Volume 3
Capítulo 108: Anunciação da Sucessão
Rufus foi levado para a sala onde o restante da guilda estava. Ao entrar, avistou Baan sentado de costas para a porta, sem camisa. Os olhos de Rufus se arregalaram ao ver o símbolo rúnico gravado nas costas de Baan, ficando estático por um momento.
— Uma maldição... — murmurou Rufus, perplexo. – Então, foi por isso que você quis saber se eu conseguiria remover uma maldição.
— Exatamente — Kreik confirmou com um olhar grave.
Baan se virou lentamente para encarar Rufus, seus olhos cheios de esperança contida.
— Rufus, veja se consegue retirar isso de mim. — pediu Baan, com uma expressão séria. — Isso nos ajudaria muito. Com minha força total de volta, eu poderia enfrentar qualquer um... inclusive sua mãe. – Ele suspirou, olhando para Rufus. — Por favor.
O pedido direto de Baan surpreendeu Rufus, que não conseguia disfarçar a admiração. Ele já sabia que Baan era poderoso, mas a determinação e o peso daquela promessa mostravam que ele era ainda mais formidável do que imaginara. Respirando fundo, Rufus concentrou-se, invocando sua besta mágica, o Alquimista Negro.
A criatura apareceu, sombria e imponente, aproximando-se do selo nas costas de Baan. Com uma das mãos, o Alquimista Negro tocou o símbolo, emanando uma aura negra. Porém, mesmo sob o toque poderoso, o selo continuou inabalável.
— Quem lançou essa maldição em você? — perguntou Rufus, intrigado e ansioso por uma explicação.
Baan franziu o cenho, sua expressão ficando distante.
— Não consigo lembrar... — disse ele, com um tom melancólico. — Parece que, conforme o selo avança, minhas memórias antigas também são seladas junto com o poder.
— E não há como identificar ou encontrar quem fez isso? — Rufus insistiu.
Baan balançou a cabeça, suspirando.
— Não... — respondeu ele. — É estranho, mas sinto que o mago que fez isso já tá morto.
— Deixa de conversa fiada! — interrompeu Joabe, impaciente. — Fala logo se consegue tirar essa maldição ou não.
— Minha magia só consegue remover ou alterar habilidades proporcionais ao meu poder. E o poder do mago que lançou essa maldição... tá muito acima do meu. — Rufus suspirou, meneando a cabeça com desapontamento.
Rydia, que até então observava em silêncio, apontou para a própria testa com uma expressão pensativa.
— E se você usasse seu cristal? Isso poderia funcionar? — perguntou ela.
— O poder do meu cristal é proporcional à minha experiência, nível de poder e idade. Como ainda sou muito inexperiente e fraco, o cristal que possuo não teria poder mágico suficiente para vencer essa maldição.
Baan fechou os punhos, socando a palma da mão em frustração. A esperança de se libertar daquela maldição parecia escorregar de suas mãos.
— Mas... — Rufus continuou, com um tom enigmático — há outro cristal que poderia funcionar, mas eu precisaria tocá-lo para saber se ele tem a quantidade de poder suficiente para isso.
— Tá maluco?! — Rydia ergueu a sobrancelha, alarmada. — Não temos a mínima chance de pegar o cristal da professora Areta ou da reitora Leonora! Em um combate direto, elas nos massacrariam com um pé nas costas!
Rufus olhou para Rydia com firmeza, respondendo com um olhar determinado.
— Quem disse que estou falando do cristal da minha mãe ou da minha cunhada?
A sala ficou em silêncio, todos olhando para Rufus, perplexos.
— Existe outro Flamel vivo? — Joabe perguntou, desconfiado.
— Vivo, não... — corrigiu Rufus, respirando fundo. — Mas o cristal dele ainda existe. O do meu irmão, Randalf. Esse cristal está sob posse da minha mãe, guardado em um antigo laboratório... o mesmo que ele usava para seus experimentos. No entanto, eu não sei onde fica. Se conseguirem localizar esse lugar, posso tentar usar o cristal dele para remover sua maldição, Baan. Mas, volto a repetir, não é certeza, precisarei tocá-lo para confirmar.
Os membros da guilda se entreolharam, a determinação crescendo nos olhos de cada um. Uji, encostado na parede, cruzou os braços e olhou para Rufus com uma expressão intrigada.
— Rufus, você mencionou que a reitora é sua cunhada e que seu irmão está morto... Poderia nos contar como isso aconteceu? Talvez seja uma pista.
— Agora não vai dar tempo. — Rufus olhou para o relógio e fez uma careta. — A aula do professor Lemon Doyle já começou. Conto em outra hora.
