Volume 2
Capítulo 81: Um Trabalho para Arila
No dia seguinte, enquanto o sol começava a se pôr, tingindo o céu de laranja e rosa, no mesmo campo de treinamento, com uma brisa suave soprando e pequenos flocos de neves caindo sobre o local. Arila e Osken estavam de pé diante de Otto, que observava seus pais com olhos curiosos e atentos. Ele estava suado e um pouco cansado, mas a excitação de aprender algo novo mantinha seu espírito elevado.
Arila, com uma postura firme, mas suave, olhou fixamente para Otto.
— Concentre-se, Otto. Um dominador não dita seu estilo de luta. Nós devemos entender e extrair o estilo do Arcano. Se quiser dominar o poder de Cetus, não se concentre apenas na força, mas também na leveza e sutileza. É assim que ele luta. É como se cada golpe fosse uma dança.
— Mamãe, o que você quer dizer com “o estilo do arcano”? – indagou Otto, franzindo a testa, ainda tentando entender.
— Deixe-me explicar. Segundo o método VARK, existem quatro tipos principais de aprendizado: visual, auditivo, leitor/escritor e cinestésico. Cada classe de mago tem uma afinidade natural com um desses tipos de aprendizado. Lembre-se, não é um fator determinante, mas é uma maior afinidade.
Osken com um sorriso de confiança, decidiu intervir.
— Filho, eu sou um elementalista do atributo luz. Meu poder se manifesta na criação de luz, mas além disso, eu extraio o atributo combustão do elemento fogo para incorporar ao meu elemento, criando um subelemento chamado brilho. Para dominar esse poder, eu passei inúmeras noites observando as estrelas. Eu via como elas brilhavam, suas cores e movimentos. Essa observação me ajudou a entender como replicar esses fenômenos dentro de mim. Aprendi a refletir a luz de forma mais intensa e a manipular seu brilho.
— Isso significa que o aprendizado de seu pai é muito visual. Ele observa e replica os movimentos e características do que vê na natureza. Mas isso não significa que ele não precise de experiência em batalha, autoconhecimento ou estudo. É apenas que suas técnicas partem principalmente da observação — completou Arila a explicação do marido.
— Entendi. Então, os elementalistas aprendem principalmente observando — Otto manifestou-se, assentindo com a cabeça e começando a entender. — E as outras classes, mamãe? — continuou a indagar o menino.
Arila explicou com paciência, ajoelhando-se até a altura de seu filho, sua voz calma e suave.
— Cada classe tem seu método predominante de aprendizado. Por exemplo, os transmorfos são naturalmente auditivos. Eles precisam desenvolver um profundo autoconhecimento. É como se estivessem tentando sincronizar seu corpo humano com sua alma animal. Eles precisam ouvir e entender seu “eu” interior para liberar e potencializar as características do seu animal inato.
— Isso mesmo. Osken também se ajoelhou, ajudando na explicação de sua esposa. — Imagine um transmorfo que deseja se transformar em um lobo. Ele precisa ouvir os sussurros de seu lado animal, sentir os instintos de um lobo dentro de si e, lentamente, permitir que esses instintos se manifestem, potencializando suas garras ou presas.
— Os forjadores, como você já sabe, precisam de duas coisas: capacidade de refino mágico e restrições. As restrições somadas com a capacidade de refino fazem eles desenvolverem habilidades versáteis e únicas. Sem a capacidade de refino, apenas as restrições se sobressaem; todavia, sem restrições, não é possível desenvolver habilidades mais complexas. — Arila deu uma leve pausa, esperando seu filho assimilar as informações, depois continuou. — Neste contexto, os forjadores geralmente são exímios leitores e escritores.
“Os forjadores anotam suas experiências e conhecimentos. Eles precisam pensar em todas as possibilidades para desenvolver habilidades e restrições que tenham sinergia entre si e também com o seu modo de lutar. Um erro no momento de elaboração do seu equipamento de forja pode resultar em uma habilidade falha, sem possibilidade conserto.
“Já os conjuradores são muito cinestésicos. Eles desenvolvem suas habilidades através da experiência. Quanto mais eles enfrentam desafios, mais os laços com suas bestas mágicas são estreitados; com isso, habilidades são desenvolvidas ou reformuladas. A sua besta mágica amadurece e evolui junto com o mago, em uma jornada baseada em suas vivências” —finalizou Arila a sua explicação.
— E no nosso caso, os dominadores? — questionou a criança.
