Volume 2
Capítulo 33: Cobra Metálica
Durante a manhã, o grupo de protagonistas caminhava pela estrada, seguindo seu caminho para Passafora. O sol brilhava intensamente, lançando sombras longas na trilha empoeirada. Enquanto caminhavam, Bardo, o pássaro travesso, voava e pousava na cabeça de Moara, que sorria com o gesto familiar.
— Ei, Rydia, falta muito para chegarmos nesse fim de mundo? — perguntou Moara, ajustando sua bolsa enquanto lançava um olhar exasperado para a amiga.
— Faltam 110 km, para ser exata — respondeu a amiga, com a habitual precisão.
— Ai, não! Todo esse tempo caminhando e ainda não chegamos nem na metade do caminho. Eu não aguento mais caminhar. Quero descansar! — lamentou Moara, arrastando os pés.
Baan, que liderava o grupo, virou-se e a repreendeu:
— Nós mal começamos a andar e você já quer descansar? Desse jeito, vamos chegar atrasados e perder o contrato para outra guilda.
— Kreiquinho, você não quer dar uma volta aí por cima e ver se encontra um lugar para descansarmos por pelo menos uns 20 minutos? — sugeriu Moara, com um brilho de esperança nos olhos.
— Ok. Estou indo! — Kreik respondeu animadamente. Ele usou as chamas de sua luva como impulso e começou a planar no ar, subindo cerca de cinco metros acima do solo, observando a paisagem com curiosidade.
— Seus idiotas, parem de tomar decisões por conta própria! Já disse que não podemos descansar e perder mais tempo — Baan repreendeu o grupo, a voz firme e determinada.
De repente, Kreik gritou lá de cima:
— Vejam! O que é aquilo? Algo gigante! Nunca vi nada assim!
O grupo olhou na direção que Kreik apontava, para o norte. Moara, com os olhos brilhando de excitação, pulou de alegria:
— O que será? Estou curiosa. Vamos ver o que é! Pelo menos a gente se distrai um pouco. Vamos, vamos!
— Ei, Moara, deixa de criar distrações — Joabe, sempre cético, resmungou.
Kreik pousou no chão com um sorriso largo, seu rosto irradiando empolgação.
— Pessoal, vocês precisam ver isso! É uma coisa gigante, tipo uma cobra metálica que cospe fumaça. E tem muitas pessoas saindo de dentro dela!
Todos riram, e Uji explicou com um sorriso:
— Não é uma cobra, Kreik. É uma locomotiva. Trata-se de um veículo de transporte que leva pessoas a longas distâncias. Ela funciona com um motor a combustão, por isso expele fumaça.
— Incrível! Poderíamos andar nele? Senhor Baan, ia ser superdivertido! — Kreik exclamou, seus olhos brilhando de excitação.
— É verdade, Baan. Poderíamos pegar a locomotiva e não precisar andar mais nesta estrada tediosa e longa — sugeriu Moara, com esperança na voz.
Baan revirou os olhos e suspirou, exasperado:
— O sol cozinhou o cérebro de vocês? Como vamos andar de locomotiva sem dinheiro? E, Kreik, você pode me chamar apenas de Baan.
— Certo, Sr. Ba... Ops, Baan — Kreik corrigiu-se rapidamente.
— Ah, Baan, deixa de ser chato. Parece até que você virou um mané igual o Joabinho — provocou Moara, dando uma piscadela.
— Ei, sua lazarenta! O que eu tenho a ver com isso? — Joabe respondeu, ofendido e irritado.
— Estranho... — Rydia, sempre perspicaz, olhou para o mapa com um ar intrigado. — Ei, Baan, acho que seria bom darmos uma olhada nessa locomotiva e pegarmos informações com as pessoas lá próximas.
— Por que deveríamos? — perguntou Baan, desconfiado.
— Não vejo no mapa a estação da locomotiva nem a linha férrea. Vamos lá investigar — sugeriu Rydia, levantando uma sobrancelha.
— Boa, Rydia! — Moara bateu palmas de empolgação. — Tudo tá conspirando para irmos ver a locomotiva. Vamos lá!
Baan, resignado, acenou com a cabeça.
— Aff, vamos logo ver essa locomotiva e depois seguimos viagem. No máximo vinte minutos, nem um a mais, nem um a menos.
Moara e Kreik, eufóricos, deram as mãos e pularam de alegria enquanto se dirigiam à estação, os demais os seguiam. Quando chegaram, observaram maravilhados a estação lotada de pessoas, isolada no meio da estrada.
