Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 2

Capítulo 34: Um caipira na locomotiva

Ao embarcarem, Rydia notou algo incomum: os trocadores e demais funcionários não seguiram viagem, nem mesmo guardas para garantir a segurança. Apenas o maquinista se manteve na locomotiva. Isso era estranho, considerando que a locomotiva estava abarrotada de mercadorias.

A locomotiva era composta por uma longa sequência de vagões. Após a cabine do maquinista, vinha o vagão de carvão, seguido por vinte outros. Os dois primeiros estavam repletos de bagagens e pertences pessoais dos passageiros.

Em seguida, havia quatro vagões destinados apenas ao transporte de passageiros, organizados em cabines com mesas e quatro poltronas ao redor de cada uma. As cortinas nas janelas permitiam aos passageiros puxá-las em 360 graus, garantindo total privacidade.

 

 

Nos vagões de carga, atrás dos vagões de passageiros, o espaço estava ocupado por mercadorias diversas, desde alimentos até maquinários pesados. Cada mesa nas cabines dos passageiros era decorada com uma jarra de vidro cheia de água e quatro copos, prontas para acomodar os viajantes.

No sexto vagão da locomotiva, a equipe se acomodou nas cabines. Na cabine central do lado direito, Trace, Baan, Joabe e Rydia tomaram seus lugares. Paralelamente, do outro lado do corredor, dois agentes de Bolívar se sentaram, mantendo seus olhares vigilantes sobre Trace.

Uji, Kreik e Moara se instalaram na cabine logo atrás dos primeiros, prontos para agir caso houvesse qualquer sinal de perigo. Os demais agentes de Bolívar se posicionaram estrategicamente: quatro na última mesa da parte superior e quatro na última mesa inferior do vagão, todos no lado direito, seus olhares fixos em cada movimento suspeito.

Com a locomotiva em movimento, o ambiente dentro da cabine era tenso. Trace estava sentado ao lado de Baan, enquanto Rydia e Joabe se posicionaram em frente a eles. Baan girou a cortina da cabine em 360 graus, criando um cenário isolado onde poderiam conversar sem serem ouvidos.

— Indo direto ao ponto: por que não há guardas ou outros funcionários na locomotiva? Deveria haver pelo menos um cobrador para receber as passagens e dar suporte aos passageiros — questionou Rydia, com um tom de desconfiança no olhar.

— Os homens de Bolívar não permitem outros funcionários além do maquinista nos trens para Passafora — explicou Trace, seu rosto revelando um misto de preocupação e urgência. — Ele teme que possam trazer informações ou objetos não autorizados. Além disso, sem a presença de terceiros, seus planos, como este de agora para me assassinar e levar a mala, não correm risco de serem frustrados.

Baan sorriu para Trace, tentando aliviar a tensão:

— Você tem sorte — disse ele com um toque de arrogância. — Contratou a melhor guilda que poderia imaginar. Somos a guilda Cross Bones.

Baan puxou um pequeno cartão do bolso e entregou a Trace. O cartão exibia o emblema da guilda: uma caveira usando uma bandana laranja, com quatro ossos cruzados por trás. O símbolo era intimidador, mas também carregava uma certa dose de confiança e bravura que parecia acalmar um pouco Trace.

 

 

— Trace, agora nos explica por que querem te matar e qual sua relação com Joe Otogi — pressionou Baan, seu olhar fixo em Trace, exigindo respostas.

Trace respirou fundo, tentando encontrar as palavras certas.

— Bolívar Brock é um tirano que vem atormentando toda a cidade de Passafora e seus moradores. Ele tem total domínio da região. Eu e um grupo de amigos, liderados por Joe Otogi, estamos tentando encontrar uma maneira de acabar com o domínio desse tirano e trazer esperança novamente para a região.

— E o que tem dentro da mala? — perguntou Joabe, arqueando uma sobrancelha, sua curiosidade claramente aguçada.

— Desculpem, mas não posso falar. É confidencial. — Trace hesitou em responder, seu olhar caindo para a mala em suas mãos. — Sei que não estou em posição de pedir nada, até porque estão fazendo este trabalho quase de graça. Mas não posso deixar que a mera informação do conteúdo da maleta vaze. Se isso ocorrer, tudo pelo que lutamos será em vão. Peço desculpas novamente.

— Você não entendeu. — Rydia cruzou os braços, claramente frustrada. — Estamos aqui para ajudar. Mas sem saber o que tem dentro, como vamos poder fazer isso? Não precisa dizer o contexto, mas precisamos ao menos saber o que é o objeto dentro da maleta — disse ela, tentando ser razoável.

— Eu não sei... — Trace começou a gaguejar. — Acho melhor não...

— Não seja burro — interrompeu Joabe, com um tom duro. — Sei que nos conhecemos agora, mas se não fosse para confiar em nós, por que nos contratou? Se estivéssemos do lado de Bolívar, apenas teríamos recusado o contrato, e daqui a alguns minutos você estaria morto de qualquer forma.

