Volume 2
Capítulo 88: O Marquês de Carabás
Dois dias haviam se passado desde o confronto brutal contra a Sabertooth. Joabe abriu os olhos lentamente, piscando contra a luz suave que preenchia o quarto de hospital. Ao seu lado, Uji e Kreik estavam acordados, ainda com marcas da batalha, mas vivos.
— Joabe acordou! — Kreik anunciou, sorrindo aliviado enquanto apontava para Uji.
Uji se inclinou, com um brilho travesso nos olhos.
— Acordou só agora, bela adormecida? — provocou ele.
— Vai à merda, Uji. — Joabe retrucou, mas um leve sorriso se formou em seu rosto. Ele piscou algumas vezes, ajustando-se à realidade e perguntou: — Quanto tempo ficamos desacordados?
Uji cruzou os braços e respondeu:
— Já se passaram dois dias desde que derrotamos Guinter e a Sabertooth.
Joabe franziu o cenho, tentando absorver as informações rapidamente.
— E Guinter? E o pessoal da guilda deles?
— Baan derrotou Guinter e o tamanduá — explicou Uji, com uma expressão respeitosa pelos seus inimigos. — Eu e Rydia vencemos os irmãos que usavam técnicas sonoras, e Moara derrotou a garota fera.
Kreik se aproximou mais, completando a explicação.
— Rydia já tá em melhores condições, mas Moara ainda tá se recuperando. Ela quebrou uma perna e um braço na luta.
A preocupação cobriu o rosto de Joabe.
— E quanto ao Osken e ao Otto?
Nesse momento, a porta do quarto se abriu, revelando Otto, já completamente recuperado. Logo atrás, seu pai, Osken, ainda todo enfaixado, mas com um sorriso no rosto. Otto correu em direção a Kreik e Joabe, abraçando-os com força. A gratidão transparecia em cada gesto.
— Obrigado por tudo! — exclamou Otto, a voz carregada de emoção. — Meu pai e eu estamos finalmente livres da Sabertooth.
Osken, movendo-se lentamente, também se aproximou, acenando em respeito, até mesmo para Uji. Ele se acomodou em uma cadeira próxima, os olhos cansados, mas repletos de alívio.
Joabe, fiel ao seu jeito pouco sentimental, afastou-se do abraço de Otto, mas uma leve coloração rosada surgiu em seu rosto.
— Tá bom, tá bom, não precisa de tanto drama... — resmungou ele, embora um sorriso leve escapasse.
Kreik, rindo, olhou para Otto.
— Fico feliz por você, Otto. Mas espere aí, o Baan quer falar com vocês.
Ele saiu correndo do quarto e, alguns minutos depois, retornou com Baan, que ainda estava com várias faixas envoltas no corpo. Mesmo assim, ele exalava uma autoridade calma. Olhou ao redor, vendo seus companheiros se recuperando, e um sorriso sincero apareceu em seus lábios.
— Bom trabalho, pessoal. Estou feliz em ver todos vocês bem — disse ele, com alívio e orgulho na voz.
Baan se aproximou de Otto, colocando uma mão firme em seu ombro.
— Você foi incrível, Otto — elogiou ele, trocando uma leve batida de punhos com o garoto, um gesto de respeito mútuo.
Depois, Baan se acomodou em uma cadeira, observando Otto com interesse.
— Como muitos já devem saber, faço parte do clã do dragão. — Baan tirou o boné, revelando o símbolo do dragão em sua testa. — E você, Otto, também carrega esse poder. O seu dragão é Cetus, o monarca da água. O mesmo que Arila tinha.
Os olhos de Otto se arregalaram em surpresa.
— Você conheceu minha mãe?
Baan assentiu lentamente, sua expressão suavizando.
— Sim, conheci. — Ele disse, a voz carregada de memórias distantes.
Osken, intrigado, inclinou-se para frente.
— Você também foi uma das cobaias da GPA junto com minha esposa?
Baan fez um leve aceno de cabeça, o semblante ficando mais sombrio.
