Volume 3
Capítulo 106: No Lugar Errado e na Hora Errada
Baan observou o ambiente ao redor, varrendo cada detalhe com os olhos. Após um breve momento, ele se voltou para Joabe e Clemência.
– Vocês estão bem? – perguntou, tentando manter a voz calma.
Ambos assentiram com a cabeça, mas o peso das emoções nos olhares dos dois era visível. Baan então franziu o cenho, percebendo uma ausência significativa.
– E Hermiara? Onde ela tá? – questionou, com uma ponta de preocupação na voz.
Joabe abaixou o olhar, evitando encarar Baan. Ele se sentou no chão, puxando os joelhos e escondendo o rosto entre os braços. A postura do rapaz transmitia uma mistura de tristeza, raiva e humilhação.
– Ela... foi capturada – murmurou, com a voz abafada.
Baan fechou os punhos, lutando para controlar a raiva que começava a fervilhar em seu interior. Antes que perdesse a calma, Hazard, que estava ao seu lado, pousou uma mão tranquilizadora em seu ombro, como quem oferece apoio.
– Quem eram essas pessoas? O que eles queriam? – perguntou Hazard, tentando manter a calma e trazer alguma clareza à situação.
Clemência olhou para os dois com lágrimas nos olhos.
– Era o Poeta Fantasma da Rima Morta... Ele simplesmente invocou vários clones dos alunos e nos atacaram – disse, a voz tremendo enquanto lágrimas escorriam pelo rosto.
Hazard arqueou uma sobrancelha, a descrença estampada em seu rosto.
– Esse negócio de Poeta Fantasma é só uma lenda urbana. Esse tipo de coisa não existe na realidade.
Clemência enxugou as lágrimas e encarou Hazard com determinação, a dor ainda visível em seus olhos.
– Pois então, professor, aparentemente, ele existe sim. Capturou Kenia, Vicente, Prya... e agora Moara.
Hazard suspirou e, após um momento de silêncio, decidiu que o melhor seria evitar alardes desnecessários.
– Cert, vamos analisar o caso com calma. Até lá, se alguém perguntar sobre Hermiara, apenas digam que ela passou mal e teve que abandonar o teste, entendido?
Joabe e Clemência assentiram com a cabeça, entendendo a necessidade de manter a situação sob controle. Então, seguiram em direção à saída do armazém, com Hazard os acompanhando, enquanto Baan permanecia parado, olhando fixamente para o chão. Hazard parou ao seu lado e lançou um olhar interrogativo.
– Você realmente acredita nessa história de Poeta Fantasma? – perguntou Hazard.
Baan ergueu a cabeça, o olhar faiscando ódio.
– Poeta, fantasma ou qualquer outra coisa... não importa o que ele é. O que eu sei é que ele já tá morto.
Após a afirmação de Baan, os dois professores e os alunos voltaram ao ponto de encontro, onde os demais alunos os aguardavam. Kreik, ao ver Joabe, se aproximou e deu-lhe um leve tapa no ombro.
– E aí, como foi o teste? – perguntou Kreik, tentando quebrar o clima tenso. Em seguida, olhou ao redor e notou a ausência de Moara. – Ei... onde ela está?
– Depois... – Joabe apenas sussurrou, sem encarar o amigo.
Percebendo o tom sombrio, Hazard resolveu intervir.
– Uma das participantes passou mal e está na enfermaria. Parabéns a todos pelos testes de hoje. A aula está encerrada. Todos devem retornar à universidade.
Enquanto a maioria dos alunos começava a se dispersar, Kreik percebeu a frustração estampada nos rostos de Baan e Joabe. Sem querer chamar atenção, ele se aproximou de Joabe e sussurrou:
– Eu não sei todos os detalhes, mas tenho certeza de que foi esse tal de Poeta Fantasma... Não se preocupe, vamos acabar com ele.
Joabe lançou um olhar carregado de raiva ao amigo e murmurou de volta:
– Pode ter certeza...