— Ei, Bardo, entra na bolsa da mamãe, meu passarinho lindo — disse Moara, abrindo sua bolsa a tiracolo para que o pássaro se acomodasse.
A estação da locomotiva era uma construção de madeira, com pintura nova e um charme rústico. Vários bancos estavam dispostos para os visitantes aguardarem a locomotiva. Na entrada da estação, uma placa de ferro pendurada anunciava o nome do lugar para os viajantes que passassem. O interior da estação era iluminado por muitas janelas, e uma grande porta batente de madeira separava os diferentes ambientes.
Kreik e Moara ficaram admirados olhando toda a estação, enquanto Joabe se sentou em um banco isolado, cruzando as pernas e os braços, aproveitando um momento de solitude. Uji, sempre sociável, viu duas mulheres conversando e decidiu se aproximar delas, alegando aos amigos que ia colher informações sobre a cidade de Passafora.
Já Rydia e Baan entraram no interior da estação, em direção ao balcão de bilhetes e lá conversaram com o vendedor. Falando com o atendente do balcão, a maga atiradora perguntou:
— Bom dia. Estava olhando no meu mapa e não vi nenhum registro dessa linha férrea. Esse realmente é o caminho para Passafora ou nos perdemos?
— Bom dia, senhora. Vocês estão no caminho correto. Não há registro no seu mapa porque essa ferrovia é recente, está com menos de 30 dias de funcionamento. Seu mapa deve ser mais antigo.
— Entendi... Aproveita e me fala quanto sairia seis passagens para Passafora?
— São 30 rilds cada. Como são seis, totalizam 180 rilds. Inclusive a próxima locomotiva passa para lá daqui a trinta minutos. Querem comprar?
Rydia agradeceu, mas disse que não iria comprar as passagens.
O samurai, por sua vez, se aproximou das garotas, balançando seus cabelos ao vento e adotando uma postura galanteadora:
— Nossa! Nunca vi senhoritas tão encantadoras quanto vocês em todos os meus dias de viagem. Permitam-me, eu, Uji, o humilde vassalo das senhoritas, possa beijar-lhes a mão e saber seus nomes.
A mulher à direita sorriu e estendeu a mão:
— Oh, nobre samurai, sou Lena. Espero que seu beijo não seja tão afiado quanto sua espada.
— Cuidado com o que fala, irmã! Ele pode nos cortar com seu charme — brincou a outra mulher, rindo.
— Eu jamais ousaria! — Uji fez uma reverência exagerada, beijando as mãos das donzelas. — Essa espada jamais machucaria damas tão exuberantes. Entretanto, não posso dizer o mesmo da beleza de vocês, pois já cortaram meu coração em cheio;
As garotas riram, e Uji continuou, com um sorriso levado:
— Mas, falando em cortes, estou prestes a fazer uns novos em Passafora.
— Passafora? — Lena arregalou os olhos, incrédula. — Você não pode estar falando sério. Ele tá brincando conosco, irmã Lana.
— Acho que você deveria se informar melhor sobre lá. Qualquer “corte” que fizer por lá pode não ser muito bem visto por Bolívar Brock — Lana falou com tom sério, segurando o braço da irmã.
Antes que Uji pudesse perguntar mais, um velho bêbado, vestido com roupas desgastadas e segurando um cantil de bebida alcoólica, interrompeu a conversa com sua voz rouca:
— Escute, samurai. Ouvi você dizer que pretende aprontar em Passafora. Desista da ideia. Lá era um lugar próspero e amável, mas depois da ascensão de Bolívar Brock, tudo mudou. Ainda é fácil entrar lá, mas sair... é outra história. Repense seus objetivos e mude sua rota enquanto pode.
— Quem é Bolívar Brock? — Perguntou Uji ao arquear a sobrancelha.
Lena e Lana se apressaram em sair, visivelmente nervosas.
— Nobre samurai, foi um prazer conhecê-lo, mas já é tarde. Vamos, Lana, vamos embora — disse Lena, puxando a irmã.
— Se voltar com segurança, adoraremos conhecer mais de suas histórias. Até mais e se cuide. Vai precisar! — acrescentou Lana, olhando para Uji com um ar de advertência.
O velho tomou mais um gole de seu cantil e, levantando-se, limpou a poeira das coxas com as mãos.
— Garotas inteligentes. Não é prudente falar esse nome sem tomar as devidas precauções. Hihihi.
— O senhor não parece preocupado em falar esse nome. Afinal, o que ele tem de mais? — perguntou Uji, intrigado.
