Luvas de Ifrit Brasileira

Autor(a): JK Glove


Volume 1

Capítulo 2: As duas caravanas

Kreik estava em sua residência, deitado no sofá, perdido em pensamentos e irresignado com a resposta do avô, até que, sem perceber, adormeceu, sonhando com as lembranças de sua mãe.

A mente do jovem o levou ao passado, oito antes dos momentos atuais. Mais especificamente, a uma noite chuvosa e tempestuosa, marcada por trovões retumbantes. Nessa noite, na cabana, Gurren repousava no sofá enquanto, no quarto ao lado, Kreik, com dez anos de idade e vestido com um pijama, implorava à sua mãe que lhe contasse uma história antes de dormir.

Ela concordou com um sorriso afetuoso e indicou uma estante, pedindo que ele escolhesse um livro em particular. O garoto, com os olhos brilhando de entusiasmo, correu até a estante e pegou um livro, entregando-o ansiosamente à sua mãe.

Enquanto o filho se aconchegava na cama ao seu lado, a mulher, com gestos ternos, passou o braço pelos ombros do menino e abriu o livro de capa vermelha com detalhes prateados intitulado “A Era dos Heróis”.

A mãe, de cabelos longos e castanhos que fluíam como uma cascata pelas costas, tinha olhos calorosos da mesma cor e aparentava cerca de 36 anos. Vestia roupas tradicionais: um quimono em tons de azul e bege. Sua expressão era a de uma mulher de vida simples, marcada pela escassez de recursos financeiros e pela luta contra uma doença que a deixava ofegante. Apesar de sua fragilidade, sua voz era firme e carinhosa.

 

 

Ao folhear o livro, ela tossiu levemente e perguntou:

— Vamos lá, Kreik, onde paramos da última vez?

— Aqui, mamãe — respondeu Kreik, apontando para a página com dedinhos ansiosos.

— Ah, sim, aqui mesmo.

A mãe de Kreik começou a ler, sua voz suave ecoando na quietude da cabana enquanto a chuva tamborilava no telhado:

— Há muito tempo, em uma era onde até o próprio tempo havia se perdido nas brumas da memória, reinava o caos absoluto no universo. Do caos emergiu a ordem; da ordem, a magia motriz; da magia motriz, o planeta Etérea; de Etérea, os Arcanos; e dos Arcanos, a vida.

“Com o alvorecer de Etérea, surgiram os Arcanos, seres fantásticos, dotados de um poder mágico abissal e, em sua maioria, de estatura imponente. Eram a personificação da própria vida e da magia criadora.

“Os Arcanos eram vistos por alguns como deuses caminhando entre os mortais, ou por outros, como demônios encarnados. Eles teceram a tapeçaria da vida, criando plantas e animais e, aspirando a um feito ainda maior, decidiram criar seres à sua imagem e semelhança: pensantes e capazes de manipular o poder mágico. Assim surgiram os humanos.

“No entanto, o que começou como o ápice da manifestação de poder mágico dos Arcanos, com o tempo, tornou-se a mancha em seu legado; os Arcanos passaram a subjugar os humanos, utilizando seu sofrimento para saciar um desejo perverso de entretenimento, humilhando-os, torturando-os e forçando-os a lutar entre si.

“Esse período sombrio durou milênios, até que o lendário ferreiro Muramasa descobriu como aprisionar esses seres em artefatos, utilizando lascas de oricalco, um minério ancestral, mais antigo que o próprio planeta.

“Com essa técnica revolucionária, os humanos começaram a aprisionar os Arcanos, um após o outro, em objetos que passaram a ser conhecidos como Invokers. Com as Invokers, os humanos não apenas selavam os Arcanos, mas também podiam canalizar seus poderes mágicos, de acordo com seu nível de habilidade e treinamento.

“Armados com os Arcanos selados, os humanos viraram o jogo da guerra, até que quase todos esses seres primordiais foram confinados nas Invokers. Diante dessa reviravolta, os Arcanos remanescentes uniram forças para criar um ser supremo, com poderes sem paralelo, imune à subjugação humana. Assim nasceu Infythos.