— Nós temos um arcano dentro de nós, e nosso poder vem dessa entidade. Para entender e dominar esse poder, precisamos combinar os quatro tipos de aprendizado. Precisamos conhecer profundamente o arcano, ouvir seus pensamentos e sentimentos, visualizar como ele age e praticar nossos poderes em situações reais — explicou Arila, inclinando-se para frente, com um tom de seriedade misturado com carinho.
“É como quando você vê a mamãe lutar. Eu medito para compreender como Cetus pensa e luta. Depois, visualizo os movimentos dele e então pratico, replicando esses movimentos em combate.
“É por isso que, quando eu luto, meus movimentos são firmes e fluidos, como uma dança. É como se eu apenas replicasse os movimentos de Cetus nadando no mar. Esse é o caminho dos dominadores. Nós precisamos harmonizar nosso aprendizado de todas as formas possíveis para entender e extrair plenamente o poder do arcano” — falou Arila, mexendo os braços com fluidez.
Otto, com um olhar de determinação, olhando para os seus punhos.
— Então, eu preciso aprender a combinar todos esses métodos para entender e usar o poder de Cetus em um outro nível e desenvolver técnicas efetivamente poderosas.
— Correto! Cetus é um dragão aquático venenoso. Qualquer efeito negativo você pode causar ao seu oponente. Extraia um maior poder do Cetus e você será capaz de sintetizar qualquer veneno que necessite. Você só precisa de uma coisa...
— Ser forte como tigre e leve como uma garça — interrompeu Otto com olhar determinado.
— Sim, exatamente, meu querido. E nós estaremos aqui para ajudar você em cada passo desse caminho — falou Arila, colocando a mão em seu ombro.
Após alguns dias, durante o início da noite, com as primeiras estrelas aparecendo no céu. Otto, Arila e Osken, em um dia de folga merecida, voltavam da pescaria, trazendo consigo risos e histórias do dia. Eles retornaram ao vilarejo com o frescor da noite envolvendo-os. Otto carregava um peixe pequeno com orgulho, mal podendo esperar para mostrá-lo aos amigos. Mas, ao chegarem, o vilarejo parecia um deserto. As cabanas, que normalmente estavam cheias de vida, estavam silenciosas e escuras.
— Tem algo errado... Cadê todo mundo? — Osken franziu a testa, preocupado.
Arila puxou o filho mais perto, a preocupação estampada em seu rosto.
— Otto, fique ao meu lado.
Osken foi até a porta da cabana de Jiro, seu velho amigo, já que lhe havia prometido um peixe para o jantar. Ele bateu na porta, mas não houve resposta. Depois de algumas tentativas, ele arrombou a porta, encontrando uma visão aterrorizante.
— Jiro... não... — Osken, aterrorizado, falava com a voz trêmula de choque.
Jiro e sua família estavam mortos, seus corpos sem vida espalhados pelo chão. Arila rapidamente cobriu os olhos de Otto, que olhava assustado, sem entender a gravidade do que via.
— Otto, não olhe. Vamos sair daqui. — Arila verbalizou com firmeza, tentando manter a calma.
Eles correram de cabana em cabana, mas em cada uma encontraram a mesma cena horrível. O vilarejo inteiro havia sido massacrado. Os três, desesperados, correram até a cabana deles, esperando encontrar pelo menos a Senhora Babacoco ainda viva.
Ao chegarem à cabana, algo estava errado. A porta estava entreaberta e o ar parecia carregado de tensão. No meio da sala onde costumavam jantar, os móveis haviam desaparecido. Apenas uma cadeira solitária permanecia no centro. Nela, um homem alto, de ombros largos e encapuzado, estava sentado com os pés repousando sobre a Senhora Babacoco, que estava amordaçada, com os olhos arregalados de medo, implorando silenciosamente por ajuda. Ao lado dele, outro homem encapuzado mantinha-se em guarda, vigilante e imóvel.
Arila, num reflexo, empurrou Otto para trás de Osken e avançou com a mão já transformada em uma garra dracônica. Seus olhos ardiam de fúria enquanto ela desferia um golpe direto contra o homem sentado. No entanto, antes que pudesse atingi-lo, seu ataque foi interrompido por uma mão firme.
— Hugo? — Arila parou, a surpresa se misturando com a raiva enquanto reconhecia o rosto daquele que impediu seu ataque.
— Arila, por favor, acalme-se. Jhon Bash só quer conversar. Podemos resolver isso pacificamente — disse Hugo, sua voz tingida com uma urgência contida, quase suplicante.
Ao ouvir esse nome, Osken passou a sentir o peso da culpa esmagando seu coração, lembrando-se da carta que ele próprio destruíra anos atrás e que era destinada a Jhon Bash. Ele não havia previsto as consequências que isso traria. Agora, estava prestes a descobrir.