Kreik, Joabe e Rufus deixaram a sala apressados, rumo à próxima aula. Enquanto isso, Baan permaneceu, refletindo sobre a possibilidade de se livrar daquela maldição. Quando finalmente decidiu ir para sua própria sala, parou diante da porta, sentindo um pressentimento incômodo. Olhou para trás, mas não viu nada. Com um leve suspiro, girou a maçaneta.
De dentro da sala, uma voz grave e sarcástica ecoou:
— Há quanto tempo, Baan... ainda lembra de mim?
Baan parou, surpreso, e viu um homem sentado em sua mesa, mexendo casualmente em papéis e pastas.
— Zorumi Daikuma... — sussurrou ele, com as sobrancelhas franzidas. — Eu nunca poderia esquecer.
Zorumi Daikuma, 41 anos, era um personagem musculoso com longos cabelos pretos amarrados em um rabo de cavalo alto, preso por uma faixa laranja, barba rala e olhos castanhos escuros. Ele vestia um traje tradicional de artes marciais, composto por um colete laranja sem mangas com bordas azuis sobre uma camisa preta, calças pretas e botas pretas com cadarços laranja. Seu traje era complementado por braçadeiras laranja e um cinto preto amarrado na cintura.
Daikuma riu, sem pressa, seus olhos faiscando de deboche.
— E pensar que eu te encontraria como professor, dando aulas! Esse mundo dá voltas, não é?
— Na verdade, estou aqui em missão disfarçada com minha guilda. Logo logo terminaremos o trabalho — respondeu Baan, observando Daikuma com cautela.
— Interessante... — disse Daikuma, relaxando na cadeira. — Já sabe por que vim te ver?
Daikuma apoiou os pés sobre a mesa com um sorriso provocador. Baan cruzou os braços, mantendo-se firme.
— Veio cobrar a dívida.
— Parece que sua memória não é tão ruim, Baan Maverick. — Daikuma levantou-se, aproximando-se de Baan e analisando-o com um olhar afiado. — E ainda se lembra do pagamento?
— Sim. — Baan assentiu, com a mandíbula tensa. — Reunir os membros necessários para lhe representar na sucessão de Tzadeq.
— Exato. — Daikuma sorriu, satisfeito. — A sucessão começa em oito meses. Estarei em Guns Canyon, na cidade de Rebel Valley, daqui a três meses. Quero que leve sua guilda. Preciso avaliar o nível deles para decidir se serão aprovados para a sucessão.
— Estarei lá — prometeu Baan, com firmeza.
Daikuma dirigiu-se à janela, sentando-se no parapeito. Antes de pular, ele olhou para trás.
— Não se esqueça, Baan... ninguém deixa de pagar suas dívidas com o Bom Samaritano.
Com um impulso fervoroso, Daikuma desapareceu pela janela, deixando Baan pensativo, cerrando o punho em frustração. “ A sucessão de Tzadeq... Logo agora... Eles ainda não estão prontos”, pensou Baan.
Do lado de fora da sala, a professora Seraphine Muller havia escutado toda a conversa. Ela sorriu, satisfeita com o que descobrira. “Então seu verdadeiro nome é Baan Maverick... e, o mais interessante é que o principal evento do mundo, a sucessão de Tzadeq está prestes a acontecer...” — murmurou para si mesma. — Fukuku!
Kreik, Joabe e Rufus entraram na sala do professor Lemon Doyle e, ao cruzarem a porta, seus olhares se depararam com figuras perturbadoras. À frente deles, os clones de Prya, Kenia, Vicente e Moara mantinham-se parados, com expressões frias e distantes. Os olhos vazios, quase sem vida, davam a eles uma aura de zumbis. No entanto, algo no clone de Moara chamou a atenção. Ela os encarou, e, de repente, um riso debochado escapou de seus lábios — uma zombaria silenciosa que parecia vir direto do próprio poeta fantasma.
Os três ficaram tensos, sentindo a raiva subir por suas veias. Mas, conscientes do ambiente, mantiveram o controle e, com esforços visíveis, seguiram até seus lugares e se sentaram, observando o professor Lemon Doyle iniciar sua explicação.
— Como já disse, eu sou o professor Lemon Doyle, responsável pela disciplina de Animais Místicos — ele anunciou, ajeitando os óculos e lançando um olhar analítico pela sala. — Antes de mergulharmos de vez nos estudos das criaturas místicas e suas propriedades, precisamos entender alguns conceitos fundamentais.
O professor se aproximou do quadro, desenhando um círculo no centro e alguns símbolos ao redor para ilustrar suas ideias.
— Existe uma base científica que sustenta muito do que vemos na interação entre magos e criaturas mágicas. Há muito tempo, um biólogo chamado Charles Darwin elaborou uma teoria que revolucionou nossa compreensão sobre a origem e evolução das espécies.
Lemon Doyle fez uma pausa, olhando de forma provocativa para a turma, como se os desafiasse a acompanhar sua linha de pensamento.