De volta à universidade, os alunos foram para o refeitório, enquanto Baan e Hazard se dirigiram até a sala da Reitora Leonora para relatar o ocorrido. Após explicarem a situação segundo os relatos de Clemência e Joabe, a porta da sala se abriu de repente e Kenia, Prya, Vicente e Moara entraram.
Leonora franziu o cenho, confusa.
– Professores, vocês poderiam me explicar como esses alunos foram capturados se estão aqui na minha frente?
Hazard deu um passo à frente, claramente confuso.
– Então... o que realmente aconteceu com você, garotinha? Onde você estava, afinal?
Moara avançou, com o olhar arrependido. Ela reverenciou os professores, curvando o corpo em um gesto de desculpa.
– Eu... eu acabei discutindo com Joraco e Clemência e, de cabeça quente, decidi voltar para a universidade. Peço desculpas por não ter avisado... Entendo se houver alguma punição.
Antes que Hazard pudesse responder, Baan interveio, mantendo o olhar atento.
– Não será necessário. Estão todos dispensados para se prepararem para a próxima aula.
– Muito bem. – Leonora pareceu relaxar um pouco, satisfeita com a explicação. – Como tudo parece resolvido, vocês podem se retirar.
Após deixarem a sala, Baan e Hazard caminharam em silêncio pelos corredores. Hazard, quebrando o silêncio, questionou:
– Clemência e Joraco não deveriam ser punidos por mentirem?
Baan suspirou e meneou a cabeça.
– Esqueça isso, já tá tudo resolvido.
Inconformado, Hazard segurou Baan pelo colarinho e o empurrou contra a parede, o olhar cheio de questionamentos.
– O que você está escondendo, Baandalf? – sussurrou, em tom ameaçador.
Baan o encarou com frieza, um sorriso irônico surgindo no canto de seus lábios.
– Eu não sei do que você tá falando.
Hazard respirou fundo, o tom sério.
– Quando soube que Hermiara foi capturada, você demonstrou um olhar diferente... E mesmo agora, após vê-la em pessoa, seu olhar continua o mesmo. Aquela garota era cheia de vida, falastrona... Lá, naquela sala, ela parecia mais uma zumbi. Tem algo estranho com aquela situação, Baandalf. Nós dois vimos aquelas pessoas encapuzadas, isso você não pode negar.
Baan afastou a mão de Hazard, ajeitando o colarinho.
– Professor Hazard, você tá vendo coisas. A aluna sumida já tá bem. Acredito que deveríamos esquecer essa história e cada um deveria se preocupar com as próprias aulas.
Hazard passou a mão no cabelo, tentando controlar a irritação.
– Se é assim que quer jogar, tudo bem... Mas saiba de uma coisa: eles também são meus alunos, e eu farei de tudo pelo bem-estar deles.
Foi então que Seraphine apareceu, interrompendo a tensão entre os dois.
– Bandalf, Hazard... Algum problema? Senti uma vibe meio estranha aqui. Querem conversar sobre isso?
Hazard apenas fez um gesto negativo e se afastou.
– Tá tudo tranquilo – respondeu, evitando mais conversas.
Seraphine então se voltou para Baan, sorrindo com um toque de curiosidade.
– Realmente está tudo certo entre você e o professor Hazard? Não quer tomar um café a respeito do que acabou de acontecer?
Baan acenou, dando um sorriso simpático.
– Ah, sim, professora. Tivemos uma aula agitada hoje, só isso. Mas agora preciso ir. Sempre um prazer vê-la.
Despediu-se e caminhou pelos corredores, sentindo o olhar de Seraphine em suas costas. Ela o observou por mais alguns instantes, pensativa, antes de sussurrar para si mesma: “Ele deve achar que sou uma idiota...”
