Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 1

Capítulo 24: Geopolítica

Kreik mantinha-se animado com as histórias que Rydia lhe contava. Seu entusiasmo transparecia em suas palavras:

— Isso é fantástico! Minha mãe sempre dizia para eu sair do vilarejo de Lakala e conhecer o mundo. A empolgação que sinto só de você falar é indescritível.

Rydia riu da inocência de Kreik, os olhos dela brilhando de diversão.

— Hehehe, imagine quando visitarmos esses locais — comentou, ainda rindo.

— Será que vamos conhecer todos? — Kreik perguntou, a curiosidade vibrando em sua voz.

— Não sei, vai depender das missões. Mas vamos parar de tergiversar. Concentre-se, porque é aqui que a situação mundial começa a mudar.

— Certo. Estou atento.

Ela continuou a narrativa, explicando a emergência de uma ameaça global.

— Após a consolidação dessas doze grandes nações, um grupo internacional terrorista chamado “Os Adoradores de Infythos” surgiu. Eles começaram a semear a discórdia entre as nações, instigando os impérios menores a atacarem as grandes nações e ameaçando a paz mundial.

— Qual era o objetivo deles? — indagou Kreik ao franzi o cenho.

— Não se sabe ao certo. — Rydia deu de ombros. — Alguns dizem que era apenas gerar o caos. Mas, de toda forma, eles realizaram fortes ataques nas nações, causando alvoroço mundial. O ataque devastador em Endo resultou em muitas mortes e um sentimento supranacional de insegurança.

— Malditos, matando pessoas inocentes. — Kreik cerrou os punhos, indignado. — Como as nações reagiram a isso?

— As doze nações se reuniram e criaram o Acordo de Segurança e Cooperação Global, ou seja, um tratado internacional ratificado por todas essas grandes nações, exceto Starlladia. Esse tratado deu origem a uma organização paramilitar supranacional, chamada de Global Peace Association, ou melhor...

— GPA. Então foi por isso que eles surgiram. Pelo menos foi por algo nobre — interrompeu Kreik.

— Nem tão nobre quanto parece. — Rydia suspirou, sua expressão se tornando mais sombria. — Afinal, já dizia um velho ditado que nada é tão ruim que não possa dar algo bom, assim como nada é tão bom que não possa dar algo ruim. — A jovem fixou o olhar em seu companheiro e explicou pausadamente, com um tom sério. — As nações investiram dinheiro e soldados na GPA, que, em troca, deveria exterminar os Adoradores de Infythos e proteger as nações menores.

— Até agora, não vejo problemas com os motivos para a criação da GPA. — Kreik ainda parecia confuso.

Rydia continuou, tentando explicar a complexidade da situação.

— Tenha paciência, a questão é complexa. Primeiro, preciso que entenda que as nações menores que aderiram ao tratado foram chamadas de Reinos Províncias. Elas receberiam proteção e recursos a juros baixos para financiarem seu desenvolvimento. No entanto, elas deveriam pagar impostos e teriam sua autonomia política e econômica subordinada à GPA.

— E o que tem de ruim nisso? — Perguntou Kreik, ainda se mantendo confuso, sem entender as entrelinhas da conversa.

— Ainda não percebeu? Geopolítica realmente não é o seu ponto forte. — Rydia revirou os olhos e pôs a mão na testa, balançando a cabeça em sentido de negação. — Note que com a assinatura do tratado a GPA mantém sob vigilância os reinos menores, repassando informações e parte do dinheiro arrecadado dos impostos para as grandes nações. Com esse modelo, as grandes nações conseguiram dominar as menores, evitando revoltas e a ascensão de novos grandes impérios. É um controle sutil e vitalício.

Kreik assentiu, entendendo o ponto.

— Olhando por esse ângulo, realmente, não é um motivo muito nobre. No final, tudo se resume em dinheiro e controle sobre todos.

— Exato. Só que alguns reinos menores não concordaram com o tratado, principalmente após fortes manifestações de Starlladia contra a GPA. Esses reinos foram chamados de Reinos Livres, inclusive Byron, onde estamos, é um Reino Livre.

Kreik estudou o mapa com atenção, observando os territórios das nações. Ele apontou para a área onde constava Nova Starlladia e Kaazordan.

— Se Starlladia já não mais existe e ela foi contra o tratado internacional e os planos da GPA... Podemos concluir que sua extinção tem haver com as suas manifestações contra o tratado internacional?

Rydia sorriu, satisfeita com a perspicácia de Kreik.