— Fui sim. — Tocou distraidamente o selo em suas costas. — Mas muitas das minhas memórias foram apagadas ou embaralhadas por este selo. Lembro-me apenas de alguns detalhes... mas me recordo das principais cobaias, incluindo Arila. Ela era uma mulher forte e reservada.
Osken sorriu melancolicamente, as lembranças de Arila preenchendo sua mente.
— Ela sempre foi assim... — disse ele suavemente.
Baan voltou seu olhar para Otto, agora mais curioso.
— Como você consegue se transformar completamente em um dragão? Arila também tinha adquirido essa habilidade?
Osken respondeu no lugar de Otto, balançando a cabeça.
— Arila só conseguia transformar as mãos. Não sabemos por que Otto nasceu com essa habilidade completa.
Baan franziu o cenho, confuso.
— Transformava? O que aconteceu com ela?
Osken respirou fundo, os olhos abaixados enquanto contava a trágica história da morte de Arila. Baan o ouviu em silêncio, e conforme os detalhes surgiam, sua expressão se tornava mais pesada, marcada pela tristeza.
— Sinto muito... — murmurou ele, sua voz carregada de empatia.
Levantando-se, Baan olhou para Osken e Otto com uma nova determinação.
— Gostaria de convidá-los a se unirem à Crossed Bones.
Osken e Otto trocaram um olhar, e um sorriso compreensivo se formou em seus rostos.
— Agradecemos, mas não buscamos mais lutas ou confusões — disse Osken, calmamente. — Nosso sonho sempre foi viver uma vida tranquila e feliz... esse também era o desejo de Arila.
Baan assentiu, compreendendo perfeitamente.
— Já imaginava essa resposta. — Ele entregou um papel dobrado a Osken. — O general Levi Burgess é um homem implacável, e vocês são alvo dele. Nesse papel tá o nome de uma amiga minha, Keya. Ela trabalha em uma taverna em Madrad e pode levar vocês até o reino de Kaazordan, governado por Ross, outro antigo cobaia e amigo tanto meu quanto de Arila. Acredito que lá seja o lugar mais seguro para alguém com as habilidades do Otto. Esperem lá até que eu cumpra o meu sonho e possa chamá-los novamente.
Osken e Otto pegaram o papel, seus rostos refletindo alívio e esperança.
— Qual é o seu sonho, Baan? — perguntou Kreik, ecoando a curiosidade de todos no quarto.
Baan sorriu, seus olhos brilhando com determinação.
— Meu objetivo é levar a Crossed Bones ao ranking “S” e, assim, fundar um país onde todos possam viver em paz, sem medo, sem preconceito, sem ódio. Um verdadeiro paraíso. Vou criar o Reino de Éden.
O quarto ficou em silêncio por alguns instantes, enquanto todos processavam a grandiosidade do sonho de Baan. Osken se levantou e apertou a mão de Baan com respeito.
— Obrigado por tudo. Estaremos prontos quando esse momento chegar.
— Osken, Otto, sempre que precisarem de nós, basta chamar e iremos ajudar. É uma promessa! — Kreik falou, com um sorriso largo.
Com essas palavras, Osken e Otto saíram do hospital, seus corações leves e cheios de esperança. Eles tinham amigos leais e um futuro novo à frente. Enquanto caminhavam sob o sol, sabiam que um novo recomeço os esperava.
Quando a dupla saiu, a guilda passou a tratar os assuntos de seu interesse com o contrato de Joe Otogi.
— Baan, como foi a visita do rei? — perguntou Joabe, sua voz carregada de curiosidade. — E Trace? Conseguiu se casar com a princesa?
Baan, com um leve sorriso no rosto, acenou para que todos o seguissem até o quarto ao lado.
— Vamos conversar sobre isso lá — disse ele.
Mesmo feridos, Joabe, Uji e Kreik o seguiram até o quarto adjacente. Ao abrir a porta, Baan foi imediatamente recebido de uma maneira nada usual: Bardo voou direto para seu rosto e o bombardeou com um presente indesejado.
— Mas que droga, seu passarinho miserável! Vou te partir no meio! — Baan exclamou, tentando limpar o rosto. O pequeno pássaro voou e pousou na cabeça de Moara, que estava deitada na cama, observando a cena com um sorriso divertido.
