Volume 2
Capítulo 71: Gato guerreiro
Ainda na floresta, Moara estava exausta. A batalha com Erina havia chegado ao fim, e ela mal conseguia se manter de pé. Cambaleando e quase caindo, ouviu Bardo desesperado, apontando para uns arbustos. Virou a cabeça e viu Bruce correndo em sua direção. Apesar de estar gravemente ferido e com uma pata quebrada, ele recobrou a consciência e se aproximou, dando uma cabeçada em Moara e fazendo-a cair de costas contra uma árvore. Tentando se levantar, ela percebeu que seus próprios ferimentos, somados a seu braço e perna quebrados, e a exaustão mágica a impediam. Quase sem forças, ela murmurou:
— Você não sabe a hora de desistir, né, gatinho?
Bruce estava irado ao ver sua mestra caída no chão, inconsciente e coberta de feridas. Com um rosnado profundo, ele, mesmo mancando se preparou para atacar Moara. No entanto, antes que pudesse avançar, uma voz calma e controlada interrompeu a tensão:
— Calma aí, bichano, não vai fazer algo de que vai se arrepender.
Baan apareceu, sentado ao lado de Erina, com uma estaca de osso apontada para o pescoço da domadora. Bruce rosnou novamente, mas Baan olhou profundamente para o animal, com olhos ameaçadores, liberando uma aura invisível e sufocante que fez o tigre tremer de medo, lembrando-o da mesma sensação opressiva que sentiu quando conheceu e enfrentou Guinter. Bruce recuou e se sentou, permitindo que Baan se aproximasse e acariciasse sua cabeça.
— Bom garoto — disse Baan com suavidade. — Isso mesmo.
Moara, aliviada, sorriu ao ver o amigo. Baan olhou para ela e fez um comentário brincalhão:
— Você tá bem machucada, hein?
— Tive uma luta difícil. — Ela riu, ainda que com dificuldade. — A menina fera era forte.
Atrás de Baan, Joe, Catlyn e Trace se aproximaram. Eles começaram a tratar das feridas de Moara, mas ela, com um olhar determinado, pediu que também ajudassem Erina. Trace protestou:
— Ela é inimiga, Moara. Já imaginou quantas pessoas dessa cidade ela machucou e fez sofrer?
— Eu arrisquei minha vida para proteger vocês, então, estão em débito comigo. Por favor, cuidem das feridas dela também. Se não quiserem fazer por ela, façam por mim. É só o que peço. — Moara insistiu.
O trio hesitou por um momento, mas então aceitaram a insistência de Moara e começaram a tratar de Erina. Baan, observando a situação, comentou:
— Já que o tamanduá e a menina fera foram derrotados, preciso ir enfrentar o líder deles. O problema é a longa caminhada até sair dessa floresta e voltar à cidade.
Moara olhou para Bruce e, apesar de sua dor, esboçou um sorriso.
— Ei, chefinho, agacha aqui. Tive uma ideia. Hehehe!
Ela começou a cochichar algo para Baan, e os dois começaram a rir. Baan se aproximou de Bruce e, com uma expressão travessa, falou:
— Bichano, bichano, vem aqui. Tenho um trabalhinho para você.
O tigre, ainda temeroso, olhou para Baan com olhos arregaldos. Este ajoelhou e segurou a pata quebrada do animal. Após alguns segundos se concentrando, ela estava restaurada.
— Moara, quando eu voltar, vai ser a sua vez — disse Baan, olhando para Moara com um sorriso confiante.
A jovem maga balançou a cabeça concordando, já Trace, Catlyn, Joe e Bruce ficaram impressionados com a técnica curativa de Baan. O mago dominador levantou-se e começou a improvisar uma armadura de ossos para proteger o animal. Logo, Baan estava montado em Bruce, segurando uma estaca de osso em forma de espada. Ele a ergueu horizontalmente entre os braços e gritou com entusiasmo:
— Pelos poderes de Passafora... Eu tenho a força!