“Infythos possuía um poder colossal, inclinando novamente a balança a favor dos Arcanos. No entanto, sua imensa força era incontrolável, e sua sede por destruição e loucura parecia infinita.

“À medida que Infythos avançava, o Arcano supremo não apenas dizimava os humanos, mas também se voltava contra seus próprios criadores, almejando erradicar toda a vida no planeta.

“Os poucos arcanos restantes testemunhavam a devastação que se abatia sobre o mundo. Tentaram enfrentar Infythos, mas foram derrotados por sua magnitude avassaladora, resultando em sua própria aniquilação. Não restava mais nenhum Arcano.

“Diante da iminente destruição da humanidade, Muramasa, de forma até então desconhecida, forjou cinco espadas lendárias e as entregou a cinco grandes guerreiros da época.

“O herói Orestes empunhou a poderosa Excalibur.

“Norvírio empunhou a Goujian.

“Lestério empunhou a lendária Kusanagi.

“Sudarium empunhou a gigantesca Claymore.

“E Enjioh empunhou a lâmina sagrada Masamune.

“Esses guerreiros enfrentaram Infythos em uma batalha sem precedentes. Embora não conseguissem destruir o ser de poderes colossais, conseguiram selá-lo em doze runas, que ficaram conhecidas como as runas zodiacais” — a mãe finalizou a explição.

A mãe de Kreik interrompeu a leitura, pois seu filho já havia adormecido. Ela acariciou gentilmente a cabeça do menino e, ao tossir, lágrimas brotaram de seus olhos. Kreik, ainda dormindo, murmurou, perguntando qual era o final da história. A mãe, mesmo debilitada, respondeu com voz fraca:

— Após a derrota de Infythos, os cinco heróis se separaram e viajaram para diferentes partes do mundo. Garantiram que todos os Arcanos fossem extintos e ajudaram os humanos a repovoar a terra, erguendo-se após a opressão arcana. Esse é o fim da história.

O garoto sorriu e voltou a dormir. A mãe refletiu, com um suspiro pesaroso:

“Queria poder dizer que a partir daí a humanidade viveu feliz para sempre. No entanto, infelizmente, você ainda descobrirá que a humanidade enfrenta um inimigo ainda mais cruel que os Arcanos: o próprio homem.”

Gurren, que antes estava deitado no sofá, abriu a porta do quarto e disse com preocupação:

— Bella, ainda está acordada? Vá dormir; você precisa descansar. Tivemos um dia péssimo.

— Sim, papai — respondeu Bela, colocando o livro na cômoda ao lado e tossindo novamente.

Lágrimas caíam nos olhos do velho, refletindo sua tristeza. Ele fechou a porta. Ao tossir, lágrimas da mulher começaram a cair na bochecha do garoto. Bella sorriu brevemente ao olhar para o filho e, em seguida, desviou o olhar para o espelho ao lado. A imagem refletida mostrava-a deitada com o filho dormindo em seu colo. Ela sussurrou suavemente:

— Queria passar mais tempo com você, meu filho, mas o destino nos reservou caminhos diferentes. Não sei quais obstáculos você enfrentará, mas tenho certeza de que os superará. Nunca esqueça que eu te amo.

Bella recostou a cabeça no travesseiro, sorriu e adormeceu.

Retornando ao quartel militar comandado pelo Major Brihen, um de seus soldados chegou ao refeitório e começou a balançar a cabeça, como se procurasse por alguém. Ao avistar uma mesa lotada de soldados conversando enquanto comiam, ele se aproximou deles, bateu continência e anunciou:

— Tenente Sundiata Mayumi, o Major Condor Brihen solicita sua presença imediatamente para tratar de assuntos urgentes.

— Ok, estou a caminho — respondeu Mayumi, toda desajeita, dirigindo-se à sala do Major.

Sundiata Mayumi era uma jovem militar de 19 anos, patente de Tenente, pele clara, olhos profundamente azuis e cabelos longos cor-de-rosa, presos em duas maria-chiquinhas com fitas azuis. Ela vestia um uniforme militar azul e branco, com um cinto marrom e botas também marrons.

