Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 2

Capítulo 46: Um novo contrato

Trace interrompeu a narrativa, as lágrimas escorrendo pelo rosto enquanto ele lembrava de toda a dor e humilhação que sofrera desde que Bolívar iniciou sua tirania.

— Preciso de um momento para me recompor — disse ele, com a voz embargada.

— Tudo bem, meu irmão. Deixe-me fazer uma síntese dos demais acontecimentos. — interveio Joe Otogi, percebendo a dificuldade de seu amigo.

— Obrigado — murmurou Trace, saindo rapidamente em direção ao banheiro.

Joe prosseguiu, dirigindo-se ao grupo que escutava atentamente:

— Após várias idas de Trace à capital como copeiro, a relação entre ele e Mirajane se aprofundou. Eles se apaixonaram. Outro fator importante foi que o comportamento egocêntrico e ganancioso de Bolívar começou a gerar resistência entre os atuais Grandes Nobres, que temiam as consequências de sua ascensão à nobreza.

— Ainda não estou entendendo como toda essa história de decreto, princesa e nobres se relaciona com o contrato da taverna? No pedido de contrato consta apenas para transportamos uma mercadoria até o reino próximo fora das dependências de Byron — perguntou Rydia, curiosa.

— Vou explicar... — Joe suspirou e continuou. — A princesa Mirajane vinha adiando o casamento com Bolívar, planejando visitar Passafora para sob o pretexto de conhecer a cidade antes de realizar o casamento. Quando isso ocorresse, nós fugiríamos juntos com a ajuda da guilda contratada... Só que sem os magos saberem que estavam levando uma princesa, ao invés disso a guilda pensaria que estaríamos levando apenas mercadorias.

— Isso seria uma loucura! — gritou Rydia, atônita, levantando-se abruptamente da cadeira. — Levar uma princesa sem avisar à guilda seria condenar todos os magos à forca. Um ato inconsequente que poderia destruir a guilda e seus membros sem culpa alguma. E mesmo que os magos sobrevivessem, a guilda se tornaria uma red skull.

— Não tínhamos dinheiro suficiente e não podíamos contar com o apoio financeiro de nenhum dos Grandes Nobres. Decidimos, com a concordância dela, raptá-la e fugir, confiando no apoio da guilda. — Joe, com lágrimas, abaixou a cabeça, envergonhado. — Sei que era uma ideia egoísta, mas viver sendo humilhado e maltratado diariamente nos fez pensar que era o melhor caminho. Fomos tolos.

Os filhos de Joe, percebendo o estado emocional do pai, correram até ele. Joe enxugou as lágrimas e os acalmou. Catlyn os conduziu ao quarto, afirmando que já era hora de dormir. Por sua vez, Uji segurou no braço da amiga e, com um olhar sério e penetrante, fez um gesto para ela se acalmar e se sentar.

Enquanto Catlyn subia com as crianças, Joe retomou a conversa, tentando se recompor:

— Um fato mudou tudo. O contrato que deixei na taverna já não está mais válido. Pedi sua revogação há alguns dias, pensei que soubessem.

— Estranho... Era para Keya nos ter contato sobre isso — comentou Joabe pensativo. — Parece até que ela queria que vinhessemos.

Trace retornou à mesa, ainda visivelmente abalado. Uji, com um tom sério, perguntou:

— Afinal, o que levou a essa mudança de planos? E como isso culminou neste Decreto Imperial?

Joe explicou, cruzando os braços enquanto ponderava:

— Bolívar de alguma forma soube da informação sobre o rapto da princesa e o rei passou a investigá-la, interceptando uma carta que ela confeccionaria e enviaria para nós, detalhando sobre planos de fuga. Felizmente, a carta não continha nossos nomes e nem estava endereçada. Irritado, ele planejou um casamento imediato entre ela e Bolívar. Porém, um dos três Grandes Nobres interveio. Temendo Bolívar assumir o cargo, ele sugeriu que o rei visitasse pessoalmente Passafora para escolher entre Bolívar e um outro pretendente.

— Trace Greenwood, ou melhor... o Marquês de Carabás — concluiu Uji, entendendo o plano de Joe e Trace.

— Mas havia um problema. Para ser um candidato ao casamento com a princesa, é necessário reunir três requisitos: ser nobre, ter recursos financeiros para gerar renda na cidade e possuir terras. Eu não tenho nenhum desses. Além disso, seria ouvida a opinião de moradores locais para saber da desenvoltura administrativa do pretendente — acrescentou Trace, desanimado.

