Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 1

Capítulo 4: Um lunático na estrada

Kreik, desesperado para evitar ser pisoteado, agarrou-se ao dorso de um dos bois, tentando manter o equilíbrio em meio ao tumulto. Joabe não conseguiu ver o rosto de Kreik, contudo viu ao longe o cabelo ruivo quando ele retirou o capuz, já montado em um boi.

Os bois partiram em direção ao centro de Lakala, avançando como uma onda descontrolada contra a caravana da GPA. A população, tomada pelo pânico, correu em todas as direções, criando um cenário caótico. Moara e Uji, pegos de surpresa, lutavam para se aproximar da caravana, mas o fluxo incessante de pessoas e bois os impedia de avançar.

Do alto de um prédio, Rydia assistia a cena se desenrolar. Ela jogou o binóculo no chão com um grito de frustração, sua mente confusa tentando entender por que Joabe havia ativado as runas prematuramente.

Os bois, em sua corrida desenfreada, rapidamente alcançaram a caravana. Uma criança que tentava escapar caiu no meio do caminho. Justo quando um dos bois estava prestes a pisoteá-la, Mayumi, a Tenente da GPA, saltou de seu cavalo e a puxou em segurança. No entanto, o impacto da queda fez com que ela torcesse o tornozelo, e um grito de dor escapou de seus lábios.

Enquanto isso, um grupo de bois colidiu com a carruagem, e a caixa contendo as luvas de Ifrit ficou presa nos chifres de um dos animais. Mayumi, ao ver a cena, manteve a calma, pois sabia que a caixa era apenas uma falsificação.

O Capitão Zanzo, preso em seu cavalo ferido, gritou com desespero:

— Mayumi, pegue aquela caixa! Não podemos perder a Invoker do Ifrit!

— Não se preocupe, Capitão. Ela é falsa — respondeu Mayumi, tentando esconder a dor.

— Não há tempo para explicar, mas aquela caixa não é a réplica que você pensa. Pegue-a. É uma ordem! — retrucou Zanzo, sua voz carregada de urgência.

Os olhos de Mayumi se arregalaram ao processar a informação. O desespero tomou conta de seu corpo enquanto pensava:

“Não é possível. Eu mesma troquei as caixas... Entretanto, como o Capitão sabe da existência de uma réplica? Se ele sabe, então estar dizendo a verdade. Droga! Ele de alguma forma sabotou minha troca e eu nem percebi. Como fui tola e inexperiente. Preciso recuperar a Invoker, custe o que custar.”

Determinada, mesmo com o tornozelo lesionado, Mayumi saltou com sua perna saudável, agarrando-se ao chifre de um dos bois com a intenção de cavalgar até a caixa.

Kreik, observando de longe o esforço da Tenente da GPA para alcançar o boi com a caixa, viu uma oportunidade e pensou:

“Se eu recuperar aquela caixa e entregá-la àquela mulher, a GPA vai me agradecer. Quem sabe até me condecorar. Com isso, vão esquecer do passado da minha família e todos no vilarejo voltarão a aceitar a mim e ao vovô. Yossh! Mamãe, chegou a hora de eu lançar uma nova moeda, como você dizia. Hehehe.”

Cheio de determinação, Kreik conduziu seu boi em direção ao que carregava a caixa. A sorte estava do seu lado, pois os bois começaram a desacelerar ao atravessar a ponte na entrada do vilarejo. Aproveitando o momento, ele saltou de um boi para o outro com destreza, até finalmente alcançar o boi desejado e recuperar a caixa.

Quando olhou para trás, viu que um dos bois havia passado por debaixo da ponte, que então explodiu, consequência das runas explosivas que Rydia havia deixado como parte de seu plano. A explosão fez com que o boi em que Mayumi estava montada mudasse de direção e tropeçasse nas margens do rio, arremessando a Tenente e o animal na água.

Mayumi, ao cair no rio, foi arrastada pela correnteza, batendo em pedras e engolindo grandes quantidades de água, até perder a consciência. Kreik, ainda com a caixa em mãos e montado no boi, dirigiu-se às margens do outro lado do rio, determinado a salvar a garota.

Ele seguiu o corpo inerte de Mayumi pelo leito do rio, seu objetivo claro em sua mente: puxá-la para fora assim que se aproximassem da margem. Contudo, percebendo que sua estratégia falharia e que Mayumi estava se aproximando perigosamente da queda da cachoeira, Kreik tomou uma decisão impulsiva e heroica.

 “Não vou deixá-la morrer!”, murmurou para si mesmo, saltando no rio em seguida.

Com um esforço desesperado, conseguiu agarrar Mayumi, mas a força da correnteza os arrastou rapidamente em direção às rochas. Em um desses impactos, o lacre da caixa se rompeu, e as luvas de Ifrit caíram na cachoeira. Kreik e Mayumi, então, despencaram em queda livre, rumando para um impacto mortal contra uma grande rocha ao final da queda d'água.

