Volume 1
Capítulo 12: Uma visita inesperada
Os dias se arrastaram e a saúde de Bella piorou. Uma febre alta e uma tosse aguda a consumiam. Gurren a levou em uma charrete, batendo de porta em porta, implorando por ajuda, mas todos se recusaram.
Sem alternativas, Gurren, ainda levando sua filha na charrete, enfrentou novamente Thorguen, que o recebeu dentro do prédio por causa da forte chuva que caía. Ajoelhado aos pés do Major, Gurren implorou:
— Por favor, envie um médico para tratar minha filha. Eu imploro, não a deixe morrer.
Thorguen, com desdém, recusou novamente:
— Petição negada.
— Por que tanta crueldade? Não fizemos nada contra o senhor ou esta cidade. Não temos culpa das atrocidades feitas por Reich. Se eu pudesse, eu mesmo mataria aquele homem! O senhor não entende, nós não temos culpa alguma sobre o que aconteceu! — perguntou o velho, em um verdeiro grito de desespero.
— Seu velho decrépito! — Thorguen revelou sua verdadeira natureza. — Você realmente acha que sua família não tem culpa? Seu genro arruinou esta cidade e, para vigiá-los e evitar um possível contato dele com sua família, eu estou preso neste fim de mundo. As próprias existências de vocês me prendem a este local. Sabe o quão difícil é conseguir uma promoção num vilarejozinho de merda como esse?
Gurren, incrédulo, percebeu que a ambição de Thorguen era a verdadeira vilã:
— Tudo isso por uma promoção? Vai deixar uma pessoa morrer por algo tão fútil?
Thorguen, furioso, pisou na cabeça de Gurren com força e esbravejou com toda a ira que sentia em seu coração:
— Você acha que minha promoção é algo fútil? Fútil é deixá-los vivos. Eu já queria ter matado todos vocês, mas o alto escalão da GPA deixou claro que eu sofreria retaliação caso vislumbrasse alguma participação minha no processo. Agora o destino me dá de bandeja a cabeça de um de vocês e eu tenho que simplesmente ajudar, postergando minha estadia aqui neste miserável lugar. Não brinque comigo. Apenas agradeça eu ainda ter vontade de ser Coronel, porque, caso não tivesse esta ambição, já teria matado todos vocês, começando por aquele garoto, filho do demônio. Agora suma daqui, seu velho decrépito, e leve essa sua filha moribunda.
A narrativa de Gurren foi abruptamente interrompida por Moara, que, com lágrimas de fúria nos olhos, bateu a cabeça contra as grades da prisão e jurou:
— Ei, velho das flores, eu prometo que vou dar um soco tão forte na cara daquele Major mequetrefe que ele vai perder uns dois dentes. Pode ter certeza.
Gurren, meio atordoado, apenas conseguiu concordar com a afirmação da garota, já Mayumi, observando a cena, comentou consigo: “Arrancar uns dentes do Major... Eu acho que essa garota enlouqueceu de vez.”
— Se eu quero acabar com esse Major desgraçado, imagino o que o Kreik deve estar sentindo — murmurou Moara baixinho, rangendo os dentes de raiva.
Gurren escutou murmuro da garota e suspirou profundamente, confessando em seguida:
— Essa parte final com o Major, nunca contei ao Kreik. Não queria que ele cultivasse ódio ou semeasse vingança contra alguém que ele nunca poderá derrotar. Seria apenas tolice.
— Então, o que aconteceu com a sua filha depois? — perguntou Mayumi, ansiosa.
— Voltamos para casa sob a chuva, troquei as roupas dela e a coloquei na cama. A febre havia diminuído, e Kreik insistiu em dormir ao lado dela. Nós concordamos. Eu dormi no sofá enquanto ela, a pedido dele, leu uma história — Gurren apertou os olhos e as mãos. — Ironicamente, o mesmo livro que meu genro havia dado a minha filha.
— A Era dos Heróis — interrompeu Mayumi.
— Exato. Então…
Gurren narrou, sob sua perspectiva, a mesma lembrança de Kreik de quando ele dormiu no sofá, em que sua mãe conta a história do livro e, ao final, fechou os olhos para dormir sem prever que ela não despertaria mais.
Na manhã seguinte, os gritos desesperados de Kreik tentando acordar sua mãe ecoaram pela casa. Gurren, ao descobrir o trágico acontecimento, iniciou o processo de sepultamento de Bella. Após o momento de oração, em frente à lápide de sua filha, o velho se ajoelhou diante do neto, colocou as mãos em seus ombros e, olhando nos olhos do menino, implorou:
— Só me promete que um dia você vai sair dessa vila e ter uma vida de verdade. Só me promete isso.
Kreik, ainda abalado, prometeu sem compreender totalmente a magnitude daquele momento.
— Então essa é a minha história — concluiu Kreik para Uji e seus companheiros.
Uji, comovido, sugeriu:
— Quando tudo isso acabar, deveríamos homenagear o túmulo de sua mãe. Ela foi uma mulher incrivelmente forte.