— Ei, o Bolívar tem título de nobreza? — perguntou Joabe, com um olhar intrigado.

— Sim, o pai dele, logo antes de perder seus bens para o tornado, tinha sido condecorado com o título de Conde de Passafora — Taylor, que até então estava calado, respondeu com firmeza.

— A princesa Mirajane foi astuta. — Joe continuou, absorvendo a atenção de todos na sala. — Ela conversou com o grande nobre da família Pendragon e o convenceu do perigo que Bolívar Brock representava caso assumisse o cargo de um grande nobre. Esse nobre da família Pendragon descobriu que a cidade de Passafora começou com um vilarejo chamado Carabás, que era liderado por um homem designado pelo rei da época como Marquês de Carabás. Porém, conflitos internos na família levaram ao desaparecimento de sua descendência ao longo do tempo.

— Inclusive, quando esta cidade se tornou Passafora, o local em que estamos passou a ser chamado de Distrito de Carabás, em memória ao vilarejo original. — Taylor acrescentou, com uma voz ponderada.

Joe prosseguiu, delineando os eventos com precisão:

— O grande nobre da família Pendragon criou um Decreto Imperial com data retroativa, reconhecendo Trace Greenwood como legítimo descendente do Marquês de Carabás. Com o apoio da princesa, eles conseguiram o selo real do antigo rei, Mirapolo I, avô da princesa e pai do atual rei, Mirapolo II.

— Por isso eu peguei aquela locomotiva. Eu precisava pegar o Decreto e registrá-lo no cartório local. Isso me habilita, segundo as normas da Coroa, a participar da disputa para ser o próximo grande nobre e me casar com a princesa Mirajane. — explicou Trace, com um brilho de determinação nos olhos.

— Isso resolve o problema da nobreza. Mas e as terras e a fonte de renda para gerir a cidade? Trace, você não tem nem dinheiro para pagar sua própria lápide, quanto mais um pedaço de terra para ser enterrado — questionou Joabe, franzindo a testa.

Kreik, ao lado de Joabe, deu-lhe uma leve cotovelada, tentando moderar sua indelicadeza.

Joe levantou-se, movendo-se com propósito até a sala de estar. Ele afastou um quadro na parede, revelando uma alavanca escondida. Ao puxá-la, um alçapão se abriu no chão. Ele gesticulou para que o seguissem enquanto descia as escadas que levavam a um corredor metálico.

— Com o título de Marquês de Carabás, as terras deste distrito pertencem automaticamente ao Trace, anulando o controle de Bolívar sobre esta região. Quanto ao dinheiro, deixe-me mostrar algo.

Eles passaram por um longo corredor até uma enorme porta de metal. Joe a abriu, revelando uma fábrica subterrânea.

— Quando o tornado atingiu Passafora, a família Otogi foi a única que manteve-se de pé. Por quê? — Joe parou, olhando nos olhos de cada um antes de continuar. — Passafora já havia sofrido com um tornado poderoso em um passado remoto. Meu pai sempre teve medo de que outro pudesse surgir. Então, ele construiu esta fábrica subterrânea. Investimos todo nosso dinheiro nela e foi o que nos sustentou. Porém, devido às táticas sujas de dumping de Bolívar, acabamos quebrando e fechando a fábrica. Operamos apenas em pequenas demandas clandestinamente para sobreviver sem a intervenção de Bolívar.

— Senhor Joe, o que é aquela passagem ali? — perguntou Kreik, com curiosidade ao notar uma passagem ao fundo.

Joe sorriu, indicando a entrada oculta:

— Quando Bolívar voltou, procurou nossa família em todos os lugares. Ele queria nos matar, embora não saibamos exatamente o motivo. Então, construímos esta passagem subterrânea que atravessa a cidade e leva a esta casa isolada perto da floresta. As pessoas pensam que é um local abandonado, mas é assim que despistamos os capangas de Bolívar. Agora, apenas vocês e Trace sabem disso.

Uji, com uma expressão séria, levantou uma preocupação:

— Trace é copeiro de Bolívar. Não seria fácil ele obter essa informação torturando-o?

— Isso seria possível se ele soubesse do grau de envolvimento entre mim e o Joe. Para os outros, sou apenas um morador de Passafora que gosta do Joe, assim como Yep, Frederico e Woley — respondeu o copeiro com um tom calmo, mas determinado.

— Quem são esses três? — perguntou Rydia, intrigada.

