores. Areta e Rydia caminhavam com firmeza, focadas no de deslinde do interrogatório, até avistarem Uji, que, ofegante, recuperava-se após fugir do laboratório secreto de pesquisas do professor Lemon Doyle.

Areta franziu o cenho, lançando-lhe um olhar de desdém ao encontrá-lo ali sentado. Com uma voz fria e exigente, perguntou:

— Faxineiro, o que faz aí, largado no chão? Levante-se e venha, tenho trabalho para você.

Uji rapidamente se levantou, pegando a vassoura e o esfregão, tentando disfarçar o nervosismo. Quando seus olhos cruzaram com os de Rydia, ele notou um brilho de tensão e receio, e algo lhe dizia que o que o aguardava não seria nada fácil.

Eles seguiram em um silêncio pesado, os passos ecoando pelas paredes do corredor. Uji sabia que precisava de uma forma como se comunicar sobre o que iria acontecer e como proceder diante daquela situação, então, ele teve uma ideia. Uji, tentando transparecer que queria apenas aliviar o clima denso, comentou com um leve sorriso, visando que Rydia compreendesse sua estratégia:

— Está todo mundo tão calado... Estamos indo para algum funeral?

Areta lançou-lhe um olhar de soslaio, mantendo-se calada, mas não parando de andar. Já Rydia, com um leve sorriso no canto dos lábios, pensou consigo mesma: “Captei o que quis dizer. Boa estratégia, Uji. Já sei como te orientar.”

Rydia então olhou para ele, estreitando os olhos como quem manda um aviso disfarçado:

— Não seja tolo, faxineiro. Você só sabe fazer piadas tolas — ela pausou, enfatizando a frase — Se quiser quebrar o prazeroso silêncio com alguma pergunta, faça ao menos uma pergunta mais interessante.

Uji entendeu a mensagem e respirou aliviado. “Certo, ela não vai me matar... Quer apenas me interrogar,”, pensou ele. Em tom provocativo, respondeu:

— Mocinha, nesse mundo não existem perguntas desinteressantes; o que existem são respostas indelicadas, porque a maioria das pessoas preferem responder as perguntas erroneamente do que admitir que não sabem como respondê-las.

Rydia retrucou, mantendo a expressão séria:

— Claro. Pessoas preferem se aliar aos tolos e idiotas, fazendo-os como seus professores, ao invés de se unirem aos sábios. Quando são confrontados por não saberem o que responder, jogam a culpa na própria tolice e idiotice que cultivaram.

— Sábias palavras, Ludya — interveio Areta, que escutava atentamente.

Uji refletiu por um momento, tentando captar o sentido das palavras. “Preferem se aliar aos tolos... jogar a culpa neles... Certo, acho que estou entendendo o que ela quer. O problema é saber quem é o tolo.”

— Mas como podemos saber, minha jovem? Como identificar a tolice e a idiotice neste vasto mundo, quando tantas vezes ela se disfarça de sabedoria? — perguntou ele.

— Infelizmente, não há uma resposta simples. — Rydia suspirou, quase com um ar resignado. — Cabe a cada pessoa aprender a identificar, prestando atenção nas escolhas que faz ao longo da vida e nas falas das pessoas ao redor.

Chegando a uma sala afastada e vazia, Areta parou e, com um leve sorriso ameaçador, ordenou:

— Já refletimos demais sobre sabedoria e tolice. Hora de trabalhar, faxineiro.

— Claro, professora. O que a senhora deseja? — respondeu Uji, mantendo um sorriso leve.

Com um movimento rápido, Areta invocou duas barreiras que se posicionaram dos lados de Uji, avançando lentamente contra ele, comprimindo seu corpo.

— Eu desejo respostas — declarou Areta com um olhar predatório, enquanto Rydia, ao lado, engolia a seco, apreensiva com a situação.

— Não precisava ser tão violenta, professora. Se fosse só para responder umas perguntinhas, podia ter me convidado para um chá — brincou o faxineiro disfarçado, tentando manter o tom leve, apesar da pressão física.

Areta manteve a expressão séria e lançou duas novas barreiras, comprimindo-o também pela frente e pelas costas, tornando a situação ainda mais dolorosa para o samurai.

— Vamos, faxineiro, deixe de brincadeiras. Responda. Por que está aqui na universidade?

Uji respirou fundo e, tentando manter o bom humor, respondeu:

— Para trabalhar, senhora. Tenho que pagar o leite das crianças.

Areta ergueu a mão, fechando o punho e intensificando a pressão das barreiras. Uji gritou de dor, a força quase insuportável.

— Chega de palhaçadas. Eu já sei que é um samurai renegado e que está aqui por algum motivo escuso. Se quiser viver, diga a verdade.

