Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 2

Capítulo 42: Dumping

Uji acordou com um leve gemido. Ele estava deitado em uma cama, com faixas envolvendo sua cabeça. Seu corpo inteiro ainda doía, especialmente quando flashes da última batalha contra o líder da Sabertooth invadiam sua mente. Lentamente, ele se sentou e olhou ao redor. Moara estava deitada em uma cama ao lado, também enfaixada. Perto dela, Bardo dormia em cima de um lençol que a cobria.

O jovem samurai virou-se para a janela, observando uma lua cheia brilhando em um céu denso de nuvens negras, ocultando todas as estrelas. Com cuidado, ele se levantou e, tentando não fazer barulho, abriu a porta suavemente e saiu do quarto sem fazer barulho.

Ao sair, Uji se deparou com um corredor. À sua esquerda, duas portas fechadas indicavam outros quartos. À direita, uma escada de madeira desce em direção a um andar de onde vinham sons de conversas.

A mobília da casa sugeria que pertence a uma família de classe média: móveis de madeira bem-acabados e um ambiente limpo e acolhedor.

Descendo as escadas, Uji avista Trace, Kreik e Rydia conversando animadamente, enquanto Joabe dormia no sofá.

— Ei pessoal, onde estamos? — perguntou o samurai com uma voz descontraída.

Rydia, Kreik e Trace gritam de susto, e Joabe despertou bruscamente, ativando seus braceletes silenciosamente, pensando ser ataque inimigo.

— O que aconteceu? Parece que viram um fantasma. — disse Uji, com um sorriso.

— Seu idiota! Como é que você aparece assim, sorrateiro, sem avisar? Quer nos matar de um ataque cardíaco? — esbravejou Rydia.

— Uji! Que bom que está bem. — gritou Kreik, abraçando o amigo com tanta força que o samurai pede para ele diminuir, pois suas feridas ainda doiam.

— Alguém está atacando? — perguntou Joabe, pulando abruptamente no local como um gato, fazendo todos gritarem de susto novamente.

— Outro idiota! Vocês não podem andar feito gente normal? — gritou Rydia, colocando a mão no peito.

— Ei Trace, o que é essa cor roxa ao redor do seu olho? — questionou Uji, com uma sobrancelha arqueada.

Trace olhou para Joabe, que o fuzilou com o olhar e estralou os dedos como se fosse socar o contratante caso ele falasse a verdade.

— Eu... eu bati o olho quando caí da locomotiva. Hahaha! — respondeu Trace, tentando soar natural enquanto passava a mão na nuca e sorria nervosamente, suas pernas tremendo.

Durante a conversa, alguém começou a girar a maçaneta da porta. Ao perceber isso, Trace se colocou na frente e, apontando ambas as mãos em direção à porta que se abria, anunciou:

— Pessoal, como prometi, quero que conheçam Joe Otogi e sua família.

Entram na casa cinco pessoas: um homem loiro de roupa azul, uma mulher loira de vestido roxo longo, um velho de cabelos brancos usando óculos e um sobretudo laranja, e dois garotinhos loiros — um de roupa laranja com branco e outro de verde com marrom.

Trace abraçou o homem de azul, e as crianças correm para abraçar o contratante, chamando-o de "tio Trace".

— Deixe-me apresentá-los. Este de azul é Joe Otogi, sua linda esposa ao lado é Catlyn Otogi, os dois garotos são Joshua, o de verde, e Javier, o de laranja. E este homem honrado mais velho é Taylor Otogi, pai de Joe e o homem que me adotou após Bolívar matar meu pai.

 

 

— Não se preocupem, nós já conhecemos todos vocês. Trace nos contou tudo. Após a batalha na locomotiva, ele e alguns cidadãos de confiança realizaram os primeiros socorros. Quando melhoraram, minha família os trouxe, ainda desacordados e exaustos da luta contra a Sabertooth, para cá. Aqui terminamos de cuidar de suas feridas — explicou Joe.

— Obrigado, Joe, e à sua família pela hospitalidade. — respondeu Uji.

— Não precisa agradecer. Sem vocês o Trace estaria morto. — Joe se aproximou da mesa sorrindo. — Soube que procuravam por mim. Mas, antes de tudo, sentem-se. Catlyn, poderia trazer biscoitos, suco e café? Precisamos tratar bem nossos amigos.

Todos se sentaram ao redor da mesa. Os garotos ficaram brincando no sofá. Joabe e Kreik se acomodaram no degrau da escada próximo à mesa, pois não havia cadeiras suficientes para todos. Catlyn serviu a todos e eles começaram a comer, até que Rydia mencionou o motivo de terem procurado Joe, o contrato de cinco mil rilds que ele publicou nas tavernas do reino de Byron.