— Trate Bardo com respeito, Baan — Moara disse, com um tom brincalhão. — Estou viva graças a ele.
Rydia, sentada ao lado da cama, tamborilava os pés impacientemente no chão, murmurando sobre querer sair logo daquela cidade. Uji, Joabe e Kreik entraram em seguida no quarto. Kreik ficou espantado ao ver Moara mexendo o braço.
— Moara, seu braço... não tava quebrado? — perguntou Kreik, incrédulo.
— Não seja tolo, Kreik — respondeu a jovem sorrindo e balançando a cabeça. — Baan manipula ossos. Ele pode restaurar qualquer osso fraturado, não só no corpo dele, mas também no de outras pessoas.
Kreik ficou boquiaberto.
— Isso é incrível! — exclamou, admirado.
Baan, um pouco corado com o elogio, deu uma leve tossida. Já Rydia, ainda impaciente, interrompeu o momento de admiração.
— Podemos sair logo desta cidade? Já não aguento mais ficar aqui.
Todos, exceto Baan, que já sabia o motivo, olharam surpresos para a companheira. Baan então pediu para ela atualizar o grupo sobre os acontecimentos recentes.
Em um flashback sobre aquele fatídico dia, enquanto Baan, montado em Bruce, corria para enfrentar Guinter, ele viu Rydia cambaleando e ferida, tentando se juntar à luta. Ele parou o tigre perto dela.
— Rydia, onde você pensa que vai nesse estado? — perguntou ele, a preocupação evidente em sua voz.
— Acabei de sair de uma luta, mas preciso ajudar o restante do pessoal contra aquele monstro que se transforma em leão — respondeu a jovem esbanjando teimosia.
— Não há a menor possibilidade de você lutar assim — Baan retrucou firmemente. — Deixe isso comigo. Preciso que me faça um favor.
Curiosa, Rydia franziu a testa.
— Que tipo de favor?
— Fui até a mansão do Bolívar e peguei uns documentos. — Baan tirou alguns papéis de dentro de seu colete e entregou a ela. — Prendi o balofo em uma jaula de ossos. Quero que leia esses papéis, encontre Joe e Trace, entregue os documentos e depois os ajude na recepção da comitiva real amanhã.
Rydia concordou, pegou os papéis e viu Baan desaparecer no horizonte montado no tigre. Quando ela abriu os documentos, ficou atônita com o que leu.
No dia seguinte, a comitiva real chegou a Passafora e ficou assombrada ao ver a cidade em ruínas. Casas destruídas, buracos nas ruas, o cenário era de devastação. O rei Byron sentia uma mistura de raiva e medo pelo estado de uma de suas cidades.
Ao chegarem na mansão de Bolívar, encontraram os portões destruídos e marcas de luta ao redor. Os soldados avançaram e, logo na entrada, viram Bolívar preso em uma jaula de ossos. Sentada em cima da jaula, balançando os pés como uma criança, estava Rydia, com um sorriso travesso no rosto, com faixas no corpo. Ao lado dela, Joe e Trace trajavam roupas elegantes, prontos para a recepção.
Quando os soldados se aproximaram, o rei, a princesa Mirajane e os três Grandes Nobres adentraram no local. Eles ficaram embasbacados com a cena.
— O que aconteceu aqui? — questionou o rei, sua voz ecoando pela mansão. — Por que Bolívar está preso dessa maneira?
Bolívar tentou falar, mas Rydia, com um olhar ameaçador, bateu na jaula e fez um gesto de silêncio com o dedo nos lábios. Ele se calou imediatamente.
Trace cruzou olhares com a princesa e ambos sorriram. Ele então se adiantou, fazendo uma reverência ao rei.
— Vossa Alteza, bom dia. Sou Trace Greenwood, o Marquês do Distrito de Carabás, e vou lhe explicar o que ocorreu — começou ele. — Joe, mostre os documentos ao rei.
