Volume 1
Capítulo 19: O preço do poder
Kreik não conseguia parar de sentir medo diante daquele ser amendrontador, contudo, também não queria retroceder. Curioso com a última fala de Ifrit, o jovem perguntou receosamente:
— Presente? O que quer dizer com isso?
— Primeiro, olhe ao redor! Onde você acha que está? — Ifrit respondeu com um tom enigmático.
— Onde estamos? Este lugar... — Kreik olhou para o ambiente ao redor — é estranho, mas ao mesmo tempo familiar.
— Este local se chama “Castle of Oblivion” (Castelo do Esquecimento). Trata-se de uma parte do interior da sua alma, materializada pela sua mente para suportar aquilo que mais te aflige.
— O que mais me aflige, Sr. Ifrit? — questionou o garoto, com o medo estampado nos olhos.
— Garoto, este local é onde se armazenam suas memórias e sentimentos. A partir daqui sua mente trabalha para tentar te libertar do seu passado e das suas dores. É graças a este lugar que suas memórias mais sombrias cicatrizam e dão espaço a outras que você julga melhores, mais felizes.
— E você, Sr. Ifrit, o que faz aqiu e deseja de mim? — questionou Kreik, sua voz trêmula e seu medo só crescente estampado em seus olhos.
— Oferecer-te o que mais anseias. Poder. — respondeu Ifrit.
— Por que me daria tal poder? — indagou o jovem desconfiado.
Ifrit pôs a mão na parede interior do cristal. Com isso, um pedaço do cristal se quebrou, permitindo-lhe libertar apenas uma parte de sua mão. Ifrit direcionou a mão para o garoto e falou:
— Só consigo libertar esta mão. Se quiser mais poder, simplesmente aponte para ela. Mas tudo tem um preço; quando fizer isso, um pacto será feito. Este é o preço do poder. Um pacto.
Kreik engoliu a seco, franziu o cenho e questionou:
— Que pacto?
— Poder por liberdade – respondeu o Arcano, sua voz maliciosa e sedutora.
Kreik pensou seriamente em erguer a mão e firmar o pacto com o arcano, mas hesitou.
— Garoto, sem o meu poder, como vingará seu avô? Como tirará toda essa dor e sofrimento dentro do seu peito? — falou Ifrit, balançando o braço como se conjurasse um feitiço.
As lembranças de Kreik e de sua luta com o Major vieram à tona. Ele começou a sentir toda a dor física e emocional acumulada. Não suportando toda aquela pressão, o garoto começou a chorar e, ofegante, apertou o coração com as mãos, sentindo como se ele fosse explodir a qualquer momento.
— Garoto, toda essa dor... todo esse sofrimento... todas essas lembranças... Isso é o que te espera sem o meu poder. A morte do seu avô desestabilizou todas as suas memórias e sentimentos. O castelo criado pela sua mente não pode mais suprimir tanta dor e amargura — explicou Ifrit.
— Isso dói demais, faz parar, por favor, eu te imploro! — gritava Kreik, apertando o seu coração com a mão direita.
Ifrit balançou o braço novamente e todas as dores e lembranças desapareceram instantaneamente.
— Veja, garoto, o que meu poder é capaz de fazer. Você não é forte o suficiente para estabilizar novamente suas memórias e sentimentos. Somente eu posso te luvrar toda essa dor e sentimento de culpa. Seu pai, sua mãe e seu avô. Você já perdeu pessoas demais. Receba meu poder, e a dor da perda não mais lhe afligirá. Você não perderá mais ninguém. Terá tudo o que quiser.
— O que eu quiser? — perguntou Kreik, ajoelhado, com os olhos vazios, sem esperança alguma.
— Sim. Meu poder te fará forte o suficiente para ter tudo o que você precisar ou desejar.
— Eu quero... não... eu preciso desse poder — disse Kreik, ainda hesitante, com a mão medianamente erguida, mas sem formalizar ainda o pacto.
— Meu poder ainda te dará algo maior. Ele te dará amigos.
— Amigos? – disse Kreik, agora de pé, fitando o cristal, seduzido pelas promessas de Ifrit.
— Erga a mão, e o sofrimento cessará. Seremos um só em poder. Ninguém mais irá lhe abandonar. Ninguém mais irá morrer. Você poderá proteger a si mesmo e aos seus amigos — prometeu Ifrit, sua voz grave, ecoando no salão.
— Eu não posso perder mais ninguém. Eu quero ter amigos, quero ser uma pessoa normal, quero ser aceito pelas outras pessoas. Ifrit, eu aceito, me dê o seu poder! — Kreik estendeu a mão.
Risos ecoaram do arcano enquanto chamas saíam do interior do cristal e se enroscavam ao redor do garoto. As pontas das chamas assumiram a forma de um rosto monstruoso com chifres, engolindo-o.
