Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 1

Capítulo 29: O plano secreto de Baan

Com a missão dada, todos saíram para cumprir suas tarefas. Apenas Baan e Uji permaneceram no terraço. O líder da guilda inclinou-se sobre o parapeito, observando à distância Moara e Kreik se dirigindo ao centro comercial da cidade.

— Uji, sem delongas, explica todo o ocorrido — ordenou Baan, sua voz firme.

Uji suspirou, preparando-se para a longa explicação.

— Em síntese, Kreik e seu avô são odiados por todos da vila. Ele, por acidente, atrapalhou nosso plano e, para salvar uma Tenente da GPA, colocou as luvas. Fizemos uma emboscada e o atacamos, mas fomos surpreendidos pelo Major Thorguen Brown, que conseguiu capturar a Moara e o avô do rapaz. No dia seguinte, eu, Joabe e Rydia, com ajuda de Kreik, realizamos um contra-ataque — começou Uji.

Baan assentiu, absorvendo a informação.

— Usamos umas plantas para lançar uma névoa que fazia os soldados adormecerem. Eu enfrentei uma Capitã que era uma maga da classe elementalista e usava magia de velocidade. Joabe e Rydia enfrentaram um Capitão forjador que esticava as mangas de um quimono. Por fim, Moara e Kreik enfrentaram o Major, também forjador — continuou Uji.

Baan franziu a testa, intrigado.

— O que era esse modo carneiro psicopata de fogo que a Moara mencionou? — perguntou ele, ainda mais confuso.

— Moara e Kreik lutaram bravamente, até pensaram que haviam derrotado o Major, mas ele ressurgiu mais forte, deixando a Moara à beira da morte. Ele também matou o avô do Kreik e, com raiva, Kreik ficou um humano meio Arcano, nasceram-lhe chifres e ficou extremamente poderoso. Ele conseguiu, inclusive, matar o Major, todavia também atacou os aliados e seu corpo começou a carbonizar no processo. Mas antes de morrer, a Tenente que ele havia salvado usou uma flecha mágica e ele voltou ao normal — explicou Uji, com um tom sombrio.

— Hum. Metade humano e metade arcano, nunca ouvi falar algo parecido. Parece ser algo perigoso... Em que momento você o convidou para a guilda? — perguntou Baan, intrigado.

— Nós enterramos o avô dele. — Uji olhou para o horizonte, sua voz carregada de tristeza. — Ele se ofereceu para arrancarmos a cabeça dele, porque ninguém mais que o amava tinha restado. Mesmo todos se sentindo desconfortáveis com essa situação, eu ainda ia cortar a cabeça dele. Todavia, quando perguntei suas últimas palavras e ele falou que estava feliz porque tinha feito amigos, neste momento, — Uji suspirou e apertou firmemente suas mãos — algumas coisas vieram na minha cabeça e decidi chamá-lo para a guilda. Já que assim ainda ficaríamos com as luvas. Ficou alguma dúvida? — concluiu o samurai.

Baan ficou em silêncio por um momento, absorvendo tudo.

— Só uma. Quando o garoto te chamou de amigo, te fez lembrar dele? O filho do xógum de Endo — questionou Baan, com um tom sério.

Uji baixou a cabeça, colocando a testa contra o parapeito, sua voz cheia de dor.

— [...] Talvez. — admitiu ele, sua voz quase um sussurro.

— Eu entendo sua decisão, Uji, e saiba que não me arrependo de tê-lo designado como líder dessa missão — comentou Baan, tentando reconfortar o samurai, dando-lhe tapinhas em suas costas.

Uji ergueu a cabeça, surpreso.

— Sério, Baan? Isso quer dizer que vai aceitar o garoto? — perguntou ele, a esperança brilhando em seus olhos.

— Não misture as coisas. — Baan balançou a cabeça lentamente. — Eu disse que entendo sua decisão, não que ela foi a mais acertada. Tem algo que você não calculou — respondeu ele, sua voz grave.

— O que? — perguntou o samurai, curioso, escorando as costas e os cotovelos no parapeito.