Enquanto caía, Kreik se resignou com a iminente morte. Sentiu um breve alívio, uma aceitação tranquila diante de tudo que havia sofrido nos últimos anos. Todavia, ao olhar para Mayumi, seu semblante mudou. Inspirado pelo ato heroico da Tenente que havia salvado a criança, decidiu que precisava salvá-la, não importava o custo.

“Não posso desistir. Preciso protegê-la.”, pensou ele, com determinação renovada.

De repente, ele avistou as luvas flutuando próximas. Uma delas estava ao seu alcance, enquanto a outra estava mais distante. Segurando Mayumi junto ao peito com a mão direita, estendeu o braço esquerdo em direção à luva mais próxima.

Com um movimento ágil, conseguiu alcançá-la, e a luva se ajustou perfeitamente à sua mão, como se fosse feita sob medida. No mesmo instante, a outra luva foi transportada magicamente para sua mão direita, moldando-se à anatomia de seu corpo.

Por uma fração de segundos, os olhos de Kreik mudaram de cor, de um castanho comum para um alaranjado intenso, semelhante a chamas vivas. Com as luvas agora em suas mãos, ele apontou a mão esquerda para baixo, e uma rajada contínua de fogo emergiu, permitindo-lhe planar no ar. Em seguida, girou o ângulo do braço, e as chamas o impulsionaram para frente, afastando-o da rocha ameaçadora.

Kreik e Mayumi caíram na água, evitando a colisão com a pedra e sem sofrer novos ferimentos. Kreik, ainda segurando firmemente a Tenente, nadou até a margem do rio.

O local onde chegaram era pitoresco, repleto de vegetação densa e areia úmida. A poucos metros dali, uma pedra colossal, fincada na terra, oferecia sombra e abrigo.

— Vamos, resista, você vai ficar bem... — murmurou Kreik, enquanto colocava a Tenente em segurança sob a sombra da rocha, seu coração batendo forte de adrenalina e alívio.

No centro do vilarejo de Lakala, a confusão finalmente começava a se dissipar. Os soldados da GPA lutavam para controlar os bois descontrolados, enquanto a população se recuperava do susto. Uji, ainda ofegante pela correria, ouviu um soldado reportando ao Capitão Zanzo sobre a situação.

— Senhor! Um garoto ruivo chamado Kreik pegou as luvas e caiu na cachoeira com a Tenente Mayumi! — disse o soldado, visivelmente preocupado.

Uji, alarmado com a notícia, deixou o local apressadamente e correu para se reunir com o restante do grupo no topo do prédio, onde Rydia liderava os demais.

Longe dali, em algum lugar próximo à cidade de Lajeas, capital do Reino de Ekala, e sob a luz dourada do pôr do sol, a caravana do Major Brihen seguia seu caminho, transportando o que ele acreditava ser a verdadeira Invoker de Ifrit.

A comitiva do Major era composta por 30 soldados e dois Capitães, todos montados em cavalos robustos. Eles trilhavam um caminho secreto pela floresta, pois o objetivo de Brihen era manter a discrição durante toda a jornada.

De repente, um homem vestindo um manto preto com adornos dourados e capuz surgiu no meio do caminho, obrigando a caravana a interromper sua marcha. De costas para os militares, ele permanecia imóvel, contemplando o céu, absorto na beleza do crepúsculo.

Os soldados, instintivamente, prepararam-se para o confronto. No entanto, o Major tomou a frente, acenando para que se acalmassem, enquanto tentava resolver a situação de forma pacífica:

—  Boa tarde, senhor. Sou o Major Condor Brihen da 9ª Divisão da GPA. Não quero ser indelicado, mas o que faz aqui, sozinho neste lugar desolado?

— Por ora, apenas admirando o pôr do sol. É magnífico, não concorda?

— Sem dúvida, senhor. Mas peço, por gentileza, que libere o caminho.

— Observe as silhuetas destas montanhas, a majestade deste céu tingido de laranja e até mesmo esta brisa que nos envolve, tudo é tão esplêndido e parece orquestrado com uma precisão quase divina, beirando a perfeição. Contudo, ao olhar com mais atenção e calma, vemos as imperfeições; o ciclo vital que exige a morte para sustentar a vida; o tempo que devora tudo; desastres que transformam paisagens e; sobretudo, a humanidade, dominante, mas assolada por conflitos, ganância e falta de amor. Um paradoxo tão antigo quanto o próprio mundo. Por que, em meio a tanta beleza, a perfeição nos é tão fugaz? — murmurou o homem, sua voz suave misturando-se ao crepúsculo.

— Major, esse sujeito é só um lunático, vamos ignorá-lo — comentou um dos soldados, provocando risadas entre os outros.