— Garoto... — o velho soltou um suspiro e continuou a falar. — Eu não tenho mais nada a perder nesta vida miserável. Um dia a mais ou um dia menos não fazem diferença para mim. Mas se quer saber sobre Bolívar Brock, olhe para os lados e tire suas próprias conclusões. Observe os passageiros que estão indo para Passafora.
Uji olhou ao redor e notou que as pessoas esperando a próxima locomotiva estavam nervosas e aflitas. Muitos homens de chapéu e sobretudo preto estavam como que escoltando os passageiros, o que aumentava a tensão no ar.
— Ei, velho, explique melhor — falou Uji, sentindo a inquietação crescer.
O velho, indiferente ao apelo de Uji, tomou mais um gole de seu cantil, levantou-se e bateu as mãos para tirar a poeira, antes de concluir:
— Já dei todos os conselhos que queria. Se quiser jogar a vida fora, é por sua conta e risco. Apenas tome cuidado. Adeus.
Enquanto isso, Joabe estava sentado em um banco na estação da locomotiva, observando o fluxo constante de pessoas ao redor. O movimento ininterrupto parecia criar um ritmo próprio, e o Jovem aguardava o tempo passar com uma postura firme, embora relaxada. Seus olhos, atentos e afiados, não deixavam passar nenhum detalhe.
De repente, um homem de cabelos e olhos verdes, vestindo uma capa preta que esvoaçava com a brisa, aproximou-se e sentou-se ao seu lado. Ele segurava firmemente uma maleta de madeira com ambas as mãos, sua expressão marcada por um nervosismo evidente. Os olhos verdes do estranho saltavam de um lado para o outro, enquanto sua perna batia incessantemente no chão, traindo sua preocupação.
— Oi, sou Trace Greenwood — disse o homem com uma voz trêmula, tentando soar amigável. — Notei sua máscara... você é de Suna, não é?
Trace Greenwood era jovem de 26 anos, com cabelo e olhos verde claro, numa tonalidade semelhante à "Maçã verde". Ele vestia uma capa preta longa, uma camisa clara, um colete marrom claro, calças escuras e botas marrons. Ele também usava luvas marrons e tem vários acessórios presos ao cinto, incluindo bolsas e uma faca. Sua pele era levemente pálida, parecendo estar com preocupado e com receio.
Joabe ergueu os olhos apenas por um instante, sua expressão impassível como sempre. Ele não respondeu de imediato, permitindo que o silêncio pesado falasse por si. Trace continuou, os dedos tamborilando nervosamente na maleta.
— Suna é em outro continente, bem distante. O que alguém de lá está fazendo aqui? Você tá indo para onde? — insistiu Trace, a angústia visível em seu rosto.
— Não é da sua conta — respondeu Joabe, sua voz cortante como uma lâmina.
Trace engoliu em seco, o nervosismo apenas aumentando. Ele persistiu:
— Dizem que os moradores de Suna são fortes, exímios lutadores, especialistas em missões que exijam discrição, como roubos e assassinatos. Isso é verdade?
Joabe virou-se lentamente para encará-lo, seus olhos sombrios como um abismo.
— Se não disser logo o que quer, vou te mostrar pessoalmente se esses rumores são verdadeiros.
— Calma, calma! — Trace levantou as mãos em um gesto apaziguador. —Eu só... eu preciso de ajuda. Estou indo para Passafora na próxima locomotiva, mas acho que vou ser morto por aqueles homens de preto. Preciso de proteção.
Joabe arqueou uma sobrancelha e, desconfiando da situação, questionou sobre os motivos daqueles homens de preto quererem ver o homem morto.
— É por causa do que tem nesta maleta. — Trace respirou fundo, tentando manter a calma. — Eles querem pegá-la e depois me matar por ordem de alguém que nem ouso mencionar. Preciso que você seja meu guarda-costas nesta viagem. Só tem um probleminha...
— Qual problema?
— Eu não tenho dinheiro agora. Mas se eu conseguir entregar esta maleta para um homem chamado Joe Otogi em Passafora, eu poderei te pagar. Prometo que consigo te pagar!
Joabe pensou por um momento, um sorriso quase imperceptível curvando seus lábios.
“Passafora e Joe Otogi... que coincidência! Acho que uma maré de sorte está vindo.”, pensou ele.
— Então, vai aceitar a oferta? — Trace perguntou, sua voz cheia de esperança.
— Não estou sozinho. Preciso falar com meus companheiros de guilda, são mais cinco comigo.