— Pelo que me disse, quando mataram o avô dele, o garoto perdeu o controle e atacou inimigos e aliados, como se o Ifrit tivesse se apropriado do corpo dele. Isso não deveria acontecer. Não há registros de um Arcano rompendo o selo da invoker. — Baan virou-se de lado, colocando um dos cotovelos no parapeito e passou a olhar fixamente para Uji, como se o desafiasse.  — Agora me fala o que vamos fazer se isso acontecer durante uma missão? Será que, quando ele se descontrolar, vamos conseguir matá-lo? Ou melhor, se com o passar do tempo, estreitando os laços com ele, uma vez que ele se descontrole, será que teremos coragem de matá-lo?

— Não havia pensado nisso. — Uji sentiu um frio na espinha, percebendo a gravidade das palavras de Baan. — E o pior, não tenho resposta para esse questionamento — admitiu ele, sua voz cheia de desânimo. — Baan, mesmo sem saber a resposta, eu quero que ele entre para a guilda. Entretanto, caso pense diferente, vou respeitar sua decisão. Eu realmente não me perdoaria se alguém morresse porque ele perdeu o controle e atacou um de nós.

— Irei matá-lo e pegarei as luvas. — Baan rapidamente olhou para Uji, esboçando uma expressão dura, de alguém decidido e que não seria contrariado. — Durante a noite, vamos dormir em um local isolado. Então, quando todos estiverem dormindo, farei isso da maneira menos dolorosa possível. Farei isso em respeito a ti. É o máximo que posso fazer — declarou ele, mantendo a voz firme.

Uji sentiu um aperto no peito, mas assentiu lentamente.

— Certo... — murmurou ele, resignado.

Baan colocou a mão no ombro de Uji.

— Não comente isso com Moara. Ela não aceitaria minha decisão e arruinaria meus planos, tentando criar alguma artimanha para o garoto entrar na guilda. — aconselhou o líder, seu tom mantinha-se severo.

Uji apenas balançou a cabeça, concordando, enquanto Baan voltava a olhar para o horizonte, seus pensamentos imersos na difícil decisão que teria que tomar.

Mudando de cena, Joabe e Rydia adentraram na taverna de Madrad, o ambiente ligeiramente barulhento com o som das conversas, músicas e risadas dos frequentadores. Eles se dirigiram ao balcão, onde a atendente, Keya, os esperava com um sorriso acolhedor.

— Boa tarde, Keya — Rydia cumprimentou, com uma leve familiaridade, enquanto Joabe apenas balançou a cabeça. — Baan pediu para falarmos com você sobre a próxima missão.

Keya abriu a tábua do balcão para eles passarem e os conduziu até uma sala nos fundos. Ao entrar na sala, ela pediu para a dupla se sentar enquanto ela se agachava para buscar alguns documentos.

— Como está a garota tempestuosa e o seu namorado samurai, Rydia? — Keya perguntou, mexendo em uma pilha de papéis.

— De onde você tirou que eu namoro o Uji? — Rydia respondeu, surpresa.

— Ah, foi quando estávamos bebendo juntos, eu, ele e o Baan. Depois que eu dei um fora nele, o samurai retrucou dizendo que estava brincando e não me queria mesmo, porque tinha reatado o namoro contigo — Keya disse, levando a mão ao queixo, buscando se recordar.

Rydia ficou vermelha e bufou, cruzando os braços. — Nunca me relacionaria com ele, nem se fosse a última pessoa no mundo. — Em seguida ela pensou: “deixa eu te ver seu samurai de uma figa... vou te fazer pagar por espalhar essas mentiras por aí!”

Keya riu suavemente enquanto finalmente encontrava a pasta que procurava. — Pessoal, a guilda de vocês precisa subir de nível logo. As missões de nível mais baixo estão ficando escassas — ela começou a explicar, folheando os papéis. — Atualmente, não há nenhuma missão disponível para guildas de rank E, o mínimo é rank D.

— Isso é perda de tempo. Como vamos pegar uma missão se não satisfazemos o rank exigido? — Joabe suspirou, desanimado.

Keya levantou o olhar com um brilho conspiratório nos olhos. — Bem, embora não haja nenhuma missão de rank de vocês, posso forjar uma em nome da nossa amizade com Baan. — Ela abriu a pasta, revelando uma missão específica enquanto Rydia e Joabe se entreolham perplexos. — Há uma missão para ajudar trabalhadores locais em Passafora a levar uma carga para a cidade mais próxima fora dos limites do reino de Byron. O contratante é Joe Otogi, e ele exige uma guilda de no mínimo rank D.