— Excelente pergunta! Com a criação da GPA, iniciou-se a chamada “Era da Paz”, onde a organização conseguiu erradicar os Adoradores de Infhytos. O sucesso da GPA fez com que os reinos livres se sentissem acuados, principalmente pelas pressões políticas, militares e econômicas da GPA e das Grandes Nações, com o intuito de forçá-los a aderirem ao tratado internacional. Foi nesse contexto que a GPA realizou uma investida militar em Starlladia, a principal nação contrária à organização, destruindo uma de suas cidades.

— O que Starlladia fez em resposta?

— Após esse ataque e vendo que a balança do mundo mudou, a nação de Starlladia criou um sistema próprio de missões que não pudesse ser rastreado pela GPA e pelas Grandes Nações. Foi a partir disso que surgiu o sistema de guildas, que, em síntese, consiste na contratação de magos privados para executarem serviços e missões específicas, conforme a disposição do reino. Vendo o sucesso de Starlladia com esse sistema, os reinos livres também passaram a contratar este tipo de serviço, criando a atual era, a “Era das Guildas” — respondeu Rydia, mantendo o tom sério.

— Se Starlladia, que era uma grande nação, sofreu nas mãos da GPA, imagina um reino menor. Realmente faz sentido eles aderirem ao sistema de guildas para se defenderem e garantirem melhores resultados econômicos, quem sabe se tornando futuramente uma grande nação — comentou Kreik ao refletir sobre a explicação, compreendendo o impacto das guildas.

— Boa, Kreik, tá ficando mais esperto! — Rydia sorriu, satisfeita com a compreensão do colega, enquanto este ficava levemente corado. — Isso mesmo, com o sistema de guildas, os Reinos Livres garantem liberdade total em suas negociações, muitas vezes até escusas, e podem se autogovernar na forma que quiserem, inclusive praticando tiranias sem ter ninguém que faça oposição. É nesse cenário que as guildas operam, aproveitando as intrigas, necessidades e os desafios desses Reinos Livres.

— No final — Kreik suspirou, desanimado — todos são vilões.

— Infelizmente... — Rydia suspirou antes de continuar. — Vou continuar. Com a popularidade do novo sistema, houve a criação de várias guildas, mas os reinos menores sempre mantinham certo distanciamento, contratando-as apenas para serviços pontuais. Entretanto...

Kreik interrompeu com um tom esperto.

— Deixa eu adivinhar. Starlladia foi novamente atacada e a balança do mundo mudou de novo?

— Bingo! A GPA realizou um ataque que resultou no extermínio completo do Reino de Starlladia em uma única noite. Esse episódio ficou conhecido como “A Noite das Estrelas Cadentes”.

— Por que a GPA fez isso? O que ela alegou?

Rydia explicou, sua voz ficando mais séria.

— É difícil dizer... A GPA se pronunciou dizendo que havia graves violações de direitos humanos, mas não detalhou nada além disso. Os Reinos Livres, por sua vez, não engoliram essa justificativa e, em resposta, uniram-se criando um sistema unificado de guildas, chamado de Tavernas.

— Rydia, poderia detalhar melhor o que seriam essas Tavernas?

— Claro! É um sistema internacional utilizado apenas pelos Reinos Livres que visa colher informações sobre as guildas, distribuir missões e gerar um histórico delas, para com isso, gerar ranks, conforme seu desempenho em missões.

— Como funcionam esses ranks?

— As guildas podem ser classificadas de nível E até S. As guildas de nível S são aquelas que se tornaram a guarda pessoal de um ou mais Reinos Livres, exercendo domínio político e financeiro na região. Na verdade, há uma verdadeira simbiose entre o reino e a guilda, como se a guilda fosse responsável pelo exército e defesa do país. Nesse sentido, ocorre uma troca mútua: as guildas protegem o reino e realizam qualquer missão a pedido dos seus governantes; em troca, os Reinos Livres financiam suas atividades e concedem abrigo contra a GPA.

— Existem muitas guildas rank S? — perguntou Kreik, curioso sobre o assunto.

— Atualmente, existem cinco guildas de nível S, que são: Twin Dragons (Dragões Gêmeos), que tem domínio sobre a nação de Kaazordan; Heir Stars (Herdeiros Estelares), com domínio sobre Nova Starlladia; essas duas regiões do continente de Eurestes são vizinhas e vivem em constante cenário de guerra pelo domínio de toda a região, a qual antes pertencia ao reino de Starlladia.

Kreik estava ansioso para saber mais.

— E as outras três?

Rydia continuou com um tom informativo.