— Senhor, por favor, identifique-se e desobstrua o caminho. Se não atender ao meu pedido, serei obrigado a usar a força – avisou Brihen, com um tom grave.

— Me chamo Reich. Assim como você, já fui um militar da GPA. Entretanto, após testemunhar a maldade dos homens e as imperfeições deste mundo, percebi que precisava assumir um papel mais significativo, algo que você jamais compreenderá — respondeu o encapuzado, ainda bloqueando a passagem e absorto na paisagem.

O Major ordenou que os soldados removessem o homem e o prendessem. Cinco soldados desmontaram e se aproximaram dele, mas quando dois deles tocaram no ombro do estranho, todos os cinco caíram inconscientes. De suas bocas, emergiram esferas azuis de fogo, como se fossem suas almas, que passaram a flutuar ao redor do homem encapuzado.

Os soldados restantes observaram, aterrorizados. Os dois Capitães, montados em seus cavalos, avançaram contra o encapuzado, mas ele simplesmente ergueu as mãos e os cavalos tombaram, mortos. Os Capitães caíram ao solo, aos pés do homem. Ele tocou a nuca de cada um, e de suas bocas surgiram esferas de fogo azul maiores, que se juntaram às outras, orbitando o encapuzado.

— O que fez com meus homens? — Brihen gritou furioso — Tentei resolver isso civilizadamente, mas você ignorou meus conselhos. Prepare-se, Reich, a morte o aguarda, e lamento, pois não haverá lápide para você — complementou o Major, cerrando os dentes de raiva.

— Sou eu quem pede perdão pela morte e destruição que causei e ainda causarei. Mas preciso das luvas que estão transportando. Não se preocupe, em respeito à sua morte, Major, pouparei os soldados que fugirem sem resistir — disse Reich, estendendo a palma da mão esquerda, enquanto as chamas azuis se uniam, formando uma única e grande bola de fogo azul.

Cinco soldados fugiram em seus cavalos, renunciando aos seus deveres. O Major lançou-lhes um olhar breve, chamando-os de covardes, antes de se voltar para o adversário e bradar:

—  Chega de delírios, Reich. Soldados, ataquem! Faremos este insano pagar pelas vidas que nos roubou.

Os vinte soldados restantes, ainda em seus cavalos, investiram em um ataque na direção de Reich, contudo, este, apenas sorriu.

 — Soulfire Explosion (Explosão do Fogo de Alma)! — Reich balançou a mão e chama de fogo azul que o rodeava moveu-se na direção dos soldados. Ao atingir os subordinadores de Brihen, as chamas azuis explodiram matando os sete soldados da frente e seus cavalos, enquanto os demais caíam dos seus respectivos cavalos, apavorados pelos golpes do andarilho.

Ainda tentando se levantar do último golpe, os soldados foram surpreendidos por Reich, que corria entre eles, mirando em Brihen. Este último estava bem atrás, analisando a luta. Enquanto Reich corria, ergueu as mãos para frente e bradou:

— Hungry Ghost (Fantasma Faminto)! — Um fantasma translúcido e faminto saiu de suas mãos, este arrancou a alma de mais sete soldados, os quais se tornaram chamas azuis que se condensaram ao redor da palma da mão direita de Reich.

O andarilho saltou à frente do Major Brihen, lançando outro Soulfire Explosion. Entretanto, Brihen saltou de seu cavalo em uma velocidade impressionante, como se fosse um vulto. O cavalo foi instantaneamente incinerado pelo golpe. Reich, por sua vez, fez o mesmo: desapareceu e reapareceu numa velocidade anormal, logo atrás do Major, que ainda finalizava seu movimento.

— Impressionante, Major Brihen, dominar tão bem o Impulso Fervoroso — comentou Reich, sorrindo com desdém. — Entretanto, eu o domino melhor.

Reich deu um chute giratório, acertando as costelas do Major. Brihen caiu alguns metros de distância, quicando no chão, entretanto, o militar conseguiu se recompor facilmente.

— Maldito... Vou fazer você se arrepender amargamente deste duelo. Forja Básica, Manopla Lançadora de Ovos! — exclamou Brihen, invocando uma manopla simples, que encobriu seu braço direito.

A manopla era feita de metal rústico com um cristal verde brilhante no centro. Possuía uma manivela visível e de fácil acesso. O equipamento como um todo tinha uma aparência robusta e funcional.

— Acha que pode me vencer utilizando seu equipamento de forja apenas no nível Básico? — questionou Reich com um sorriso sarcástico.

— Não preciso de muito para fazer você pagar pela morte de cada um dos meus subordinados — respondeu Brihen, sorrindo com determinação.

Reich riu, um som frio e cruel.

— Não fique se achando, você não será capaz nem de me fazer tirar o capuz.

 



Comentários