Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 1

Capítulo 22: A verdade é relativa

O General Levi Burgess, 40 anos, era uma figura imponente e enigmática. Comandante da 3ª Divisão da GPA, especializada em Inteligência e Contrainteligência, ele carregava consigo uma foice e a reputação de ser um mestre em leitura corporal e espionagem. Hoje, sua icônica foice não estava presente; em vez disso, ele segurava uma maleta discreta.

 

 

O General sentou-se de frente para Mayumi, o ambiente se impregnando de uma tensão palpável. Sua voz, agora mais suave, contrastava com a seriedade de sua postura.

— Fique tranquila, Tenente. Que tal beber um pouco de água ou suco? Sei que não bebe álcool, então pedi que preparassem esta jarra de suco de morango especialmente para você. — Ele apontou para a jarra, sua voz carregada de uma gentileza calculada.

— Como o Senhor sabe? Ah, deixa pra lá. Claro, você é da Divisão de Inteligência — Mayumi murmurou, pegando um copo de suco e bebendo apressadamente, suas mãos tremendo ligeiramente.

O General observou com atenção cada movimento da Tenente enquanto ela falava, como se cada gesto fosse uma peça crucial em um quebra-cabeça invisível.

— Requisitei esta reunião para ouvir sua versão dos fatos. Não é todo dia que uma guilda quase desconhecida, de rank “E”, rouba uma invoker da GPA, mata um capitão, deixa uma capitã gravemente ferida e, o que mais me intriga, deixa um Major em uma situação... indefinida. — Ele pousou a maleta aos pés da mesa, seu olhar nunca se desviando do rosto de Mayumi.

Mayumi, apesar de sua apreensão, começou a explicar tudo em detalhes. O General ouviu atentamente, seu rosto inexpressivo, mas seus olhos revelando uma curiosidade profunda. Quando ela terminou, ele resumiu:

— Então, você diz que a caravana foi atacada por uma guilda, e um garoto exilado a salvou. Ele colocou as luvas por acidente ao tentar salvar sua vida na cachoeira, mas o Major, em sua obsessão, desrespeitou as normas, torturando e sequestrando um civil inocente — o avô do portador das luvas. No final, Thorguen matou o civil, mas o garoto, aliado com a guilda, conseguiu derrotar o Major e seus subordinados e depois fugir.

— Exatamente. — A voz de Mayumi tremia, mas havia uma determinação firme em seu olhar.

O General inclinou-se para frente, seu rosto sombreado pela luz fraca da sala.

— Interessante. No entanto, os homens do Major me contaram outra versão. Dizem que você se aliou à guilda, repassou informações sigilosas e libertou uma refém. Além disso, que você participou da luta contra o Major, facilitando a fuga dos criminosos. Alguns afirmam que foi por dinheiro, outros por vingança contra o Major, e há quem diga... por amor.

A acusação fez Mayumi explodir. Ela se levantou abruptamente, seu rosto vermelho de indignação.

— Isso é uma calúnia! Jamais me voltaria contra a corporação! Os verdadeiros traidores são Thorguen e seus homens! General Levi, como eu poderia trair a corporação por amar um garoto que mal conheço? Meu único objetivo era garantir que o Major seguisse as regras e libertasse o avô inocente do portador.

O General Burgess ergueu a mão, um gesto que ordenava silêncio. Ele indicou a cadeira com um movimento lento.

— Por favor, Tenente, sente-se.

Mayumi obedeceu, sua respiração ofegante enquanto tentava se acalmar. Sentada, ela olhou fixamente para o General, esperando por sua resposta.

Enquanto o General Levi Gurgess observava Mayumi atentamente, sua mente trabalhava incansavelmente, ele analisava cada microrreação que ela havia apresentado, buscando sinais que pudessem confirmar a veracidade de sua história. Ele tinha treinado por anos para identificar as menores pistas no comportamento humano, e agora essas habilidades estavam sendo postas à prova.

Diante disso, ele raciocinou: “Quando a Tenente começou a explicar os eventos em detalhes, sua linguagem corporal era aberta e sincera. Ela fez contato visual direto, um sinal de que acreditava na veracidade do que estava dizendo. Quando mencionou que a caravana foi atacada e um garoto exilado a salvou, seu olhar se tornou mais firme, indicando que estava relembrando algo importante e verdadeiro.

“À medida que continuava a narrativa, ela mencionou que o Major Thorguen torturou e sequestrou o avô do garoto. Neste momento, a mandíbula de Mayumi se contraiu ligeiramente, uma microrreação que indicava raiva e indignação reprimida. Esta é uma reação consistente com alguém que se encontra genuinamente revoltado com a injustiça que presenciou.