— São nossos amigos de infância. Quando começamos a planejar a fuga da princesa, percebemos que precisaríamos de ajuda. Então, formamos esse grupo. Eles têm grande influência entre os trabalhadores da cidade — Joe explicou, com um olhar nostálgico.

— Agora temos tudo: terras, uma fábrica capaz de gerar empregos e renda para a cidade, um nobre, e um grupo de trabalhadores dispostos a depor contra Bolívar Brock e apoiar Trace como o novo Marquês de Carabás. — Com um brilho de esperança no olhar, Joe continuou. — Juntando isso ao apoio da princesa e dos Grandes Nobres, Trace casará com Mirajane e expulsaremos aquele gordo maldito destas terras para sempre.

— Deixa eu ver se entendi. Vocês pretendiam raptar a princesa, formaram um grupo, Bolívar descobriu sobre a carta e contou ao rei. Contudo, um dos três Grandes Nobres ajudou a forjar um Decreto nomeando Trace como Marquês de Carabás. Com isso, foi agendada uma visita do rei, e, nesse tempo, seus amigos mobilizarão as pessoas contra Bolívar, facilitando a vitória de Trace — disse Rydia, recapitulando as informações.

— Exatamente. Só que ainda precisamos recuperar o Decreto Imperial e registrá-lo em cartório para que Trace esteja apto. — Joe assentiu, concordando.

— Era para ser algo simples... Deveríamos apenas pegar o documento e esperar o tempo passar... Só que tivemos um problema. Bolívar sabia do Decreto Imperial e utilizou seus capangas para me interceptar. Por isso, assim que vi os homens de Bolívar me seguindo e de olho na maleta, já sabia que ia morrer e pedi ajuda a vocês — acrescentou Trace, com os punhos cerrados e uma voz preocupada.

— Bolívar monitora todos que saem da cidade. Ele não quer que ninguém fuja ou conte suas artimanhas aos outros. Porém, não tinha como ele saber que Trace ia receber o Decreto Imperial diretamente das mãos de um dos grandes nobres. Ele foi sozinho para que tudo ocorresse na surdina, a menos que... — ponderou Joe, também com semblante sério.

Rydia, com uma súbita percepção, exclamou:

— Que exista um traidor!

— É o que parece.

— Só que esse traidor não conhece todo o plano, apenas fragmentos — Rydia, sempre perspicaz, complementou.

— Como assim? — Joe e Trace, confusos, perguntaram ao mesmo tempo.

— Quando o líder da Sabertooth pegou a maleta e conferiu o documento, eu escutei ele comentar: “Eram só papéis. Poderia ser algo mais interessante.” Essa expressão denota que ele não sabia o que havia dentro da mala. Portanto, podemos concluir que o traidor não repassou a informação completa de que Trace estava levando o Decreto Imperial que o nomeava como Marquês para concorrer ao casamento com a princesa. Apenas soube que Trace estava carregando algo importante que poderia atrapalhar os planos de Bolívar.

— Interessante... — Joe sorriu, impressionado. — Garota, você é bem esperta e observadora. Gostei! Agora que todos sabem de tudo, quero saber da guilda Crossed Bones: vocês aceitam um novo contrato para descobrir o traidor e recuperar o Decreto Imperial?

Rydia pôs a mão na cintura e suspirou, entretanto, Uji, segurou o ombro da companheira antes que ela respondesse. Ele tomou a frente e falou com firmeza:

— Quanto a isso...

Enquanto isso, nos derredores da mansão de Bolívar, Guinter saía da parte interna da mansão, dirigindo-se a um campo gramado. Lá, ele encontrou duas figuras sob uma árvore, admirando a lua solitária no céu, envolta por nuvens negras.

— Creio que já saibam do Decreto Imperial que obtivemos do nosso alvo. — As duas sombras ouviam atentamente as palavras de Guinter, que continuou a explicar: — Bolívar tá furioso. Ele acabou de receber uma carta informando que a comitiva real está a caminho, incluindo o rei, a princesa Mirajane e os três Grandes Nobres. Meu instinto me diz que algo estranho tá acontecendo. Preparem-se. Quero informações completas desta vez! — ordenou ele.

Uma das figuras, espreguiçando-se, respondeu com a voz grave de um homem:

— Como quiser, líder.

Guinter, com um olhar severo, acrescentou:

— Uma última coisa antes de irem. Preparem mais ampolas. As últimas já passaram da validade. Não quero que nenhum de nós morra por engano, caso ele precise lutar.



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