Ao lembrar-se do conselho de Rydia sobre culpar o "tolo", Uji decidiu arriscar:

— Estou aqui para fazer um trabalho, senhora... Pode pegar mais leve? Tá doendo demais.

Rydia desviava o olhar, incapaz de assistir ao sofrimento do amigo. Areta, com a expressão ainda mais séria, continuou:

— Quem o contratou, faxineiro?

— Professora... não posso falar. É segredo profissional — respondeu ele, ofegante.

Aumentando a potência das barreiras, Areta fez Uji gemer de dor, como se seus ossos estivessem prestes a ceder.

— Eu não vou perguntar outra vez — ameaçou ela. — Foi Leonora quem o contratou?

Uji negou com a cabeça, mesmo lutando contra a dor intensa, enquanto Areta pressionou ainda mais a barreira.

— E quanto a dissimulada da Seraphine? A aproveitadora da Kassandra? O egocêntrico do Hazard? O lunático do Daaz Goba? Ou, quem sabe, o idiota do Doyle?

Ao ouvir “idiota”, Uji lembrou-se da dica de Rydia e confirmou com um leve aceno. Areta cancelou as barreiras, e ele caiu ao chão, tentando recuperar o fôlego, mas aliviado por estar livre da dor excruciante.

Areta ergueu o braço novamente, prestes a conjurar outra barreira, mas Rydia rapidamente interveio, pisando na cabeça de Uji e ameaçando:

— Vamos, seu merda, fale os termos do seu contrato com o professor Lemon Doyle. Tenho certeza que meu pé dói menos que a magia da professora Areta. Mas, se acha que não é o suficiente...

Com um brilho gélido nos olhos, Rydia criou uma bolha de água flutuante em sua mão.

— Posso te afogar lentamente. Será um prazer vê-lo agonizar. Vamos, conte tudo — continuou ela, intensificando a pressão do pé sobre a cabeça de Uji.

— Vou contar tudo. — O samurai entendeu a deixa e, improvisando, continuou. — Eu marquei de me encontrar com o professor Lemon Doyle perto dos reservatórios de água. Lá, ele me mostrou um laboratório que ele utiliza para pesquisar águas-vivas. Ele quer provar que a teoria da... ressonância de alguma coisa está certa.

Ressonância da alma... —Areta olhou para Rydia e ordenou: — Ludya, tire o pé dele.

Rydia obedeceu, recuando um passo. Areta cruzou os braços e ordenou:

— Ajoelhe-se e continue a falar, faxineiro.

Uji obedeceu, ainda tentando se recuperar.

— Ele mencionou um tal de Randalf... Disse ele que roubou a vaga de Reitor e quer aproveitar a animosidade da senhora com a atual Reitora para tentar o cargo novamente.

Areta se manteve em silêncio, esperando que ele continuasse. Quando ele parou, perguntou:

— E o que ele pediu para você fazer?

— Por enquanto, nada demais... Apenas observar — respondeu Uji, tentando soar convincente. — Acho que ele ainda não confia em mim completamente. Quando for a hora certa, ele me contatará.

Areta o observou, como se tentasse ler cada expressão sua, e por fim disse:

— Samurai, sem gracinhas. Estou de olho em você. Que esta conversa fique apenas entre nós três.

Uji assentiu, e Areta seguiu em frente, com Rydia ao lado. Quando já estavam distantes, Rydia perguntou:

— A senhora realmente acreditou nas palavras dele?

— Sim, não teria motivo para mentir. — Areta sorriu levemente. — E, aliás, você conduziu bem a situação. Não tem medo de sujar as mãos, Ludya. Continue assim, e um dia, quem sabe, te farei Reitora desta instituição... Claro, se seguir minhas orientações.

Rydia agradeceu, com um leve sorriso e uma expressão de alívio misturada à satisfação de saber que a confiança de Areta nela só aumentava.

— A propósito — a maga da Crossed Bones continuou — a senhora parece tranquila para alguém que acabou de descobrir um novo inimigo.

— Inimigo ou amigo... no fim, tudo a mesma coisa: pessoas se relacionando com outras em buscas de seus interesses, portanto, se quiser ter amigos, basta ter o incentivo correto. — Areta riu, um sorriso frio e calculista. Com essa nova informação, mostrarei ao Doyle que tenho os incentivos corretos para ele ser meu amigo e, com o apoio político dele já começo a ter força para reaver o título de Reitora... e fazer a vida de Leonora um inferno.

A noite chegou, envolvendo a cidade de Meryportos em um silêncio acolhedor, com poucas luzes iluminando as ruas. Baan caminhava vagarosamente por uma das vielas até parar em frente a uma casa modesta, mas bem cuidada. Ele suspirou e bateu na porta. Em poucos segundos, a porta se abriu, revelando a professora Kassandra, que o recebeu com um sorriso largo.