“Sobre as acusações feitas pelos homens do Major... Ao ouvir a acusação de que ela teria se aliado à guilda por dinheiro ou vingança, a Tenente mostrou uma leve expressão de desdém, com o canto da boca se curvando para baixo brevemente. Isso sugere que ela considera essas acusações absurdas e ofensivas.

“No entanto, ao mencionar que alguns acreditavam que ela poderia ter se aliado à guilda por amor, ela ficou vermelha e seus olhos se arregalaram ligeiramente. Um pequeno tremor passou por seus lábios, e suas pupilas se dilataram. Sua voz subiu ligeiramente de tom, e suas mãos se fecharam em punhos brevemente antes de relaxarem. Essas reações demonstravam que ela estava emocionalmente envolvida e tentando controlar uma resposta intensa.

“Além disso, ela fez questão de negar veementemente a apenas a possibilidade de amar o garoto, não se prestando ao papel de negar as demais acusações, o que demonstra que a acusação de dinheiro e vingança para ela são tão irreais que não vale a pena serem rebatidas, já a do amor...

“Essas reações combinadas indicam que a acusação de que ela mantém sentimentos com o portador do Ifrit é algo que não é totalmente inverídico, pelo contrário, está começando a florescer, contudo, ela não quer admitir, inclusive para si, ou... talvez...  nem tenha plena consciência disso.

“Essas microrreações são consistentes com alguém que está sendo honesta”, concluiu Levi. “Ela realmente acredita na sua versão dos eventos e está emocionalmente investida na justiça e na verdade. O fato de ter se defendido tão apenas da acusação de amor, combinada com suas reações físicas, sugere que há um fio solto que posso explorar futuramente.”

Com essas observações em mente, Levi fez uma anotação mental para transcrever em seus arquivos. Já a Tenente ficou mais apreensiva vendo o General permanecer em um silêncio perturbador, apenas realizando diversas anotações. Na sua mente, o General estava desconfiando de sua versão, portanto ela precisava intervir.

Mesmo trêmula e apavorada, Mayumi não se conteve:

— Senhor, os homens do Major estão forjando mentiras, tentando me incriminar porque eu não me corrompi. Por favor, Senhor, acredite em mim. Minha versão é a única verdade — implorou ela, suas mãos unidas em um gesto de súplica.

O General a fitou com intensidade, seus olhos parecendo perfurar a alma de Mayumi.

— Tenente, defina o conceito de verdade.

— Ahn? Verdade? — Mayumi inicialmente ficou sem reação, não esperava essa pergunta. — Eu... acredito que seja a descrição de um fato de acordo com o que realmente aconteceu. O que varia disso são apenas mentiras — respondeu ela, confusa e engolindo em seco.

— Está equivocada, Tenente — o General falou com uma calma que era quase desconcertante.

— Mas... como assim? O que o senhor quer dizer com isso?

— A verdade não é uma narrativa objetiva de acontecimentos, mas sim uma tapeçaria subjetiva de percepções. Cada pessoa interpreta os fatos à sua maneira. Entenda, nada neste mundo é absoluto, incluindo a verdade.

— Não compreendo, General — a confusão de Mayumi era evidente em seu rosto.

— Tenente, considere que você e um colega testemunhem o espetáculo de um eclipse solar. Após o evento, se eu perguntar a ambos sobre a experiência, cada um descreverá de maneira única. Um pode falar do silêncio sobrenatural que envolveu a multidão, enquanto o outro pode se maravilhar com a movimentação das sombras e a coroa de luz.

“Note que ambos presenciaram o mesmo fenômeno, mas suas verdades são pintadas com as cores de suas percepções individuais. Assim é com todos os eventos da vida, incluindo os que estamos discutindo. A verdade é um mosaico de perspectivas, e, no final, é a interpretação que escolho adotar que prevalecerá.”

Mayumi ponderou sobre suas palavras, tentando digerir o que ele estava dizendo.

— Então, a minha versão e a dos homens do Major são apenas interpretações de como vivenciamos o fato. Neste sentido, o que reportarmos à corporação será irrelevante, já que será a sua interpretação dos fatos que será considerada como verdade. A pergunta é: qual verdade lhe parece mais plausível?

— Vejo que herdou a perspicácia de sua mãe — o General sorriu levemente, mas o gesto não alcançou seus olhos.

— Agradeço, Senhor — Mayumi respondeu, sua voz um sussurro trêmulo, ainda temendo a resposta final.