Joe demonstrou um rosto desanimador ao ouvir sobre este contrato e se preparou para falar sobre ele, contudo, antes que ele pudesse falar sobre o trabalho, Kreik ergueu a mão e perguntou:

— Desculpe interromper. Sei que viemos pelo trabalho, mas gostaria de saber mais sobre a relação de vocês com o Bolívar Brock e sobre aquela maleta que foi levada pelo homem-leão.

— Ele tem razão. Aproveitem e falem logo sobre o interesse daqueles malditos da Sabertooth em você e no medroso alí — complementou Joabe, apontando para Trace, que olhava para o chão e bebia um gole de suco, visivelmente apreensivo.

Rydia ia tentar contra-argumentar para eles focarem apenas no contrato e esquecer eventuais assuntos paralelos, mas Uji, sentado ao lado dela, segurou sua mão e balançou a cabeça em sinal negativo. Ele também queria saber mais sobre os vilões.

Rydia cruzou os braços e olhou para Joe. Este começou a explicar:

— Por onde começar? Vejamos...

— Pode ser do começo, bem do começo — sugeriu Uji, arqueando uma sobrancelha.

— Verdade. Antigamente, Passafora era uma cidade próspera. Vários negócios floresciam aqui, e havia um grande empresário que dominava muitos ramos comerciais. Seu nome era Brandon Brock, pai de Bolívar.

Taylor, o homem mais velho, interveio:

— Eu e Mace Greenwood, pai do Trace, trabalhávamos para Brandon. Não apenas trabalhávamos, éramos amigos inseparáveis. Brandon veio de uma família pobre, mas sua habilidade comercial o fez o homem mais rico da região. Ele ajudou muitas pessoas, inclusive eu e Mace. Tudo o que construímos foi com seus conselhos e ajuda. Um homem excepcional, querido por todos.

— Até que um tornado devastador atingiu a cidade, destruindo todos os grandes empreendimentos locais e trazendo falência a todos — continuou Joe a explicar.

— Presumo que, após o tornado, Brandon Brock morreu, e seu filho assumiu os negócios, tornando-se o principal gestor da região — sugeriu Rydia, impaciente, querendo encerrar o assunto e focar no contrato.

— Errado! — respondeu Joe. — As empresas de Brandon também faliram. Ele sobreviveu, mas passou a viver na pobreza absoluta. Muitas pessoas que ele ajudou negaram-lhe ajuda, pois mal tinham o que comer.

“Após o tornado, nós, os Otogi’s, éramos a única família que ainda tinha empreendimentos em execução, por isso, estendemos a mão e oferecemos emprego ao Brandon e ao Bolívar. O seu pai prontamente aceitou, mas Bolívar recusou. Ele era preguiçoso, orgulhoso e mimado, não suportava a vida pobre, contudo também não suportava a palavra trabalhar.

“Até que um dia, Brandon morreu subitamente, e Bolívar desapareceu. Dois meses depois, ele voltou, rico novamente, quase com a mesma fortuna que seu pai tinha antes do tornado. Com esse dinheiro, começou a reconstruir o império do pai — concluiu Joe.”

— Como ele ficou tão rico em tão pouco tempo, Sr. Joe? — perguntou Kreik.

— Não sabemos. —Joe suspirou e detalhou. — Ele apenas começou a reconstruir seu império, abarrotando todas as áreas empresariais da região e empregando quase todos os moradores da cidade. Diferentemente de seu pai, ele não tinha concorrentes. Ele destruía os poucos que ainda surgiam por meio de práticas desleais de mercado, como o dumping.

Joe exemplificava algumas das atrocidades realizados por Bolívar, até que Kreik sussurrou para Joabe, cutucando-o com o cotovelo:

— Ei, o que é dumping?

— Deixa de ser burro, você não sabe de nada — respondeu Joabe, impaciente, querendo prestar atenção na fala de Joe.

— Pois me explica — insistiu Kreik, com vergonha de interromper o anfitrião da casa.

— Não dá para explicar agora. Vamos escutar o que o Joe tem a dizer, depois eu te explico.  — retrucou Joabe.

— Tá me parecendo que você também não sabe o que é — provocou Kreik, com um sorriso travesso.

— CLARO QUE SEI, SEU IDIOTA! — gritou Joabe, irritado.

Todos param a conversa e olham para Joabe, que ficou corado, sem saber o que dizer. Kreik aproveitou a situação, também desconfortável.

— Desculpa, pessoal. Perguntei ao Joabe o que era dumping, mas nem ele mesmo sabe.

— Já disse que eu sei, seu idiota — respondeu Joabe, tentando manter a compostura.

— Pois explica aí para todos entenderem — desafiou Kreik, começando a se irritar com seu amigo.