Com isso, ele espetou levemente a espada de osso próximo ao rabo de Bruce e gritou:
— Vamos, Gato Guerreiro, leve-me até Guinter!
Bruce disparou pela floresta com toda a velocidade que suas patas lhe permitiam, atravessando as árvores como um raio. Ao longe, os gritos de Baan podiam ser ouvidos:
— Mais rápido, mais rápido!
Moara, vendo o amigo desaparecer na escuridão da floresta, começou a chorar. Catlyn, Trace e Joe se aproximaram, preocupados, acreditando que Moara estivesse tendo algum problema grave. Mas, para a surpresa deles, ela chorava como uma criança, reclamando entre soluços:
— Não é justo. Eu também queria andar no Gato Guerreiro... O Baan sempre fica com toda a diversão.
Os três ficaram ali, com expressões atônitas, tentando processar a cena bizarra e espalhafatosa que acabavam de testemunhar.
Enquanto isso, nas proximidades da mansão de Bolívar Brock, Rydia ofegava e corria, seu olhar varrendo desesperadamente o caminho à frente. Atrás dela, Uji, ainda controlado pelos poderes mágicos de Rafarillo, avançava impiedosamente. Ele se movia com uma precisão letal, sua katana brilhando à medida que ele perseguia sua companheira. A coxa esquerda de Rydia latejava com a dor do ferimento recente, mas ela não podia parar. Então, avistou um canteiro de obras paralisado a sua direita.
“Perfeito!”, pensou a jovem, sua mente afiada já elaborando um plano.
Ela desviou para dentro do canteiro. Uji a seguiu sem hesitação, os fones de ouvido que Rafarillo usava para controlá-lo ainda firmemente encaixados. Alguns metros atrás, Rafarillo e Steffens os seguiam, garantindo que o sinal Bluetooth dos fones não fosse perdido. A dupla de vilões estava confiante, acreditando que tinha a vantagem.
O canteiro de obras era um espaço vasto, com um enorme campo de terra batida e várias construções ao redor, desde galpões inacabados até uma plataforma metálica de vários andares interligados por escadas metálicas.
Rydia adentrou no local, atirando para trás, tentando atrasar seu amigo em transe. Uji estava logo atrás, bloqueando com facilidade os disparos da pistola de água pressurizada de Rydia. Cada tiro que ela soltava era desviado com um movimento rápido e preciso de sua katana. Sabendo que precisava de uma estratégia melhor, Rydia focou em procurar algo no ambiente que a favorecesse.
Ela avistou a estrutura metálica e sorriu. Usando sua habilidade de manipulação de água elástica, estendeu a mão e criou linhas finas de água. Concentrando-se, ela arremessou as linhas para cima, como laços de um chicote, mirando pontos específicos na estrutura de metal — vigas transversais, corrimãos e hastes de apoio.
As linhas de água se prenderam firmemente, aderindo aos pontos de ancoragem com a tensão precisa que Rydia controlava. Com os fios bem presos, ela usou a elasticidade da água para puxar-se para cima, balançando-se de um ponto a outro com a agilidade de uma acrobata. Cada movimento a levava mais alto na estrutura, enquanto Uji, ainda sob o controle de Rafarillo, lançava seu golpe Aokiji, mas sem sucesso, acertando apenas as hastes de ferro.
Rydia finalmente alcançou uma plataforma elevada. Dali, ela tinha uma visão clara de todo o canteiro e poderia preparar uma armadilha. Rapidamente, começou a esticar novos fios de água em várias direções entre os andaimes, criando uma complexa teia pegajosa que se misturava com a paisagem de metal.
Uji ficou ao chão, sem mover um passo, apenas olhando para os lados, procurando Rydia.
Finalizada sua armadilha, a maga atiradora desceu as escadas metálicas com passos rápidos e leves, ecoando entre as estruturas de aço e pilhas de concreto. Em meio a descida, ela refletia: “Que merda! Eu pensava que ele ia me seguir. Mas parece que esse transe do Uji aflorou sua burrice ao máximo. Ele tá só parado embaixo feito um palerma.”