— Conversar? Depois de massacrar os aldeões e humilhar a Senhora Babacoco? Não me venha com essa, Hugo! — gritou Arila, com a dor e o ódio transbordando de sua voz.
Hugo desviou o olhar para Jhon Bash, e este, com um movimento lento e deliberado, retirou os pés de cima da mulher. Em um gesto de falsa cordialidade, Hugo libertou Babacoco e a empurrou suavemente em direção a Arila, que a segurou com cuidado.
— O que vocês querem de mim? — esbravejou Arila, encarando Jhon Bash com uma fúria incontrolável.
— Os poderes do clã do dragão... — disse Jhon Bash, com um tom de admiração fria. — Eles são realmente notáveis, uma obra de arte vindo direto do divino. Sem os experimentos da GPA, esses dons ainda seriam um mito inalcançável. Agora, todos estão atrás desses... dons. Você, Arila, é uma dessas raridades e a New Order tem um lugar para você. Junte-se a nós.
— Matar e humilhar meus amigos... não me parece a forma adequada para convidar alguém.
Bash soltou uma gargalhada alta e cruel, ecoando pelas paredes da cabana.
— Para fazer novos amigos, primeiro é preciso eliminar os antigos.
Arila sentiu-se traída. Seus olhos varreram o rosto de Hugo, mas ele permaneceu impassível.
— Eu não quero novos amigos. E, pelo visto, os antigos também já não valem muito, não é, Hugo?
Hugo fechou os olhos brevemente, a dor invisível surgindo em sua expressão por um momento antes de desaparecer por trás de uma máscara de resignação.
— Negócios são negócios, Arila. Não leve para o lado pessoal. — Suas palavras saíram vazias, sem o peso da convicção.
Jhon Bash, com um sorriso sombrio, virou o seu olhar predatório lentamente para Otto e Osken.
— Talvez você precise de um pequeno incentivo... — sugeriu ele, sua voz carregada de uma ameaça velada.
Arila, instintivamente, posicionou-se à frente de seu marido e filho, sua voz carregada de fúria.
— Se tocar neles, Jhon Bash, eu juro que te mato!
— Bash... O acordo era... — Hugo tentou falar, mas sua voz foi abafada pela gargalhada estrondosa de Bash.
— Você tem fogo nos olhos, Arila. Admiro isso. Mas, como você recusou minha primeira oferta, agora terei que insistir em outro tipo de colaboração.
— Que tipo de colaboração? — perguntou Arila, desconfiada.
— Sabe — Jhon Bash inclinou-se na cadeira, os dedos entrelaçados sobre o estômago em um gesto relaxado. —, há uma lenda antiga sobre um herói que realizou doze trabalhos para expiar seus pecados. Vamos reencenar essa história. Eu tenho doze trabalhos para você, Arila, e espero que dessa vez você não recuse minha oferta — ele estalou os dedos, e várias figuras encapuzadas emergiram das sombras, revelando-se como membros da guilda New Order.
Arila sentiu o sangue gelar em suas veias.
— Por que eu? Vocês já têm Hugo... Ele é mais forte do que eu! — protestou ela, sua voz vacilando enquanto olhava de relance para sua família.
— Hugo é uma arma poderosa, sim. Mas seus poderes são... chamativos demais. Já você... Seus talentos são perfeitos para o tipo de tarefa que preciso. Silenciosa, discreta. Não levantará suspeitas do nosso envolvimento nos assassinatos. — Bash sorriu, com um brilho cruel nos olhos.
— Assassinatos? — Osken gritou, atônito. — Arila, você não pode fazer isso! Não por nós...!
Arila virou-se para ele, seus olhos tristes e cheios de pesar.
— Pescador, por favor... — disse ela, com a voz fraca. Ela sabia que não havia outra saída. — Quem são os alvos? — perguntou ela, resignada.
Hugo se aproximou com uma expressão sombria e entregou a Arila doze cartazes. Ao olhar para eles, seu rosto ficou pálido. Ela mal podia acreditar no que via.
— Os príncipes de Frost Garden... Eu... preciso matar doze príncipes?
— Exatamente. E você tem três meses para concluir a tarefa — respondeu Bash, com um sorriso satisfeito.
— Isso é insano! A GPA e todo o reino de Frost Garden irão nos caçar pelo resto de nossas vidas! — exclamou Arila, seu desespero se intensificando.
— O que é melhor, Arila? Fugir com sua família, ou ficar sozinha, enquanto todos aqueles que você ama estão mortos e enterrados? — Bash retrucou, sua voz fria como gelo.