— Cale a boca, Kreik. Só não te explico para não satisfazer as sua vontade. Fique aí sem saber o que é ou descubra sozinho — retrucou o jovem de Suna, em alto tom, cruzando os braços.

Todos riem, e Uji intervém:

— Vocês são muito burros, não sabem coisas básicas de mercado. Vamos lá, Rydia, explique para os juvenis.

— Eu não, estou curiosa para ouvir o samurai galante explicar — debochou Rydia, percebendo que Uji também não sabia.

— Deixa de besteira, Rydia. Explica logo, estamos perdendo tempo — insistiu Uji.

— Pode ser que eu não saiba... será melhor você explicar, nobre samurai – zombou Rydia, sua ironia estambapada no seu sorriso travesso.

— Explica logo, já estamos passando vergonha na frente dos contratantes. Podemos perder o contrato — sussurrou Uji, nervoso, no ouvido da amiga.

— Estou rodeada de paspalhos — desabafou Rydia ao suspirar. — Kreik e os outros que não sabem, o dumping é uma prática desleal de mercado. O valor que atribuímos às mercadorias e serviços depende do equilíbrio entre demanda e oferta, ou seja, a quantidade de bens ou serviços que o consumidor deseja adquirir e a quantidade de fornecedores dispostos a vender esses mesmos bens ou serviços. O dumping rompe esse equilíbrio, diminuindo a quantidade de fornecedores aptos a vender o bem. E como consequência?

Kreik pôs a mão no queixo e, após refletir, respondeu:

— Os preços sobem, porque a oferta cai, embora a demanda permaneça a mesma.

— Exatamente. — Rydia explicava com tom professoral. — Imagine que vocês estão com muita fome e querem comer maçãs, mas apenas eu e Uji as vendemos. Nesse exemplo, a existência do paspalho aqui impede que eu aumente o preço da minha mercadoria de forma exagerada, porque vocês comprariam as maçãs apenas dele, já que seriam mais baratas.

“E a recíproca é verdadeira. Se ele exagerasse no preço das maçãs, vocês comprariam só as minhas, o que forçaria Uji a retornar ao preço médio. Dessa forma, a simples existência de concorrência garante o equilíbrio dos preços.

“Aí entra a prática desleal do dumping. Se o custo de produção de uma maçã é 7 rilds e nós a vendemos por 10 rilds, eu, com mais dinheiro que o Uji, posso passar a vender as minhas por 5 rilds. Assim, todos compram as maçãs apenas de mim. E mesmo tendo prejuízo, como tenho uma maior reserva de capital, quem acaba falindo é o Uji.

“Depois que ele quebrar, eu reajusto o preço das minhas maçãs para 20 rilds. E todos vocês vão pagar esse valor, porque estão com fome e não têm outra pessoa que venda por um preço mais baixo — finalizou a maga atiradora.”

— Obrigado, desculpa interromper — respondeu Kreik com um olhar e sorriso irônico direcionado ao Joabe, que retribuía com um olhar furioso.

— Sinta-se a vontade de retirar dúvidas sempre que precisar — respondeu Joe, que complementou sua história. — Retornando, Bolívar passou a fazer isso, abaixou os preços de seus novos empreendimentos, quebrou os comerciantes locais e depois subiu exageradamente, fazendo todos viverem na probeza e na miséria, enquanto ele vive na sua vida jactanciosa pautado no seu monopólio. Atualmente ele comanda essa cidade como um verdadeiro déspota, utilizando do seu dinheiro para humilhar e controlar a vidade de todos.

Kreik olhou para Joe com uma expressão de dúvida e preocupação.

— E o rei de Byron? Por que ele permitiu a ascensão e a tirania de Bolívar? Acredito que qualquer reino não veria a conduta de Bolívar com bons olhos. — questionou o rapaz, franzindo a testa.

Joe suspirou e iniciou a sua resposta, mas Rydia se antecipou:

— Eu te falei, Kreik, os reinos livres não têm o mesmo rigor daqueles que vivem sob as normas da GPA. Eles possuem suas próprias regras, e dependendo do soberano, podem não se importar com o que acontece com seus cidadãos — explicou Rydia, com um olhar sério.

— Exatamente. — Joe complementou, assentindo com a cabeça. — O rei de Byron não se importa com nada além de dinheiro, algo que Bolívar tem em excesso. Ele faz vultosas contribuições ao cofre do rei. Por causa disso, ele simplesmente fecha os olhos para esta região — disse Joe, com um toque de amargura na voz.

— E a maleta? — Rydia pareceu intrigada e mudou o foco da conversa. — Trace disse que era um Decreto Imperial, mas não especificou seu conteúdo nem o que vocês planejavam fazer com este documento — perguntou a jovem, agora visivelmente interessada.

Joe fez uma pausa, parecendo escolher suas palavras com cuidado.

— Sobre isso [...]



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