As chamas agora formavam uma jaula de fogo, com Kreik no centro, flutuando, a mente dominada pelo Arcano. Então, dos olhos e da boca do garoto, chamas começaram a jorrar enquanto Ifrit sussurrava:
— Primeiro vamos testar teu potencial.
De volta ao pátio miliar onde ocorria a lutra contra o Major Thorguen Brown, Kreik, ainda de joelhos, gritou como uma fera selvagem. Chifres brotaram de sua cabeça, suas feridas se fecharam completamente.
O jovem se levantou lentamente, e a voz de Ifrit ecoou em sua mente:
— Não esqueça, todo poder tem seu preço.
O corpo de Kreik começou a carbonizar lentamente, como se não pudesse suportar a magnitude do poder que agora o consumia. O olhar de Kreik e Thorguen se cruzou, e um silêncio tenso pairou no ar. Atrás do portador do Ifrit, estava Mayumi, a qual, com urgência, questionou:
— Kreik, você está bem? O que aconteceu?
Sem responder, Kreik manteve seus olhos fixos no Major. Thorguen, percebendo uma oportunidade, lançou outro machado, mas Kreik desapareceu de sua vista, reaparecendo instantaneamente diante dele. Com um soco devastador, Kreik lançou Thorguen metros adiante.
“Isso foi um impulso fervoroso? Não é possível...”, pensou Thorguen.
Ainda no ar, Kreik ergueu a palma da mão direita, disparando uma rajada de fogo que atingiu o Major em cheio. Thorguen caiu, cuspindo sangue, seus pensamentos embotados pela incredulidade:
“Ele está parecendo uma besta incontrolável. Nunca vi um portador agir desta forma. É como se o próprio Ifrit estivesse no comando. Mas isso é impossível... os arcanos são submissos ao seu portador. Eles não podem romper o selo da invoker.”
Mayumi, desesperada, bradou:
— Kreik, o que está fazendo? Por que não responde? Fala alguma coisa!
Kreik virou-se para ela, apontando um dedo. Uma esfera de fogo foi lançada na direção de Mayumi, que, por um triz, desviou, protegendo o corpo de Gurren. O grito de Kreik ressoou como o de um animal selvagem, e ele partiu em disparada na direção do Major.
A Tenente deixou o corpo do velho no chão e correu até Moara, aplicando uma runa de cura na maga desacordada. Após alguns segundos, Moara despertou, confusa:
— O que aconteceu?
— O avô do Kreik me salvou do golpe do Major e morreu. Após isso, Kreik ganhou chifres e um poder que eu nunca vi. Ele não responde a ninguém, parece uma fera sedenta por sangue — respondeu Mayumi aflita.
— Por que me salvou? Pensei que a Moranguinho não ajudava magos de guilda, apenas velhos mribundos — murmurou Moara com yma leve ironia.
A Tenente suspirou, fintou em Moara um olhar de urgência.
— Deixe de ser irônica. Precisamos parar o Kreik. Eu não consigo sozinha. Vamos unir forças para trazê-lo de volta. Prometi ao Sr. Gurren que colocaria juízo na cabeça dele caso ele saísse da linha.
Moara entendeu gravidade da situação, mudando seu semblante.
— Tsc. Vamos lá. Pelo visto, vou ter que dar umas porradas no Kreiquinho — falou ela, sua voz em um tom sério, enquanto fazia alongamentos para se preparar para a luta que estava por vir.
— Lá vem você de novo com Kreiquinho... — Mayumi revirou os olhos. — Ah, deixa para lá, só vamos logo — complementou a Tenente, visivelmente incomodada.
Na batalha, Kreik, agora em plena corrida, lançou uma série de rajadas de fogo de suas mãos. O Major, porém, desviou habilmente de todas elas, correndo em ziguezague. Kreik saltou alto, tentando desferir um soco descendente, mas Thorguen usou os dois machados de sua mão como escudo.
Os dois ficaram em um impasse, Kreik pressionando com seu punho e o Major resistindo com seus machados. Entretanto, Thorguen, com uma manifestação de força impressionante, venceu a disputa, empurrando Kreik para longe. Apesar de ter bloqueado o ataque, os pés do Major afundaram no chão, e seus braços doeram com o impacto.
Thorguen arremessou um machado, mas Kreik saltou para o lado com agilidade, correndo em direção a uma árvore próxima. Thorguen lançou outro tomahawk, mas Kreik desviou novamente, usando a árvore como apoio para aumentar a altura de seu salto. Enquanto o garoto pairava no ar, Thorguen lançou mais dois machados.
— Dessa vez você não escapa, filho do Reich — gritou Thorguen.
Kreik inspirou profundamente, até sua barriga inchar. Com dois sopros potentes, expeliu bolas de fogo que colidiram com os tomahawks, desviando-os de suas trajetórias.