 

 

Ao chegar à sala do Major Brihen, Mayumi prestou continência. O Major estava de costas para a entrada, sentado em uma poltrona, mexendo em um gaveteiro.

— Entre e sente-se, Tenente — pediu ele, ainda de costas.

Mayumi sentou-se na poltrona à frente da mesa. O Major girou sua cadeira e colocou sobre a mesa uma caixa preta com detalhes dourados, entregue pelo General.

Ao ver a caixa, Mayumi começou a tremer e apertou as mãos sobre os joelhos.

— Tenente, por favor, recapitule a missão.

Ela respirou fundo antes de responder:

— Claro, Major! Eu e o Capitão Kamado Zanzo vamos guiar uma caravana de soldados pelo reino província de Ekala, levando a caixa que contém a Invoker de Ifrit. O objetivo é atravessar a cidade de Lakala com a caravana, controlando a população ao redor, até que o evento seja concluído com a entrega da Invoker no posto avançado da GPA, comandado pelo Major Thorguen Brown, que fica a cinco quilômetros ao sul do perímetro ubano do vilarejo.

— Exatamente, Tenente. Como sempre, muito aplicada. No entanto, recebemos uma ordem direta do General da 3ª Divisão, Levi Burgess, para fazer algumas alterações — disse o Major, colocando outra caixa idêntica à primeira sobre a mesa, à esquerda da caixa original, e abrindo-as ao mesmo tempo.

Mayumi ficou perplexa, arregalou os olhos e apoiou as mãos na mesa, inclinando-se levemente para frente, olhando as caixas de perto, como se quisesse confirmar se era verdade o que os seus olhos viam.

— O que significa essa outra caixa, Major? Existem dois pares das luvas de Ifrit?

 

 

— Não, Tenente. Esta segunda caixa é uma réplica da primeira. Você levará a réplica para Lakala, enquanto eu mesmo transportarei a caixa original para a capital do reino de Ekala, a cidade de Lajeas — explicou o Major.

— Não entendo, Major. O General Levi Burgess está duvidando da minha integridade? Ele não sabe o que essa missão representa para mim? — questionou a Tenente, elevando o tom de voz.

— Calma, Tenente. Abaixe o tom. Sua integridade não está em questão. O General Levi Burgess recebeu informações de que uma guilda está coletando dados sobre esta Invoker. Portanto, ele decidiu alterar o plano para despistá-los — esclareceu o Major, mantendo o tom calmo.

Mayumi respirou fundo, tentando se controlar.

— Entendo, Major. Desculpe pelo meu nervosismo, mas fazer uma missão de “mentirinha” é uma situação muito injusta, ainda mais quando relacionada às luvas... — Mayumi desviou o olhar para baixo, lembrando-se de alguém em sua memória. — O senhor a importância desta Invoker para minha família.

— Não se preocupe. Cuidarei bem desta caixa e garantirei com minha vida que ela chegará segura à cidade de Lajeas.

— Obrigada, Major... — O semblante triste permeava no rosto da jovem militar. — Mas, por que me contou isso? Não seria melhor omitir a informação? — questionou ela, ainda confusa.

— Tenente, você pode não ser muito experiente, mas uma coisa eu reconheço: você é íntegra e leal aos seus superiores e à lei. De todas as pessoas aqui, você é a que mais confio — respondeu o Major, com um sorriso gentil.

— Obrigada, Senhor. Fico lisonjeada com tais palavras — disse Mayumi, corando levemente.

— O que talvez você não saiba é que eu e o Major Thorguen Brown estamos buscando transferência para um mesmo lugar, um reino onde acreditamos que poderemos demonstrar melhor nossas habilidades e, quem sabe, sermos promovidos a Coronel. Logo, não posso confiar esta nova missão a qualquer um — explicou Brihen.

— Uma nova missão?

— Sim, mas antes de explicar, saiba que é algo confidencial, ninguém, eu repito, ninguém pode saber dela, principalmente o Capitão Zanzo, que é um homem próximo e de confiança do Major Thorguen Brown. Se o meu rival souber dessa informação, ele faria de tudo para usá-la e me tirar da disputa pela transferência, ou quem sabe, algo pior... — avisou o Major Brihen.