Arila olhou para os cartazes em sua mão e depois para Hugo, que a encarava com um olhar pesado de culpa.
— Hugo... Vender sua alma ao diabo valeu a pena?
Hugo hesitou, o peso de suas ações refletido em sua expressão. Ele sabia que não havia como voltar atrás.
— Confie em mim. No final, o preço a pagar sempre será menor do que perder quem você ama — A voz de Hugo saiu carregada de arrependimento, embora ele tentasse esconder.
Arila, com o coração pesado, olhou uma última vez para sua família antes de sair da cabana. A decisão estava tomada. Ela aceitaria os trabalhos para proteger aqueles que amava, mesmo que isso significasse carregar o peso do sangue inocente em suas mãos. Até que tudo fosse finalizado, Jhon Bash ficaria na vila, “protegendo” seus familiares.
Dois meses e meio se passaram desde que Arila partiu. O vilarejo, antes cheio de vida, agora estava vazio e sombrio. A neve caía suavemente, cobrindo o solo com um manto branco, mas a paz do cenário contrastava com a tempestade que se aproximava. No meio da noite, uma figura solitária e ensanguentada se aproximava do salão onde Babacoco, Osken e Otto aguardavam com ansiedade.
Osken, com os olhos arregalados ao ver sua esposa naquele estado.
— Arila... é você?
— Ma-mamãe? – Otto gaguejou, tremendo de medo.
Arila entrou no salão, suas roupas estavam salpicadas de sangue e seu olhar vazio parecia atravessar os presentes. Ela cheirava a morte, um aroma que permeava o ar gelado da noite. Ao vê-la, Otto recuou, aterrorizado. Sua mãe, a guerreira forte e amorosa, agora parecia uma sombra da morte.
Ela foi caminhando silenciosamente até Bash, que a aguardava com um sorriso frio. Arila tirou dozes colares do bolso e jogou aos pés de seu algoz.
— Excelente, Arila. Você fez um ótimo trabalho matando os doze príncipes em tempo recorde. Suas habilidades foram essenciais para os meus planos.
Arila caiu de joelhos, lágrimas escorrendo por seu rosto. Sua força parecia ter desaparecido, deixando apenas uma casca vazia. Bash se virou para sair, mas Hugo parou ao lado dela, olhando-a com uma mistura de pena e culpa.
— Em nome da nossa antiga amizade, fuja daqui o mais rápido que puder. A GPA está a caminho. Jhon Bash não te perdoou por recusar a guilda. Se você não for nossa, também não será de ninguém — sussurrou Hugo no ouvido da maga.
Com essas palavras, Hugo se foi, seguindo Bash e os outros. Quando a porta se fechou, Babacoco, Osken e Otto correram para abraçar Arila, envolvendo-a em um manto de calor humano e conforto.
Arila, chorava entre soluços, segurando sua família.
— Eu... eu não queria machucar ninguém... Só queria uma vida em paz... Agora estamos condenados.
— Nós vamos sair daqui. Vamos encontrar um lugar seguro — Osken falou firme, tentando manter a calma.
Rapidamente, eles juntaram suas coisas e fugiram do vilarejo, carregando apenas o essencial em uma carroça velha. O vilarejo, uma vez seu lar, agora era um túmulo de memórias.
Horas depois, visitando o vilarejo de Taigyo, agora repleto de mortos e casas abandonadas, soldados da GPA investigavam o local, suas botas pesadas deixando marcas na neve recém-caída. Um deles correu até um homem que agachado, observava as marcas de carroça no chão.
O soldado bateu continência, sua voz trêmula de incerteza.
— O que vamos colocar no relatório, General Levi Burgess?
— Relate que Carmine Arila matou todas as pessoas do vilarejo e os doze príncipes de Frost Garden. Contudo, agora ela está morta, eliminada por mim após um confronto na neve. Ah, coloque a data do relatório para dois dias na frente — disse o General, ainda agachado, esbanjando uma frieza calculada enquanto continuava a analisar os rastros.
— Com a devida vênia, senhor, mas eu estaria mentindo. Ainda nem a encontramos — o soldado respondeu hesitante.
General Levi Burgess levantou-se rapidamente, batendo as mãos para tirar a neve de suas luvas. Ele olhou fixamente nos olhos do soldado e sorriu cruelmente.
— Não estará mentindo, soldado. Apenas estará adiantando o que vai acontecer em dois dias. Essa mulher já tá morta, só você e ela não sabem ainda disso. Agora vá e redija o relatório da forma que eu falei, é uma ordem!