Espera aí, Keya, o que você quis dizer com forjar? — perguntou Joabe com os olhos arregalados, ao passo que Rydia coçava a cabeça, já prevendo que a resposta não seria boa coisa.

— Não se preocupe, garoto. O contratante dessa missão tem prazo e parecia desesperado. Então, vi a oportunidade perfeita para forçar um contrato com vocês. Eu não divulguei a missão para as demais guildas, guardei a pasta comigo. Portanto, vocês devem chegar lá o quanto antes e aproveitar a necessidade do contratante para fechar o contrato. — Keya sorriu de forma travessa.

Rydia e Joabe trocaram olhares e pensaram ao mesmo tempo: “Ela é doida? Não sabe que isso é crime.”

— Isso parece um plano e tanto — ironizou Joabe, expressamente preocupado, arqueando a sombrancelha.

— Keya, só acho que se o Gerente Geral souber disso não vai acontecer boa coisa — Rydia completou, com um sorriso falso.

Keya achou graça e soltou um sorriso singelo e doce. Em seguida, ela sinalizou para que não se preocupassem; qualquer coisa, ela jogava a culpa em outro funcionário. Joabe e Rydia trocaram novamente olhares, pensando novamente ao mesmo tempo: “Como alguém com uma cara tão meiga pode ser tão... cruel”.

— Cuidado! Não posso esconder a missão de Joe Otogi por muito tempo. Vocês precisam chegar logo em Passafora. Se outra guilda de maior rank chegar, provavelmente o contratante dará preferência a eles na hora de contratar — Keya advertiu, séria.

Rydia e Joabe assentiram, levantando-se. — Obrigada, Keya. — Rydia disse enquanto a dupla saía da sala.

De frente ao balcão, eles agradeceram mais uma vez antes de sair da taverna. Keya, observando-os partir, escorou o cotovelo direito no balcão e apoiou o punho no rosto, um sorriso enigmático surgindo em seus lábios, como se escondesse algo.

No centro comercial da cidade, Moara e Kreik caminhavam lentamente entre as bancas de mercadorias. Diferente de antes, Kreik não demonstrava o mesmo entusiasmo, e Moara logo percebeu.

— Por que você está assim? Parece até que viu um fantasma e ele sugou seu cérebro. Boooo! — brincou Moara, tentando animá-lo.

— Acho que você se confundiu. Quis dizer zumbi, são eles que comem cérebros. Você sempre se confunde. Hehehe — Kreik respondeu, tentando sorrir.

— Hahaha. Verdade. Mas não fuja da pergunta. O que houve?

— Sei lá... Acho que o Baan não gostou de mim. É provável que ele não me aceite na guilda.

— Não se preocupe com isso, Kreiquinho. Ele tem esse jeito durão, mas é uma boa pessoa. Tenho certeza de que ele vai mudar de opinião. Eu prometo! — disse Moara, com um sorriso encorajador.

— Você sempre cumpre suas promessas — respondeu Kreik, um pouco mais esperançoso.

— Exatamente. Pode confiar. — Moara sorriu mais ainda. — Se o Baan continuar criando problemas, eu dou um soco na cabeça dele pra ele voltar a pensar direito. Não é verdade, Bardo? — Ela falou, acariciando o passarinho em cima de sua cabeça.

— Já que tocou no assunto, qual a história sua e do Bardo? — Kreik perguntou, curioso.

— Quando eu era criança, encontrei alguns pássaros mortos. Provavelmente os pais do Bardo. E debaixo deles, havia um ovo. Eu cuidei do ovo com a ajuda dos monges, e o Bardo nasceu. Desde então, cuidamos um do outro.

— Você morava com monges? E seus pais? — Kreik perguntou, surpreso.

Moara pausou, e uma expressão triste surgiu em seu rosto.

— Sabe, Kreik, quando ouvi sua história, fiquei triste por você. Mas, no fundo, também senti um pouco de inveja.

— Inveja? — Kreik ficou surpreso.

— Sim. — Moara pausou, evitando contato visual. — Seu passado foi doloroso, mas é melhor ter um passado triste do que não ter nenhum.

— Como assim?