“Como isso é possível? Ele mudou a trajetória dos meus tomahawks só com a força do ar em seus pulmões. Isso é loucura!”, pensou Thorguen, surpreso.
Kreik começou a correr em direção ao seu oponente. Thorguen, com as mãos vazias, desembainhou dois tomahawks, preparando-se para lançar o da mão direita quando Kreik entrasse em sua área de arremesso. Quando isso aconteceu, Thorguen levantou o braço, mas Kreik, ainda correndo, lançou um projétil de fogo entre os dedos, derrubando o machado.
Thorguen mudou a estratégia e se preparou para um golpe de curto alcance, mas Kreik foi mais rápido, avançando com um impulso fervoroso até segurar com uma de suas mãos o braço esquerdo do Major e, com a outra, acertou um poderoso soco no estômago de Thorguen, fazendo-o soltar o outro machado como ato reflexo.
Em um movimento contínuo, Kreik desferiu vários socos, formando uma tempestade de golpes, culminando com um soco final potente que lançou Thorguen vários metros de distância, fazendo-o cair sobre uma tenda militar.
Kreik ergueu a mão esquerda e formou uma bola de fogo. Ele a lançou. Thorguen se levantou e ficou atônito ao ver aquela massiva esfera de fogo prestes a atingi-lo.
“Uma esfera de energia desse tamanho vai me matar... Vou usar meus tomahawks para me defender e trazê-lo para cá para atacá-lo assim que eu puder usar o return”, arquitetou Thorguen, sua mente trabalhando a mil.
Como parte de sua estratégia, Thorguen arremessou do meio da poeira quatro tomahawks, os quais colidiram com a bola de fogo, causando uma explosão que levantou uma cortina de poeira no ar.
Enquanto a luta se desenrolava no pátio militar, dentro da consciência de Kreik, ele estava preso em uma jaula de fogo, desacordado. Correntes surgiam do topo da jaula, prendendo seus membros, enquanto uma aura de plasma negro, semelhante a um miasma, começava a emanar, cobrindo todo o ambiente.
Retornando ao mundo físico, Kreik começou a gritar. Seus chifres cresceram, suas unhas alongaram-se e marcas rúnicas apareciam em seu peito, enquanto uma aura de fogo formava garras em suas mãos.
Kreik saltou sobre a tenda coberta de poeira, balançando a mão e liberando um golpe de fogo em forma de garra, que queimou tudo ao redor e dissipou parte da poeira.
Ele pousou no centro dos restos da tenda, procurando seu oponente. Thorguen o surpreendeu ao pular de dentro de uma vala que ele havia usado como esconderijo durante o ataque anterior. Em suas mãos havia um lençol, o qual ele jogou sobre o corpo do portador do Ifrit, limitando sua visão.
Em seguida, Thorguen atingiu a barriga de Kreik com seu último tomahawk. Com o mesmo machado em mãos, ele o arremessou para baixo, golpeando a coxa do portador do Ifrit. Este gritou de dor, um som que ressoou como o de uma fera selvagem.
— Dessa vez você morrerá, seu verme. Será impossível desviar. Sinta todo o meu desprezo por você neste último golpe. RETURN! — Thorguen gritou, enquanto seus dezesseis machados retornavam às bainhas. Ele sacou um deles para finalizar Kreik.
Quando Thorguen levantou o machado, visando realizar um golpe vertical, uma rajada de fogo emergiu de dentro do lençol, carbonizando instantaneamente a mão de Thorguen. O machado caiu, junto com a esperança de vitória do Major.
Com o pano que cobria Kreik sendo consumido pelas chamas, ele desferiu um poderoso soco descendente, acertando o rosto de Thorguen, forçando-o a bater com a cara no chão. A terra em um raio de três metros tremeu com o impacto.
Kreik levantou o pé, uma aura de fogo envolveu toda a sua perna e ele pisou no corpo desacordado de Thorguen, queimando todo o torso do Major no processo. Depois, ele levantou sua mão esquerda e formou outra bola de fogo. Mas antes que ele pudesse lançar o golpe final que tiraria a vida do Major, uma flecha dourada atravessou a bola de fogo, dissipando-a.
Dentro da mente de Kreik, o miasma negro avançava, enquanto ele permanecia em transe, atormentado por suas memórias. Já no campo de batalha, Kreik olhou para o lado e viu Moara e Mayumi. Esta gritou, apontando seu arco ao rapaz:
— Pare, Kreik. Seu corpo está se carbonizando cada vez mais. Se você não parar, vai morrer. Coopere agora ou eu vou te forçar a parar. Deixe-nos ajudá-lo a voltar ao normal voluntariamente, ou irei te forçar com as minhas flechas.