“Seis guarda-costas? Não sei se foi sorte grande ou azar. Como vou pagar tanta gente?”, Trace falou consigo, a preocupação clara em seu rosto.
— O que foi? Que cara é essa? — Joabe perguntou, percebendo a expressão de Trace.
— Só... quanto vocês e seus amigos vão cobrar pelos serviços? Não temos muito dinheiro, o Joe não vai poder pagar tanto assim.
— Espere um pouco. Vou conversar com meus companheiros e lhe falo.
Joabe levantou-se, fazendo um sinal discreto para Uji, que estava do outro lado da estação. Eles trocaram um olhar e Uji acenou para Moara, que chamou Kreik. Todos se reuniram na parte interna da estação onde Rydia e Baan estavam esperando. Quando todos estavam reunidos, Joabe começou a explicar:
— Lá fora tem um cara com cabelo verde sentado no banco. Seu nome é Trace Greenwood. Ele me reconheceu como sendo de Suna pela minha máscara e quer me contratar para um trabalho. Disse que há homens de preto querendo matá-lo e roubar o conteúdo da maleta que ele está carregando.
— O que tem na maleta? Ele contou? — Kreik perguntou empolgado.
— Não, mas parece ser algo importante.
Uji, que estava ouvindo atentamente, interveio:
— Aqueles homens de preto trabalham para Bolívar Brock, um tirano que controla toda a região de Passafora. Ninguém ousa falar o nome dele por medo. Então, aceitar o trabalho significa entrar em conflito com esse cara.
— Uji, estou impressionada, pensei que só tinha ido para namorar —Rydia comentou e sorriu, um brilho de interesse em seus olhos.
— São apenas minhas táticas básicas de persuasão com o público feminino. — Uji deu de ombros com um sorriso travesso. — Imagine quando eu te mostrar as minhas táticas avançadas — ele piscou para Rydia, que mudou o semblante e revirou os olhos, fingindo apontar uma pistola para a própria cabeça, preferindo a morte aos avanços do samurai.
— E dinheiro? — Baan se inclinou para frente, interessado. — Quantos rilds ele ofereceu?
— Ele disse que não tem dinheiro agora, mas nos pagará em Passafora.
Moara soltou um suspiro exagerado.
— Então por que nos chamou, Joabe? Não vamos trabalhar de graça. Não me diga que a história dele derreteu seu coração de pedra — brincou ela.
— Não é pelo dinheiro, sua idiota — disse Joabe. — Mas pelas condições que ele ofereceu.
— Que condições? — questionou Baan, cruzando os braços, pensativo.
— Ele está indo para Passafora na próxima locomotiva, onde espera ser atacado. E prometeu que nos pagará assim que a mala chegar às mãos de Joe Otogi.
— O nosso potencial contratante. Interessante... O que acha, Rydia? Acha que é uma armadilha ou um contrato honesto? — perguntou Baan.
Rydia olhou para Baan, considerando as opções.
— Nunca se pode descartar a hipótese de ser uma armadilha, mas a probabilidade é baixa. Não vejo por que alguém armaria isso para nós, uma guilda de ranking “E”. Nossa presença não deve chamar atenção deles.
— Vamos aceitar logo. Ninguém mais aguenta caminhar. O plano é perfeito: pegamos carona na locomotiva, chegamos rapidinho em Passafora e ainda aproveitamos para nos divertir batendo naqueles mequetrefes. Desta vez, o Joabinho se superou.
Baan acenou com a cabeça, aprovando.
— Joabe, vá até nosso novo contratante e diga que aceitamos o trabalho com duas condições. Primeiro, queremos 180 rilds adiantados para comprar nossos bilhetes. Segundo, queremos preferência no contrato que Joe Otogi ofereceu nas tavernas de Byron.
Joabe assentiu e voltou para onde Trace estava sentado. Ao ouvir sobre o valor do gasto financeiro com o contrato, Trace ficou visivelmente aliviado, entretanto, ao ouvir a segunda exigência, ficou nervosos e hesitou momentaneamente. Embora tenha inicialmente relutado, ele concordou com o contrato e entregou a Joabe o dinheiro solicitado.
Com os bilhetes em mãos, a guilda se dirigiu à plataforma, esperando pela locomotiva que os levaria a Passafora. A locomotiva finalmente chegou à estação, uma locomotiva que expelia fumaça e fazia um barulho estridente. Eles embarcaram junto com Trace e os outros passageiros. Entre eles, estavam também os sinistros homens de preto de Bolívar, dez ao todo, seus olhares ameaçadores varrendo o ambiente.