Rydia teve que voltar ao nível do solo para atrair Uji até sua armadilha. Ela sabia que precisaria se fazer de isca, a fim de que o samurai seguisse caminho que ela tinha planejado.
— Ei, samurai burro, estou aqui! — gritou Rydia, usando seus chicotes de água para lançar golpes no ar ao redor do samurai. Cada chicotada era calculada para manter sua atenção e guiá-lo na direção desejada.
O samurai, controlado pela música de Rafarillo, avançou com determinação, bloqueando os ataques de Rydia enquanto seguia seus movimentos. Passo a passo, ela o conduziu em direção à área onde a teia de água estava preparada.
— Vamos, Uji, eu sei que você pode fazer melhor que isso! — ela provocou, esperando atrair o samurai para dentro de uma armadilha, ao subir pelas plataformas metálicas.
O samurai lançou um Aokiji na companheira, mas Rydia conseguiu desviar a tempo, dobrando a esquina e subindo mais um lance de escadas. Antes que ela pudesse ter acesso ao próximo lance, o samurai lançou mais um feixe elétrico, forçando a garota a se abaixar. Ele aproveitou a abertura e correu o mais rápido que pôde, para perfurar o peito da maga com um golpe de sua katana em riste.
Com a mão esquerda, ela usou sua água elástica, prendendo-a em uma barra de ferro. Depois, contraiu o braço, fazendo a barra de ferro vir na direção do samurai. Ele, que estava prestes a acertar seu golpe em Rydia, teve que girar a katana, cortando a barra de ferro em dois pedaços.
Um pedaço da barra de ferro voou pelo lado do rosto do samurai, o outro, Rydia o pegou no ar e bateu com força no pé do amigo. Uji gritou de dor e a maga conseguiu a oportunidade pretendida para correr e dobrar novamente a direita, subindo mais um joguete de escada.
“Até que enfim, consegui chegar onde eu queria.”, pensou a maga, confiante de sua estratégia.
Chegando ao andar pretendido, sua armadilha estava prontamente preparada, fios de água elástica, dispostos meticulosamente pelo ambiente, como teias de aranha.
Assim que subiu as escadas, Rydia deslizou com agilidade por baixo dos fios, como uma sombra rápida. Uji a seguiu, seus sentidos de samurai aguçados detectando o perigo iminente. Ele parou abruptamente, equilibrando-se na ponta dos pés, a poucos centímetros de tocar os fios traiçoeiros.
Contudo, Rydia, prevendo a cautela do amigo, já havia planejado um contra-ataque. Ainda agachada, ela lançou uma barra de ferro próxima aos pés de Uji. Surpreendido, ele perdeu o equilíbrio e, em um instante, estava preso nos fios de água elástica. A tensão da água o envolveu, imobilizando-o como uma mosca capturada em uma teia. Ele se debatia, tentando se soltar, contudo a tensão superficial da água o manteve preso.
— Eu espero que ele tenha uma boa justificativa para ter caído na armadilha daqueles dois idiotas da Sabertooth — murmurou Rydia, avançando em direção ao samurai preso. — Porque deixar o inimigo colocar um fone de ouvido na sua orelha é muito amadorismo.
Ela retirou o fone de ouvido de Uji, que desapareceu instantaneamente de suas mãos, reaparecendo nas mãos de Rafarillo, do lado de fora do canteiro.
Uji, desorientado e frustrado, tentou compreender o que havia acontecido. A confusão era evidente em seus olhos, enquanto Rydia, irritada, mantinha uma expressão de determinação feroz.
— Droga! A garota conseguiu libertar o samurai do transe — exclamou Rafarillo, a fúria contorcendo suas feições. — Precisamos enfrentá-los de frente. Eles vão se arrepender quando eu começar minha batida!