— New Order (Nova Ordem); Einherjars e Dawn Knights (Cavaleiros do Amanhecer). As três possuem forte influência nos reinos pertencentes ao arquipélago da Água Negra e ficam se digladiando nessa região. Contudo, não se tem informações sobre qual a área de domínio específico de cada uma delas. Como disse, não se sabe muito sobre aquela região, já que é um local inacessível.

— Rydia... relutou Kreik antes de perguntar. — Qual o rank da nossa guilda?

— “E”, por quê?

— Nossa, somos fracos assim? — O rapaz ficou desapontado. — Será que um dia podemos chegar ao patamar de uma guilda de nível S?

— Hahaha! Não se preocupe, o rank da guilda não reflete especificamente sua força, mas sim sua reputação em missões. Podemos não ter muitas missões concluídas com êxito, mas somos mais fortes do que muitos imaginam — comentou Rydia rindo, tentando tranquilizar o companheiro de guilda.

— Certo, mais alguma informação? — perguntou Kreik, levantando-se e batendo as mãos nas calças para sacodir a poeira.

Rydia se levantou e se aproximou de Kreik, ficando frente a frente com ele. Em seguida, olhou para ele com seriedade, pronta para dar um aviso importante.

— Só uma observação. Saiba que toda e qualquer guilda é considerada um grupo terrorista pela GPA, sendo passível de prisão ou morte para os seus membros. Tenha cuidado com as pessoas da GPA com quem você se envolve. — Ela deu uma leve batida no peito do rapaz com a ponta dos dedos. — Espero que não nos coloque em uma cilada.

Kreik franziu o cenho, tentando entender o aviso.

— O que cê tá querendo dizer?

— Não se faça de desentendido! Isso não funciona comigo. — Rydia, com um olhar de predador e uma postura séria, fixou seus olhos em Kreik, sem pestanejar. — Você sabe exatamente o que estou querendo dizer. Aliás... de quem da GPA estou querendo me referir.

— AAAh! Desculpe, agora que entendi. Tá falando da Mayumi. Mas Rydia, sei que você não a conhece tão bem como eu, mas não tem o que temer com ela. — Kreik ficou vermelho, tentando se justificar. — A Mayumi não é assim, ela é uma bo…

Rydia o interrompeu, firme e decidida. Ela apontou o dedo na direção da boca de Kreik, deixando claro que não aceitaria desculpas vazias. A tensão no ar era palpável entre os dois.

— Não importa a justificativa que queira apresentar. O recado tá dado. No momento em que tiver de decidir entre nós ou ela, faça a escolha certa. Não quero ter que te matar por isso.

Kreik arregalou os olhos e suou frio ao escutar a ameaça da companheira. Entretanto, antes que pudesse retrucar, Uji apareceu, gritando:

— O almoço tá pronto, venham comer logo. Baan nos espera.

Rydia guardou o mapa e deu uma piscadinha e um leve soquinho no ombro de Kreik, aliviando a tensão e agindo normalmente com o rapaz.

  — Vem logo almoçar, não queremos atrasar — ela gritou, correndo na direção dos demais amigos de guilda.

Kreik balançou a cabeça e apertou as bochechas, depois correu até acompanhar a sua companheira enquanto o aroma das especiarias do almoço se espalhava pelo ar. Todos se reuniram para almoçar sob a sombra. Enquanto comiam uma sopa deliciosa, Kreik, ainda mastigando, fez uma última pergunta.

— Pessoal, ainda tenho mais uma dúvida. É a última, eu juro. É algo que venho pensando há muito tempo e planejando perguntar.

— O que foi? — incentivou Rydia,

Joabe revirou os olhos, pronto para provocar.

— Aposto que é uma besteira. Quando faz suspense assim... já sabe, parece até as asneiras da Moara.

— Minhas asneiras? — Moara reagiu, balançando a cabeça como uma coruja. — Não tenho culpa se essa sua cara de coruja não te deixa sorrir.

— Aah, sua miserável. Eu vou... —  disse Joabe irritado

— Parem vocês dois — o samurai interveio, interrompendo a discussão. — Deixem nosso novo companheiro perguntar logo. Diz aí, estou curioso.

— Assim... não é algo sério, só uma curiosidade. Não quero que pensem que um novato como eu esteja querendo colocar defeito na guilda, mas... — Kreik hesitava em falar, visivelmente envergonhado.

Joabe o interrompeu, impaciente.

— Desembucha logo, seu miserável. Não temos o dia todo.

— Certo. Quero saber o motivo do nome da guilda ser Crossed Bones (Ossos Cruzados). Tipo... não vejo nenhuma relação com o nome.

Todos riram em uníssono e responderam em coro:

— QUANDO CONHECER O BAAN, VAI SABER!



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