Enquanto isso, Bardo, com seu ar de travessura, havia saído dos aposentos de Moara e sobrevoava o campus da instituição, causando o caos entre os alunos. O pequeno pássaro mahaliano não perdia uma chance de pregar peças e incomodar os estudantes desavisados.
Primeiro, ele avistou um grupo de calouros reunidos na biblioteca ao ar livre, todos mergulhados em livros de magia. Sem hesitar, Bardo pousou ao lado deles, fingindo estar interessado nas páginas até que, num movimento rápido, arrancou as anotações de um dos alunos, soltando-as ao vento e fazendo com que todos corressem atrás dos papéis esvoaçantes.
Pouco depois, o travesso pássaro se escondeu em uma árvore, esperando o momento certo para surpreender outro estudante, que transportava uma pilha de livros preciosos. Assim que o jovem passou por baixo, Bardo voou baixo e, num pulo certeiro, bicou o chapéu do rapaz, que soltou um grito e deixou os livros caírem, enquanto Bardo soltava pequenos grasnados que mais pareciam risadas zombeteiras.
A terceira de suas traquinagens aconteceu perto do refeitório. Ao ver um aluno distraído comendo pipoca, Bardo decidiu que aquele seria seu próximo alvo. Ele voou baixo, seguindo o rapaz que, ao notar o interesse do pássaro, acelerou o passo. Contudo, Bardo foi mais esperto e, com bicadas certeiras, tentou roubar o saco de pipoca, perseguindo o jovem pelo pátio e fazendo-o correr desesperado. Até que, sem ter para onde fugir, o rapaz se escondeu numa sala, sem se atentar a quem pertencia.
— Ah, finalmente despistei aquele passarinho endiabrado... — murmurou o estudante, ofegante, enquanto olhava ao redor.
Mas antes que ele pudesse respirar aliviado, uma figura inesperada entrou na sala. A professora Areta, com seus olhos penetrantes e semblante severo, olhou diretamente para o aluno.
— E então, o que você tá fazendo aqui, rapaz? — indagou ela, arqueando uma sobrancelha, num tom que misturava desconfiança e autoridade.
— Professora Areta! E-eu... bom, eu estava sendo perseguido por um pássaro... ele queria a minha pipoca! — justificou-se o aluno, ainda segurando o saco amassado.
Areta olhou em volta com um leve suspiro de exasperação e cruzou os braços.
— Um pássaro? Não vejo nenhum pássaro aqui, garoto. Acho que você está inventando desculpas para bisbilhotar a minha sala — respondeu ela, em tom frio.
— Não, professora! Ele estava aqui agora mesmo! Deve ter se escondido assim que a senhora entrou... — o aluno insistiu, olhando ao redor, esperando ver Bardo espreitando.
Areta suspirou novamente e disse com firmeza:
— Muito bem, vou fingir que não vi você aqui, mas tem exatamente dez segundos para sair antes que eu mude de ideia.
O jovem hesitou, parecendo querer se explicar, mas Areta já havia começado a contar. Sem alternativa, ele saiu correndo, murmurando desculpas enquanto desaparecia pelo corredor.
Assim que o estudante se foi, Areta se aproximou de um ponto específico no chão e puxou um livro roxo de uma prateleira. Em resposta, um mecanismo oculto se ativou, e o chão se abriu com um leve rangido, revelando uma passagem secreta que descia em uma longa escadaria de pedra. Bardo, que havia observado tudo de perto, viu ali uma oportunidade irresistível. Antes que a porta pudesse se fechar novamente, ele esgueirou-se para dentro e seguiu a professora em silêncio.
Areta desceu as escadas de pedra com passos lentos e firmes, que ecoavam pelas paredes sombrias. Bardo observava tudo com os olhos arregalados, esforçando-se para não bater as asas e fazer barulho. Eles chegaram a uma cripta antiga, um lugar misterioso, repleto de símbolos rúnicos desenhados nas paredes e estantes cheias de vidrarias e frascos com líquidos coloridos. Ao fundo, haviam entalhes de pássaros em uma das prateleiras, que chamaram a atenção do pequeno mahaliano, deixando-o com um misto de surpresa e medo.