Trace parecia estar lutando internamente. Finalmente, com um suspiro resignado, ele cedeu.

— Tudo bem. Dentro desta maleta há um decreto assinado pelo rei e pelos três grandes nobres de Byron. Um dos grandes nobres foi quem me entregou este documento e deixou bem claro que seu conteúdo não pode ser divulgado até o momento propício.

— Quem são os três grandes nobres de Byron? — indagou Joabe.

— Os reis de Byron não são conhecidos pelas suas capacidades de administração do reino, principalmente o atual, que pensa apenas em acumular dinheiro. Portanto, para gerar estabilidade no reino, foi criada a ordem dos grandes nobres que, na teoria, seriam conselheiros do rei. Contudo, na prática, são eles que efetivamente administram o país, obviamente sem contrariar o monarca, mas convencendo-o das melhores decisões a serem tomadas. Esses nobres são os homens mais ricos do reino, com exceção do próprio rei e de Bolívar Brock. De geração em geração, o atual representante de cada uma dessas famílias deve se casar com uma das filhas do rei. Eles são tão poderosos que nem mesmo Bolívar pode contrariá-los.

— E o que acontece se o rei não tiver filhas ou tiver mais que três? — perguntou Rydia, curiosa.

— Na verdade, o rei deve ter sucessivos filhos até que tenha pelo menos um menino, que será herdeiro do trono, e três filhas, que serviram de esposas aos Grandes Nobres — explicou Trace, sua voz ficando sombria. — Se tiver mais filhas, deve sempre matar a mais nova. Só que nesta geração houve um caso peculiar.

— Esses reis sempre dão preferências aos filhos homens. Pensam que nós, mulheres, não somos capazes de gerir um reino — murmurou Rydia, ressentida, com a mão no queixo e olhando para o chão.

— Você parece ressentida, Rydia. Aconteceu algo parecido na sua família? — Comentou Joabe.

— Apesar de não ser da sua conta, eu apenas não me conformo com o fato de os reis sempre escolherem os filhos homens para sucederem ao trono, enquanto as filhas mulheres servem apenas como moeda de troca em casamentos para formação de alianças entre reinos.

— Vivendo e aprendendo... Não conhecia essa sua face de sindicalista dos direitos das princesas. Espero que não esteja organizando uma greve de abstinência de casamentos entre elas. Hehehe! – zombou Joabe, com um leve sorriso sarcástico.

— Vivendo e aprendendo... Não conhecia essa sua veia de humorista. Aproveita e faz uma apresentação aqui no meio do vagão. Tenho certeza que todos vão morrer de rir! — retrucou Rydia, com repetindo o mesmo sorriso sarcástico.

—Apenas calem a boca e deixem de interromper o Trace. Pode continuar — murmurou Baan, com um sorriso falso, enquanto os demais se calavam.

— Continuando, nesta geração houve um caso peculiar. A terceira filha veio gêmeas, e, por um equívoco durante o parto, não souberam determinar qual das duas foi retirada primeiro do ventre da mãe. O rei até tentou conseguir essa informação, mas sem sucesso. Ambas viveram, e o objetivo era tentar escolher com o tempo qual seria a escolhida para sacrifício. No entanto, ambas conquistaram o coração do pai tão profundamente que ele não teve coragem de matar nenhuma delas.

— Como eles resolveram a situação? — perguntou Baan, intrigado.

— Após muitas deliberações, os grandes nobres aceitaram aumentar mais uma vaga, permitindo que houvessem quatro grandes nobres. O novo grande nobre ainda será escolhido e se casará com uma das filhas gêmeas, a princesa Mirajane. Assim, quando o novo nobre for decidido, as duas irmãs se casarão: uma com o herdeiro do grande nobre da família Pendragon e a princesa Mirajane com a nova família que ascenderá a essa posição.

Rydia fechou os olhos e cruzou os braços, absorvendo a informação.

— Deixa eu adivinhar, esse Bolívar Brock tá querendo ser um dos grandes nobres e casar com a princesa Mirajane. E, de alguma forma, este documento que você leva pode impedir que isso ocorra.

— O quê? Como soube disso? Você é uma bruxa? — exclamou Trace, os olhos arregalados, impressionado com a perspicácia da jovem.

— Uma bruxa, agora faz sentido. Rydia, não se preocupe, da próxima vez que viajarmos, nós compramos uma vassoura ao invés de um bilhete de locomotiva — comentou Joabe, sorrindo sarcasticamente.

A garota, irritada, tentou se levantar e retrucar o companheiro, mas antes disso, Baan pegou em seu ombro, tentando demonstrar uma feição séria, mas fazendo biquinhos com a boca, querendo conter os risos. Rydia, resignada, decidiu relevar a brincadeira do companheiro.