— Quando eu era bebê... — continuou Moara depois de suspirar. — Alguns monges do Reino de Balateia me encontraram numa cesta flutuando no rio. Tudo o que havia na cesta era eu e um colar com meu nome. Não sei quem são meus pais, se estão vivos ou se tenho irmãos. Não sei por que me abandonaram...  — Moara olhou para Kreik, seus olhos não conseguiam esconder o peso de suas palavras. — Para qualquer lugar que eu olhe, me sinto uma estranha. Como se não pertencesse a lugar nenhum.

— Não se sinta assim, Moara. — Kreik colocou uma mão reconfortante no ombro de Moara. — Você pode não conhecer sua família de sangue, mas sua família atual é incrível — ele disse, com um sorriso caloroso. — A Crossed Bones é sua família, onde quer que ela esteja. Esse é seu lar.

Moara sorriu e, com lágrimas nos olhos, abraçou Kreik.

— Obrigada, Kreiquinho. Você pode até ser meio atrapalhado, mas às vezes tem umas sacadas geniais — ela riu, deixando escapar algumas lágrimas.

Kreik retribuiu o abraço. Eles permaneceram assim até que Bardo, brincalhão, voou e soltou uma rajada na cabeça de Kreik.

— Que merda! O Bardo me cagou! — exclamou Kreik, nervoso, com os olhos arregalados, interrompendo o abraço.

— Hahaha. Ele é assim mesmo. Vai se lavar, eu espero aqui.

Kreik se afastou, procurando uma fonte de água para se limpar. Próximo a uma carroça colorida cheia de objetos brilhantes, ele encontrou um velho comerciante de barba grisalha e olhar astuto, que o observava com um sorriso malicioso.

— Procurando por água, rapazinho? — perguntou o velho, com uma voz que misturava malícia e bondade.

 

Antes que Kreik pudesse responder, o comerciante se adiantou, oferecendo-lhe água e ajudando-o a se limpar.

— Obrigado... — Kreik começou a falar, mas foi interrompido novamente pelo velho, que lhe ofereceu uma série de objetos estranhos.

— Acredito que esteja com fome. Tome essa maçã, colhida diretamente dos jardins da rainha de Hanggarden. — O velho colocou a maçã na mão de Kreik e continuou. — E este relógio! Sem ponteiros, para que você não seja escravo do tempo. Que tal?

Kreik tirou a maçã da boca e tentou argumentar:

— Senhor, eu não preciso de...

— E não se esqueça deste livro! As histórias são tão boas que as páginas voaram com o vento! — O velho comerciante novamente, claramente entusiasmado, interrompeu o jovem mago.

— Espera, de onde o senhor tirou esse li...

— E esta bússola sem ponteiros, para nunca se perder em suas aventuras. Hahaha. — O velho continuou empurrando objetos para Kreik, que mal conseguia responder.

Moara, vendo a demora, veio correndo em direção a Kreik.

— Ei, Kreik! Por que está demorando tanto?

— Esse senhor aqui está me ofer... — tentava se explicar Kreik.

— Seu amigo fez um excelente negócio! Comprou todas essas preciosidades! — declarou o comerciante, com um sorriso ainda mais largo.

— O quê? Kreik, por que você está comprando essas bugigangas? — perguntou Moara, confusa.

— Eu não comprei nada. Esse velho doido está me oferecendo tudo isso sem nem deixar eu falar — respondeu Kreik, irritado com a situação.

— O quê? Que afronta! Vocês estão tentando enganar um velho comerciante? Guardas! Alguém chame os guardas! — gritou o velho, fingindo indignação.

Um grupo de pessoas começou a se formar ao redor, e os guardas chegaram rapidamente. A encenação do velho era tão convincente que todos acreditaram nele, deixando Kreik e Moara sem saída, a não ser pagar pelos objetos.

— Vamos ver... uma água, uma maçã, o relógio que domina o tempo, o livro com a melhor história já contada e a bússola que nunca se perde. Tudo isso dá 120 rilds.

— Não temos tanto dinheiro. Temos apenas esse saco com 100 rilds — disse Moara, retirando do bolso o saco de moedas.

— Isso serve. Como são bons garotos, darei um desconto. Até a próxima! — O velho pegou rapidamente o saco de moedas da mão de Moara e desapareceu com sua carroça colorida.

Moara e Kreik ficaram parados, segurando as quinquilharias inúteis, enquanto o velho partia, deixando uma nuvem de poeira atrás de si.

— Agora o Baan vai expulsar nós dois da guilda — disse Moara, desesperada, com as mãos nas bochechas.



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