Areta pareceu sentir algo, pois olhou por sobre o ombro com uma expressão desconfiada. Rapidamente, Bardo se encolheu e ficou estático, imitando os pássaros entalhados nas prateleiras, esperando não ser notado.
— Estranho... parece que tem mais pássaros aqui do que o habitual — murmurou Areta, desconfiada, franzindo a testa. — Será paranoia da minha cabeça...
Ela se virou, e Bardo soltou um suspiro de alívio, mas logo percebeu que não podia relaxar. Mantendo-se em silêncio, ele continuou observando de longe enquanto Areta se dirigia a um compartimento selado por um símbolo rúnico.
Com um movimento preciso, Areta uniu as mãos e projetou o símbolo no ar, que reluzia em uma tonalidade dourada e aumentava de tamanho. Ela girava as mãos, manipulando o símbolo como se destravasse um cofre secreto. Após alguns segundos, o símbolo se desfez no ar, e o compartimento emitiu um sopro gelado ao ser aberto. Areta então retirou um corpo feminino de dentro, uma mulher loira, sem roupas, que tinha o mesmo rosto da reitora Leonora, só que em uma versão um pouco mais jovem.
Areta levou o corpo até o centro de um símbolo rúnico no chão e o deitou cuidadosamente. Em um círculo rúnico ao lado, colocou diversos pedaços de corpos humanos e um cristal vermelho, similar ao que ela mesma carregava em sua testa. Com precisão meticulosa, abriu um livro de magia e começou a recitar palavras ininteligíveis e de uma força quase palpável.
O corpo feminino começou a brilhar, e o cristal vermelho flutuou sobre ele, atraindo os pedaços de corpos que orbitaram ao redor, tentando formar a imagem de um homem de cabelos negros com o cristal vermelho na testa. No entanto, apesar do esforço, os fragmentos não se uniram de forma completa.
Areta, com as mãos trêmulas de esforço, tentou uma última vez, mas o corpo se separou novamente. O cansaço tomou conta dela, e ela cambaleou, segurando-se em uma mesa enquanto gotas de sangue escorriam de seu nariz.
— Droga! Por que eu não consigo? Não adianta o quanto eu tente... sempre falta alguma coisa! — gritou Areta, dominada pela frustração. Seus dedos se enrijeceram e ela olhou para o corpo feminino com uma fúria intensa.
Indignada com seu fracasso, Areta virou a mesa, jogando-a no chão. Ela gritou, com lágrimas escorrendo por seu rosto:
— Randalf... você era tudo para mim. Meu filho... por que teve que ir? — suas palavras saíam com um peso doloroso, enquanto ela apertava o rosto entre os dedos.
Areta então voltou seu olhar para o corpo feminino, montou sobre ele e, com as mãos trêmulas de ódio, começou a apertar o pescoço da mulher morta, como se a visse viva.
— Leonora... sua maldita! Isso tudo é culpa sua! Eu te dei um lar, um objetivo de vida... e você me retribuiu tirando o que me era mais precioso! — murmurou ela entre os dentes, a cada palavra aplicando mais força.
Uma lágrima solitária caiu sobre o rosto do corpo e, ao perceber, Areta limpou o rosto, relutante em deixar que qualquer emoção viesse à tona.
— Você ainda terá sua hora, Leonora... — sussurrou ela, controlando a respiração.
Areta guardou o corpo no compartimento gelado e renovou a barreira com um novo símbolo rúnico, guardando o cristal vermelho consigo. Quando finalmente saiu, Bardo, aterrorizado com tudo o que testemunhara, percebeu que a porta da cripta estava completamente selada, sem nenhum espaço para que ele escapasse.
O passarinho grasnou baixinho, olhando ao redor, com as asas na cabeça, tentando desesperadamente pensar em uma saída.