Kreik, sentindo um misto de gratidão e tristeza, respondeu:
— Obrigado. Ela amava flores belladinas. Sempre que posso, levo flores do jardim do meu avô para o túmulo dela. Inclusive, o jardim fica aqui perto, vai ser fácil colhê-las.
Rydia, surpresa, perguntou:
— Seu avô ainda cultiva essas plantas?
— Sim, mesmo doente, ele cuida delas sempre que se sente um pouco melhor. Por quê?
Rydia, pensativa, começou a andar de um lado para o outro, claramente tramando algo. Seus olhos brilhavam com uma ideia.
Uji, passou a mão sobre o pescoço de Kreik em um gesto de camaradagem e disse com um sorriso:
— Sabe o que eu gosto nessa garota? Ela não é só um rostinho bonito.
Kreik olhou para ele, confuso:
— Como assim?
— O maior poder dela não está nos punhos, na agilidade ou nas técnicas de magia. Mas sim no que você vai presenciar agora — Explicou Uji, com um olhar malandro.
Kreik ainda não entendia, mas Uji apontou para a própria cabeça, dando ênfase:
— Vislumbre a habilidade mais poderosa de todas: o intelecto humano.
Rydia, com um sorriso malicioso nos lábios, anunciou:
— Preparem-se. Vamos colher algumas flores belladinas e trazer de volta a Moara e o avô do Kreik. Porque amanhã, vamos fazer alguns militares dormirem. Esse é o plano...
Retornando ao posto militar, após a conversa com Gurren, Mayumi deixou a sala das celas e entrou no corredor principal da base. Foi então que foi abordada por uma voz familiar e fria:
— Ora, ora, que situação ilustre ver minha Tenente preferida tão perto das celas dos prisioneiros. Espero que não esteja planejando trair a corporação, ajudando os prisioneiros a fugirem.
Mayumi se virou e encontrou o olhar penetrante do Capitão Zanzo.
— Capitão Zanzo... Trair a corporação? Acredito que sou a última aqui que ainda respeita as regras e a filosofia da GPA — ela respondeu com calma.
Zanzo, estreitando os olhos, replicou com desconfiança:
— Hunf. Que bom ouvir isso, Tenente. Até porque fui agraciado com bons olhos, nada me escapa.
Mayumi, rápida no gatilho, perguntou com curiosidade:
— A propósito, Capitão, aquele apagão... foi você, não foi? Estou curiosa, como garantiu que as verdadeiras luvas viessem na nossa caravana, ao invés de terem sido levadas na caravana do Major Brihen?
— Está ficando mais astuta, Tenente. Exatamente. Veja isso. Forja Básica, Lanças de Seda! — respondeu o Capitão com o ar de superioridade, materializando um quimono que passou a cobrir sua farda militar.
As mangas do quimono se estenderam em direção à garganta de Mayumi. Ela, apesar do medo, manteve a compostura.
— Quem diria, você é um mago da classe de forjador, e esse quimono que você tanto utiliza era, na verdade, seu equipamento de forja.
Zanzo, com um brilho de admiração em seus olhos, confirmou:
— Bingo! Acertou novamente. Meu quimono tem mangas que esticam e ficam rígidas, realizando ataques a média e longa distância.
— Por que me revelou isso?
Zanzo esboçou um sorriso enigmático antes de falar:
— Imagino que você queira saber como consegui trocar as caixas... — Ele inclinou a cabeça levemente, observando o rosto de Mayumi. — Desde o início, eu sabia que você tentaria fazer a troca. Eu já havia planejado utilizar seu irmão para distraí-la. E, por fim, o apagão foi um toque de mestre, servindo como uma cortina de fumaça para garantir que eu fizesse o necessário.
— Como você sabia das caixas falsas e da minha missão de trocá-las?
— Eu já desconfiava de que o Major Brihen estivesse tramando algo... — Ele deu um meio sorriso, apreciando a tensão no ar. — Mas foi quando um mensageiro enviado pelo General Levi Burgess me entregou uma runa de comunicação que tudo ficou claro. O próprio General me contou sobre o plano de Brihen. — Zanzo deu de ombros com certa indiferença. — Ele me ofereceu o posto de Major no lugar de Brihen, contanto que eu garantisse que as caixas não fossem trocadas. Claro, eu tinha que agir discretamente, sem interferir no plano original do Major e sem levantar suspeitas — nem mesmo do Major Thorguen Brown. — Seus olhos brilharam com satisfação contida. — Agora, as luvas foram roubadas, e o Major Brown vai receber todos os créditos. Quanto à minha promoção... bem, parece que não foi desta vez. Uma pena.
Mayumi permaneceu imóvel por alguns instantes, absorvendo o que ouvira. Sua mente trabalhava rápido, mas seu rosto mantinha a expressão fria. Ela cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha.
— Isso é absurdo — disse, mantendo o tom firme. — O próprio General Levi Burgess ordenou que o Major Brihen trocasse as caixas. — Ela deu um passo à frente, sua voz carregada de desconfiança. — Está mentindo, Capitão. Isso não faz sentido.