— Darwin, em seu livro “A Origem das Espécies”, explicou que todas as criaturas passam por um processo evolutivo, ou seja, adaptam-se ao ambiente em que vivem para sobreviver e prosperar. Esse processo, ele chamou de seleção natural. As criaturas mais aptas e adaptadas ao ambiente sobrevivem, enquanto aquelas menos adaptadas perecem.
Os alunos se entreolharam, alguns com um leve brilho de entendimento.
— Agora, observem — Lemon Doyle prosseguiu, gesticulando com entusiasmo. — Essa ideia aplica-se perfeitamente ao nosso estudo sobre os animais místicos. Os Arcanos, seres de imenso poder, criaram vida neste planeta. No entanto, a vida aqui não se manteve estagnada; ela continuou e continua a evoluir e a se transformar, moldando-se e adaptando-se ao poder mágico ao seu redor. Com o tempo, não apenas os magos, mas também os animais, começaram a desenvolver ressonância com esses poderes.
Lemon caminhava pela sala, sua voz clara e cheia de paixão pelo tema.
— Animais como os pássaros Mahalianos, por exemplo, oriundos de Mahala, possuem a habilidade de entender e se comunicar com magos através de gestos e mímicas. E mais: eles podem potencializar sua velocidade temporariamente ao entrar em contato com o sangue de um mago. Temos também os ursos polarinos, que, em proximidade com um mago, adquirem a habilidade de ativar runas; os leões nemelinos de Hanggarden, que podem ser imbuídos de magia para amplificar sua força física e até usar ataques elementares em suas presas. Estes são apenas alguns exemplos de espécies que adquiriram habilidades extraordinárias ao interagir com magos, existindo muitas outras, como os camelos saharis de Suna; cães runívoros de Zoen e os cavalos magistang de Guns Canyon, dentre outras espécies.
A turma escutava atenta, absorvendo cada palavra.
— E assim, cada uma dessas espécies serve como uma arma potencial ao lado de um mago — Lemon Doyle concluiu, seus olhos brilhando com entusiasmo. — O mundo em que vivemos é esplêndido e complexo, um verdadeiro enigma, com mistérios que aguardam ser desvendados.
Após uma breve pausa, ele fez uma pergunta instigante:
— Agora, eu lhes pergunto: por que esses animais só conseguem manipular magia em interação com um mago? Que mudanças ocorreram em sua biogênese para que isso fosse possível?
O silêncio preencheu a sala enquanto os alunos tentavam processar a complexidade da questão.
— Tenho uma teoria, — ele disse com um sorriso misterioso. — Acredito que existe uma espécie de ressonância entre a alma de um mago e a de um animal místico, como se ambas vibrassem em uma frequência similar. Em meu livro, proponho que, se conseguíssemos controlar essa frequência, poderíamos expandir a ressonância mágica para outras espécies. Imaginem as possibilidades! Poderíamos transformar qualquer ser vivo em um animal místico. Seria explêndido!
Após alguns minutos de explicação, o sino tocou, indicando o fim da aula, Lemon Doyle pegou seus pertences e saiu, deixando os alunos com expressões de fascínio e curiosidade.
Kreik e Joabe saíram logo em seguida, avistando Uji ao longe, esfregando o chão. Eles trocaram um olhar rápido e fizeram um leve aceno, sinalizando para que Uji começasse a seguir o professor. Ele disfarçou, balançando o boné em confirmação, e discretamente seguiu Lemon Doyle, carregando o esfregão e o balde enquanto assobiava pelos corredores.
Kreik e Joabe se entreolharam mais uma vez. Eles tinham instruções de investigar diferentes professores. Kreik seguiu para a sala da professora Seraphine Muller, enquanto Joabe se dirigiu para a do professor Daaz Goba.
No lado oposto do campus, Rydia caminhava carregando uma pilha de livros que a professora Areta pedira para ela entregar. Mantendo-se discreta, ela avistou o professor Hazard deixando sua sala. Abaixou a cabeça, escondendo o rosto atrás da pilha de livros. Quando teve certeza de que ele estava longe, chamou uma aluna que passava e pediu que ela levasse aqueles livros até a biblioteca, porque ela já estava atrasada para uma reunião com a professora Areta e ela não admitia falhas.
A aluna, compadecida com a história de Rydia, já que conhecia a personalidade rígida da professora catedrática, aceitou o pedido e Rydia agradeceu.
Ao ver a jovem se afastar, Rydia rapidamente retirou um grampo de cabelo de sua cabeça, destrancou a porta e entrou silenciosamente na sala do professor.
“Hora de descobrir qual desses professor é o poeta fantasma”, pensou cada membro da guilda ao mesmo tempo, cada um em seu local de investigação.