Joe entregou os papéis ao rei e Trace explicou a fraude de Bolívar: a fortuna era uma farsa, o pai de Joe, Taylor Otogi, era o verdadeiro administrador dos fundos, mas Bolívar havia fraudado a assinatura e desviado a herança. O rei entregou os documentos aos Grandes Nobres e perguntou sobre Taylor Otogi.
Joe, com uma expressão séria, respondeu:
— Meu pai foi morto pela guilda Sabertooth, contratada por Bolívar. Aquela maga de cabelos verdes, sentada em cima da jaula, é Rydia, um dos membros da guilda Crossed Bones. O Marquês de Carabás contratou essa guilda para nos ajudar a revelar a verdade sobre Bolívar.
Trace, então, pediu desculpas ao rei pelo transtorno e declarou sua intenção de concorrer à posição de consorte da princesa Mirajane. O rei, furioso, respondeu:
— Depois de toda essa destruição na cidade e os custos que a coroa terá que arcar, nunca aceitarei isso!
Trace ficou angustiado, mas Joe o segurou pelo ombro e piscou para ele.
— Não se preocupe, Majestade — disse Joe. — Como herdeiro de Taylor, tenho direito a um terço da fortuna de Bolívar e a administrar o restante do dinheiro. Darei a minha terça parte ao Marquês, e o restante usarei para cobrir os custos de reconstrução da cidade, sem gastar uma única moeda do tesouro da coroa.
Os olhos do rei brilharam como moedas de ouro. Ele passou o braço pelo pescoço de Trace e o puxou para perto.
— Mirajane, venha conhecer seu novo esposo — disse ele, empolgado. — Trace, me fale mais sobre seu plano de reconstrução da cidade.
Mirajane correu para acompanhar os dois. De forma discreta, ela deu um tapinha no bumbum de Trace e rosnou baixinho, fazendo um sinal com a mão como se fosse um tigre. Trace ficou vermelho de vergonha.
Os Grandes Nobres, Joe e Rydia assistiam à cena de longe, todos sentindo vergonha alheia.
— Trace nunca mencionou esse lado... animalesco da princesa — comentou Rydia
— Nem eu sabia disso... — Joe respondeu, rindo.
— Espero que você e o Marquês não tenham o mesmo apetite por poder do Bolívar. Seria muito ruim ter que interferir no casamento da Princesa — ameaçou um dos Grandes Nobres depois de se aproximar de Joe.
Joe respondeu com sinceridade:
— Não se preocupe, Milorde. Não temos pretensão de interferir nas decisões políticas dos Senhores. Queremos apenas reconstruir nossas vidas.
— Perfeito! — o Grande Nobre assentiu, satisfeito.
Quando o Grande Nobre se virava, Joe o interrompeu pedindo para discutir uma coisa em particular com ele.
Eles foram até o escritório de Bolívar e Joe explicou a história e os termos do contrato com a Crossed Bones. O Grande Nobre olhou para Joe e disse:
— Prometeram 100 mil rilds se Trace se casasse com a princesa. Contudo, você só tem 8 mil rilds. O que planejam fazer sobre isso?
— Esperávamos que vocês ajudassem a pagar os 94 mil rilds restantes. Mas pagaremos tudo aos poucos. Assim não atrapalhamos a reconstrução da cidade — disse Joe, esperançoso.
O Nobre balançou a cabeça negativamente.
— Não será possível. Teremos que abater todos os custos de destruição da cidade e obras — respondeu ele.
— Milorde, Joe já falou que vai usar a fortuna de Bolívar para isso, não se gastará um único rild dos cofres do reino — manifestou-se Rydia, indignada.
— Pagar esse valor para uma guilda que quase destruiu a cidade seria um precedente horrível, permitindo que outras guildas ajam com a mesma... como posso falar... displicência. Esse valor não poderá ser pago nem com recursos da coroa nem do próprio Bolívar. Se fizerem isso, será considerado crime direto contra a coroa.
Rydia saiu transtornada do local, frustrada por terem terminado o contrato com apenas 8 mil rilds em vez dos 100 mil prometidos. Os Grandes Nobres confirmaram a assinatura falsa feita por Bolívar, e ele foi preso, confirmando o repasse do patrimônio do empresário, conforme as cláusulas originais do contrato de seguro.