— Acho que já conversamos demais. Vamos logo acabar com esses caras de preto e garantir nosso contrato com Joe Otogi — disse Baan, intercalando a frase com risos provenientes do comentário de Joabe.

— Deixem comigo, vou até onde eles estão e acabo com eles rapidamente — murmurou Joabe, com uma face de entusiasmo por uma boa briga.

— Espera — interrompeu Trace, sua voz carregada de preocupação. — Vocês não podem simplesmente lutar com eles aqui. Tem pessoas inocentes. Não posso fechar os olhos e deixar que pessoas inocentes morram ou se machuquem para eu ser salvo. Por favor, precisamos evitar envolver qualquer um neste confronto.

— Não se preocupe com o esquentadinho aqui. — Baan sorriu, tentando acalmar Trace. — O pessoal de Suna é assim: embora vivam num calor escaldante, seus corações são gélidos. Vamos garantir que nenhum inocente seja envolvido injustamente — disse Baan, batendo nas costas de Trace em um gesto amistoso.

— Eu tenho um plano, só preciso que me dê a maleta. — Rydia se inclinou para frente, o olhar determinado.

Trace apertou a mala contra si, a desconfiança evidente em seu rosto.

— Desculpa, mas isso não vai dar — disse ele, agarrando o objeto com força.

Baan colocou uma mão no ombro de Trace, seu sorriso irradiando confiança.

— Se quiser sobreviver e garantir a entrega desse documento, terá que confiar em nós. E, se confiar em nós, eu prometo que vamos acabar com esse tal de Bolívar Borck. Dou minha palavra.

Embora relutante, Trace entregou a mala a Rydia, que começou a explicar seu plano aos outros.

Enquanto isso, na outra cabine, Kreik estava extasiado com a viagem. Seus olhos brilhavam enquanto ele olhava pela janela, maravilhado com a invenção humana que nunca tinha presenciado antes. A locomotiva cortava a paisagem, e ele via as árvores e montanhas passarem em um borrão de cores. Moara e Uji, sentados lado a lado, riam da inocência e empolgação do jovem.

— Do que tão rindo? — perguntou Kreik, confuso, seu rosto ficando levemente vermelho de vergonha.

— De você, Kreiquinho. Tu é muito caipira! — disse Moara, gargalhando, seu riso era como sinos tilintando, enchendo a cabine de uma alegria contagiante.

Kreik abaixou a cabeça, envergonhado. Mas Uji se inclinou para frente, seu olhar gentil e reconfortante.

— Não liga para as brincadeiras da Moara. Agora que é um membro oficial da Crossed Bones, vai ter que se acostumar com o jeito de cada um — disse ele, seu tom calmo e acolhedor.

— Fica relaxado, Kreiquinho. Amigos zoam uns com os outros — acrescentou Moara, dando um tapinha nas costas de Kreik, seu sorriso brilhante e amigável.

— Amigos... — Kreik ficou pensativo por um momento, os olhos perdidos no chão da cabine. — Eu pensava que nunca mais ia ouvir essa palavra.

Moara e Uji trocaram um olhar compreensivo, entendendo o peso das palavras de Kreik, a solidão que ele carregava.

— Somos amigos, e isso não vai mudar — disse Uji, com uma convicção calma.

— Inclusive eu e o Uji estávamos torcendo para que você vencesse o Baan. Adoramos quando você deu aquele chute flamejante de cabeça para baixo. Onde aprendeu aquilo? Teria sido útil na nossa luta contra aquele Major mequetrefe.

Kreik sorriu, ainda um pouco tímido, mas com um brilho de orgulho nos olhos.

— Sei lá, apenas me veio na cabeça e fiz aquele golpe. Parece que quanto mais eu uso o poder das luvas, mais meu poder mágico e técnicas crescem.

— Isso é porque você é um mago da classe Dominador — comentou Uji, cruzando os braços e olhando para Kreik com um olhar avaliador.

— Dominador? Falando nisso, acho que Baan falou algo parecido. Além disso, você, Moara, na luta contra o Major, também mencionou outro nome estranho. Qual era? — Perguntou Kreik, pensativo, pondo a mão no queixo, tentando recordar as palavras da amiga.

— Forjador? — reelembrou a jovem.

— Isso mesmo. Você disse que o Major era um forjador e que seus machados eram seu equipamento de forja. O que essas coisas significam?

— Sério mesmo que você não conhece as classes de magos? Moara revirou os olhos, visivelmente impaciente. — Uji, explica para ele. Ensinar coisas aos outros não é minha especialidade.

Uji sorriu pacientemente e começou a explicar.

— Basicamente, existem cinco classes de magos: Elementalistas, Transmorfos, Forjadores, Conjuradores e Dominadores. Cada mago pode pertencer a uma dessas classes. Vou abordar uma a uma.



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