Steffens subiu as escadas ao lado do irmão, os olhos ardendo de ódio.
— Vamos acabar com eles. Aquela desqualificada vai pagar por me chamar de biscate.
— Onde estamos? O que aconteceu? — perguntou Uji, ainda desorientado. — Me tira daqui, Rydia. Tô me sentindo uma mosca presa numa teia de aranha.
Rydia, com um movimento rápido, desfez sua técnica, fazendo Uji cair pesadamente no chão.
— Ei, Rydia! Um pouco de cuidado, por favor! Isso doeu — reclamou Uji, esfregando o rosto.
Rydia revirou os olhos, sua voz carregada de exasperação.
— Doeu? Doeu foi a minha coxa, seu idiota! Você quase me matou, caindo em transe por causa de um fone de ouvido. Eu estava no meio de um confronto com o Bolívar nas mãos. Espero que tenha uma boa explicação para ter deixado aquele paspalhão colocar um fone de ouvido na sua cabeça — esbravejou a maga, sua frustração evidente.
Uji colocou a mão no queixo, refletindo. Lembrou-se de como Steffens o havia seduzido, distraindo-o enquanto colocava o fone em sua orelha. A lembrança o fez sentir-se envergonhado e culpado. Ele começou a suar frio, nervoso, sem saber como explicar os acontecimentos para a amiga.
— Bom... — começou ele, hesitante. — Eles fizeram uma criança de refém e ameaçaram matá-la se eu não colocasse os fones de ouvido. Não tive escolha. Seria errado deixar uma criança inocente morrer assim — mentiu Uji, tentando manter um sorriso nervoso, temendo que Rydia não acreditasse em sua história.
O desconforto de Uji era palpável. Ele estava visivelmente tenso, com medo de ser desmascarado. Rydia, por outro lado, tentava processar a informação, uma mistura de dúvida e preocupação passando por seu rosto.
Rydia ponderou por um momento, soltando um suspiro exasperado.
— Parece que a síndrome do Kreik de querer ser super-herói é contagiosa... Pelo menos você foi pego por uma boa causa... E a criança, ela tá bem?
— Sim, sim! — Uji soltou um riso nervoso. — Ela conseguiu fugir em segurança. Hahaha! — respondeu ele, aliviado que Rydia havia acreditado em sua mentira, mesmo que ele mal pudesse acreditar nisso.
A dupla se agachou, Rydia inclinou-se perto de Uji, sussurrando:
— Uji, agora que você está de volta ao normal, preciso de toda a informação que você conseguiu. Precisamos elaborar uma estratégia para derrotar aqueles dois magos da Sabertooth. Eles vão chegar aqui em breve. Vamos aproveitar o ambiente para atacá-los de supresa.
— Certo. — Uji franziu a testa, tentando lembrar. — A única coisa que sei é que aquele fone de ouvido me fazia ter alucinações. Eu não podia me controlar. Ele tocava uma música estranha, algo como trash metal, em um volume ensurdecedor.
— Interessante... Eu não ouvi nenhum som vindo da caixa — ponderou Rydia, seus olhos se estreitando em concentração. — Quando o mago alto de cabelos ruivos apareceu no quarto do Bolívar, ele tinha uma caixa de som nas mãos, mas tenho certeza de que ela não emitia som algum. Acredito que ele seja um forjador, e seu equipamento de forja deve ser aquela caixa de som e os fones de ouvido. É ele quem estava controlando você. Quanto à biscate ruiva, ela deve ser uma elementalista de grau superior que controla o som.
Rydia, com sua mente estratégica, estava montando as peças do quebra-cabeça. Uji, aliviado por ter Rydia ao seu lado, sentia-se mais confiante em enfrentar a ameaça iminente.
— Quem você pensa que tá chamando de biscate, sua piranhazinha? — gritou Steffens, surgindo de repente atrás de Rydia e Uji. — Tome isso! Hyper Voice!
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