“Não sabia que o Major Thorguen Brown era esse tipo de homem”, pensou a Tenente.

— Não contarei a ninguém. Tem a minha palavra, Major.

— Excelente. Indo direto ao ponto. Quero que você troque as caixas após o Capitão Zanzo e seus homens conferirem o conteúdo da caixa original. Em síntese, coloque a falsa na sua caravana e a original na minha, de forma discreta, sem que ninguém perceba.

— Senhor, como farei isso de forma discreta? — perguntou Mayumi, preocupada.

— A verdadeira estará na carruagem da sua caravana, mas a réplica estará em um compartimento secreto na carruagem da minha. Durante a madrugada, você deve adentrar na sala de preparação das caravanas e trocar as caixas.

Mayumi ia abrir a boca para lançar uma pergunta, mas Brihen, antecipando-se, foi logo interrompendo:

— Antes que pergunte, não se preocupe, já falei com o cozinheiro do quartel e ele garantirá que os guardas que monitoram a entrada estejam dormindo nesse horário.

— Parece simples. Considere a missão cumprida, senhor — respondeu Mayumi com confiança, prestando continência e saindo da sala.

— Conto com você, Tenente. — disse Brihen, enquanto a jovem se afastava.

Horas depois, na sala de preparação da caravana, a caixa original estava sendo inspecionada pela Tenente Mayumi e pelo Capitão Kamada Zanzo. O ambiente era austero, com paredes cinzentas e armários metálicos, cheirando a metal polido e óleo de armas.

— Tudo parece em ordem — comentou Zanzo, com a voz calma, enquanto fechava a caixa.

Kamada Zanzo, um capitão da GPA leal ao Major Thorguen Brown, 37 anos, tinha longos cabelos pretos e olhos negros penetrantes. Alto e de rosto delicado. Muitas vezes, ele vestia um quimono branco com detalhes azuis sobre o uniforme militar padrão.

 

 

Enquanto os dois saíam da sala, Zanzo notou algo. Olhou discretamente para a esquerda e viu outra caravana sendo preparada. Ao saírem da sala, o Capitão perguntou aos dois soldados de vigia na porta.

— Vejo que os soldados estão preparando outra caravana. Quem a conduzirá? — perguntou Zanzo, sua voz calma e medida.

— O Major Brihen — respondeu um dos soldados, sem rodeios.

— Nossa! Uma caravana destacada com o próprio Major... Deve ser uma missão extremamente importante. Talvez até mais importante que levar as luvas de Ifrit ao vilarejo de Lakala. Não é verdade, Tenente Mayumi? — indagou Zanzo, com um sorriso curioso.

Mayumi, arregalou os olhos, entretanto, tentando manter a compostura, respondeu rapidamente:

— Com todo o respeito, senhor, mas por que acredita que eu saberia algo sobre a missão do Major Brihen?

— Ora, ouvi dizer que você foi chamada recentemente para conversar sozinha com o Major. Não confere essa informação? — disse Zanzo, com um tom ameno, enquanto encostava um dedo na bochecha, como se estivesse refletindo.

Mayumi, esboçando um leve nervosismo, respondeu com firmeza:

— O Major Brihen me informou que ele sairia em uma missão simples para tratar de assuntos particulares na capital do reino de Ekala. Fui chamada apenas para reprisar a importância e os principais detalhes da nossa missão.

Zanzo, com uma expressão pensativa, fixou o olhar em Mayumi antes de responder:

— Ok, Tenente. Não precisa ficar nervosa. Ainda seremos os protagonistas dessa missão, não é verdade?

— Sim, sim, Capitão! Ah, lembrei que preciso preparar minhas malas. Estou de saída, com sua permissão — respondeu a Tenente, suando frio e seu nervosismo aparente, evitando o contato visual com o Capitão.

Ela bateu continência e saiu rapidamente, tremendo levemente. Zanzo observou-a se afastar com um sorriso discreto, pensando consigo:

“Tenente, Tenente, você não é boa com mentiras.”



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