— Ora, Baandalf! Que bom vê-lo — cumprimentou ela, com o semblante caloroso.

Baan lhe entregou uma garrafa de vinho e ela a segurou com delicadeza, inclinando a cabeça em um agradecimento silencioso.

— Um presente? Muito obrigada! — Ela abriu o vinho e serviu duas taças, dirigindo-se ao sofá. — Sente-se aqui comigo, por favor.

Baan se acomodou ao lado dela, sentindo o conforto do ambiente acolhedor. Após um brinde silencioso, Kassandra tomou um gole e, então, perguntou com curiosidade:

— E então, o que tá achando da Universidade Flamel? Já se acostumou com os professores?

— Ah, tudo ainda é muito novo para mim... — respondeu ele, um tanto descontraído. — Mas, aos poucos, acho que estou me adaptando. Não tenho muito do que reclamar dos professores, exceto... — Ele hesitou, pensando nas palavras.

Kassandra ergueu uma sobrancelha, divertida.

— Exceto?

— Bem... — Baan continuou, num tom mais sério. — Não consegui me enturmar com a professora Areta. Ela é muito fria, autoritária... quase tirânica.

Kassandra soltou uma risada leve.

— Se você soubesse como ela era nos tempos em que foi Reitora...

Baan franziu a testa, intrigado.

— Por que ela tem essa personalidade tão difícil?

Kassandra deu um gole no vinho, pensativa, e então falou com uma nota de pesar na voz:

— O clã Flamel sempre sofreu muito. O cristal mágico em suas testas lhes permite rejuvenescer ou ampliar os poderes temporariamente, mas, por isso, sempre foram alvos de caça de várias nações e guildas. Areta viu sua família inteira ser dizimada... sobraram apenas ela e seu primo Rupert, que depois se tornou seu esposo.

— Você conheceu Rupert? — Baan se ajeitou no sofá, interessado na história. — Sabe onde ele tá agora?

— Rupert foi professor na Universidade Flamel na época em que eu era aluna. Mas ele morreu... — Kassandra suspirou, um toque de nostalgia em seu olhar. — pouco antes de Randalf, filho mais velho de Areta, ter o mesmo destino após um problema na condução de um experimento mágico-científico.

— Mas... você disse que apenas a professora Areta e Rupert foram os únicos sobreviventes do clã Flamel — Baan comentou, curioso. — E Leonora? Ela não é também do clã Flamel?

— Não, Leonora era uma pessoa comum. Ela sofria de uma doença rara e Randalf, em sua tentativa de curá-la, realizou uma série de experimentos. No entanto, um deles saiu errado, e, como eu disse, Randalf acabou falecendo em decorrência disso. Após o experimento, Leonora adquiriu as características do clã Flamel — explicou Kassandra, observando Baan com um semblante sério. — Seu cristal e os olhos vermelhos são fruto desse experimento, não uma condição natural.

— É por isso que há essa tensão entre Areta e Leonora, então? — perguntou ele, compreendendo melhor o conflito.

— Sim. — Kassandra confirmou com um aceno. — Leonora foi criada pelos Flamel e, eventualmente, ela e Randalf se apaixonaram. Areta nunca aprovou o relacionamento... Randalf era seu filho preferido e, do jeito dela, o mais próximo. — Ela fez uma pausa, mergulhada nas lembranças. — Randalf era extraordinário. Hábil em tudo o que fazia. Assim que Areta deixou o cargo de Reitora, ele assumiu, deixando o professor Lemon Doyle para trás, com sua pesquisa ridicularizada. Nos últimos anos, ele meio que abdicou do cargo em favor da esposa e focou inteiramente em encontrar uma cura para ela. Areta culpa Leonora até hoje pela morte de Randalf e voltou à Universidade com um único objetivo: derrubá-la.

Kassandra tomou mais um gole de vinho, pensativa, e disse:

— Areta é uma mulher amarga... não é bom bater de frente com ela. Muito diferente do falecido Randalf e da Reitora Leonora. Eles eram... magníficos. Uma pena que essa tragédia tenha acontecido. Mas, deixando isso de lado, vamos jantar. Aposto que você tá morrendo de fome!

Eles se dirigiram até a mesa, onde Kassandra serviu uma generosa macarronada. Baan olhou ao redor, como se esperasse outra pessoa.

 

 

— Não vamos esperar a Cassie? Onde ela está? — perguntou, curioso.

Kassandra sentou-se a mesa, sorriu, divertida, olhando nos profundamente nos olhos de Baan.

— Ah, sobre a Cassie...



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