Zanzo, que até então mantinha um tom brincalhão e ameaçador, subitamente mudou de expressão. Seu rosto ficou sério e pensativo. Ele deu um suspiro, como se estivesse processando a informação.
— Bom... essa é uma novidade para mim. — Ele retrocedeu a manga do quimono, retirando-a do pescoço da Tenente e continuou a falar, sua voz agora mais grave. — Não sabia que o General Levi havia ordenado ao Major Brihen para trocar as caixas. Ele me disse que Brihen estava agindo por conta própria, tentando garantir sua promoção a qualquer custo. Parece que o General nos enganou a todos. — Zanzo fez uma pausa, claramente perplexo com a revelação.
Ele desviou o olhar, como se estivesse contemplando as implicações da nova informação, antes de se afastar lentamente, ainda pensativo. Mayumi o observou sair, suas feições severas agora suavizadas pela reflexão.
Ela permaneceu em silêncio por alguns instantes, seus pensamentos se agitando: “Ele parece estar dizendo a verdade... Mas então, quais são as reais intenções do General Levi?”. Mayumi franziu o cenho, sentindo uma pontada de incerteza. “Gostaria de poder confrontá-lo diretamente sobre isso, apesar da aura sombria que o envolve.”
Ela respirou fundo, afastando seus pensamentos. “Não, não posso me distrair agora. Preciso focar no que realmente importa... Planejar uma forma de salvar o Sr. Gurren de uma morte injusta e reunir provas suficientes para expor as atrocidades do Major Brown.”
Era tarde da noite e Thorguen Brown estava em seu gabinete, irado, remoendo as palavras que a Tenente Mayumi lhe dissera mais cedo. Ele tentava se acalmar, repetindo para si mesmo que enquanto tivesse os prisioneiros, estaria na vantagem. Seus pensamentos foram interrompidos quando a Capitã Tylla adentrou sua sala de forma abrupta.
— Capitã Tylla! — esbravejou ele, com raiva. — Esses são modos de entrar na minha sala?
Ela bateu continência e se desculpou rapidamente, suas palavras saindo quase atropeladas pela pressa.
— Desculpe, Major, mas é urgente! — Ela estendeu um telefone ao Major.
Thorguen agarrou o aparelho com força e o levou ao ouvido. Sua expressão, inicialmente raivosa, transformou-se em um misto de atônito e medo. O tempo pareceu parar enquanto ele ouvia do outro lado da linha.
Assim que a ligação terminou, ele bateu com força no telefone, quebrando o aparelho e a mesa em que ele estava.
— O que aconteceu? — perguntou Tylla, preocupada.
Ele, em fúria, respondeu com uma voz que tremia de raiva e medo:
— A casa caiu. Ele tá vindo...
Longe da trama que ocorria em Lakala, um grande barco, com o símbolo da GPA bordados em suas velas, navegava em alto-mar, em meio a uma tempestade com relâmpagos que cortavam o céu negro. Dentro do navio, dois soldados estavam em uma sala abarrotada de livros e pastas. Eles estavam sentados em uma mesa comprida de madeira, lendo vários volumes e transcrevendo arquivos.
— Eu já estou cansado, não aguento mais... — murmurou o primeiro soldado, esfregando os olhos.
— Para de reclamar — respondeu o segundo, irritado. — Precisamos concluir o serviço com urgência.
— Quem raios pediu este calhamaço de informações e ainda assim não pode esperar? — reclamou o primeiro soldado, jogando um livro na mesa.
De repente, um trovão estrondoso caiu próximo ao navio, iluminando brevemente a sala. Quando a luz desapareceu, uma figura sombria surgiu atrás dos soldados.
— Eu pedi. Algum problema? — A voz era firme e autoritária.
Os soldados caíram da cadeira e gritaram de susto. Ao se virarem, perceberam que a penumbra ocultava o rosto do homem. O segundo soldado apertou os olhos, tentando identificar a figura.
— Ai meu Deus! Perdão, Senhor, vamos voltar ao trabalho — exclamou ele, reconhecendo a silhueta. Ele bateu continência e caiu de joelhos, pedindo perdão incessantemente.
O primeiro soldado, que antes reclamava, olhou melhor e fez o mesmo, desesperado.
— Desculpe, senhor. Eu estava apenas cansado, mas vou fazer todo o trabalho sem mais reclamar.
O homem ergueu o braço direito e os dois soldados foram lançados contra a parede, gritando de dor. Seus olhos tremiam de medo, e lágrimas de desespero escorriam por seus rostos enquanto se sentiam cada vez mais pressionados. O militar de patente superior abaixou a mão, e os soldados caíram no chão com um baque surdo. Em seguida, ele falou com uma urgência fria:
— Não há tempo para descanso. Preciso de todas as informações sobre Vander Reich e a guilda Crossed Bones antes que eu chegue ao vilarejo de Lakala.
Os soldados, apavorados, ajoelharam e entrelaçaram as mãos como se realizassem uma oração ferovorosa diante de um deus, em um gesto de reverência absoluta. Tremendo de medo, responderam em uníssono:
— Sim, senhor, General Levi Burgess!