— O passado do Major não o ajuda. Ao auditar suas ações, encontrei várias condutas um tanto quanto... questionáveis: desvio de recursos, suborno de militares para atingir seu rival, o Major Condor Brihen. Portanto, acredito que sua versão é mais consistente com o caráter dele e com o caráter da família Sundiata. Mas saiba, Tenente, nada me escapa. Eu vejo tudo, meus olhos estão em todo lugar — o General falou com uma intensidade que fez Mayumi tremer, suas palavras ecoando na mente dela como um aviso sinistro.

Embora as palavras do General a favorecessem, Mayumi não sentiu alívio. Pelo contrário, uma sensação de terror se instalou em seu coração. As palavras finais de Levi Burgess reverberavam em sua mente, enquanto uma aura poderosa e amedrontadora emanava do General.

Mesmo assustada, a Tenente tomou coragem e, com a voz vacilante, perguntou:

— Falando no Major Brihen, é verdade o que o Major Thorguen Brown me contou?

— Depende... O que ele lhe contou?

— Que o Major Brihen foi morto por um homem chamado Vander Reich, que, coincidentemente, é pai do Kreik, o garoto das luvas que me salvou e enfrentou o Major Thorguen Brown.

— Sim, Tenente, é verdade. Sei que vocês dois eram próximos. Se desejar, pode prestar suas homenagens na capital do Reino de Guns Canyon; sua terra natal, ele foi enterrado lá. Isso é tudo.

Mayumi se levantou da cadeira, pronta para bater continência, mas hesitou, murmurando:

— Senhor, posso fazer mais uma pergunta?

— O que quer saber?

— O Major Brihen disse que o Senhor pediu para ele mudar as caixas na caravana, mas depois pediu o mesmo ao Capitão Zanzo, voltando à situação original. Por quê?

— Desculpe-me, Tenente, mas isso é confidencial.

— Entendido. Perdoe-me por me intrometer em assuntos além da minha competência — Mayumi bateu continência e pediu permissão para sair da sala.

O General assentiu, concedendo permissão, e Mayumi se levantou. Quando ela estava prestes a sair, ele falou novamente:

— Tenente, quase me esqueci. Recebi um pedido especial sobre sua situação.

— Pedido especial? — a Tenente perguntou já esperando não ser uma boa notícia.

— Sim. A partir de agora, você não estará mais na 9ª Divisão, responsável pelo policiamento dos Reinos Província. Você será transferida junto com seu irmão, o Tenente Ryujiro, para a 10ª Divisão, a de Recrutamento.

— 10ª Divisão? Junto com meu irmão? Quem fez essa requisição especial?

— O novo General da 10ª Divisão.

Mayumi olhou para o General confusa e preocupada, então perguntou:

— Novo General? Quem é?

— Um velho conhecido seu. Sundiata Gintaro.

— VOVÔ? — Mayumi perguntou, surpresa e com os olhos arregalados.

— Exatamente — o General respondeu com um sorriso enigmático.

Mayumi saiu da sala atordoada com a notícia. Assim que a porta se fechou atrás dela, o General Burgess colocou a maleta que trazia consigo sobre a mesa e a abriu, retirando seis pastas amarelas. Ele abriu cada pasta erevelando uma foto e um conjunto de anotações em cima uma das pastas.

Ao final, havia seis fotos: Uji, Rydia, Moara, Joabe, Kreik e uma foto toda preta com um ponto de interrogação. Ele olhou para as fotos, os pensamentos correndo em sua mente.

“Torinaga Uji, samurai renegado que conspirou na morte do filho do xógum do reino de Endo; Rydia Rosenguard, mulher de alta estirpe e procurada em todo o Continente de Sudária; Moara, alguém sem passado, sem sobrenome, criada por monges; Joabe BarHurim (Filho de Hurim), supostamente morto pelas suas características físicas; Vander Kreik, filho do demônio Vander Reich; e Baan Maverick, ex-aviador da GPA, que teve seus registros apagados e, aparentemente, estava morto desde o fim do Projeto Prometheus.

“O que eles têm em comum? Por que queriam tanto as luvas? Qual o envolvimento de Reich nesta história? Muitas perguntas e poucas respostas... Não importa. Mais cedo ou mais tarde, eu descobrirei todas essas respostas... Um dia eu ainda irei te capturar Vander Reich, quando isso acontecer e eu tiver acesso a sua invoker, todas essas guildas serão destruídas, juntamente com o legado dos malditos Svaarz.”



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