Volume 1
Capítulo XIV: “Coração em chamas”
“O que é… ser forte…?”
A chuva tentava atravessar a janela, o som das gotas acertando o vidro ecoava como um pedido de ajuda, que aos poucos se silenciava. Olhos azuis, opacos, presos em um turbilhão de lembranças dolorosas, encarando a janela.
— Ei, Aku… O que está fazendo aí?
A voz preocupada o tirou de seu transe, olhando para o lado percebe um garoto ruivo que o encarava.
— Apenas olhando a chuva cair! — Respondeu Aku de uma forma fria.
— Ah… Quer ver o joguinho novo que comprei? Vamos jogar na minha casa hoje, que tal?! — Insistia ele, tentando o animar.
— Talvez depois! Tô ocupado estudando para as provas.
Aku mentiu, as provas eram a última coisa que pensava, e de algum modo seu amigo percebeu. Aku não costumava encarar as pessoas nos olhos sempre que mentia, era um detalhe que até então havia passado despercebido por ele e os demais, embora seu amigo soubesse bem disso.
— Ah, tá bem então… E que tal–
Foi interrompido pela risada cruel, seguida de um empurrão. Aku viu seu amigo cair bem ao seu lado, os garotos gargalhando, sentiu ele um nó se formar em seu estômago. E mesmo que quisesse gritar, intervir de algum modo, as palavras apenas não saiam de sua boca, estavam instaladas.
“O que é ser forte…?”
O garoto apanhava, desta vez atrás da escola. Aku passava por ali, parecia tenso, com seu olhar fixo no chão e a cabeça enterrada em meio aos ombros. Seu amigo o viu, esticando sua mão em busca de ajuda, pode vê-lo desviar o olhar e dar passos mais ligeiros, sem nem sequer olhar para trás.
“O que é ser forte?”
Aku se viu novamente em frente a fatídica janela, uma chuva ainda mais forte caia do lado de fora. E novamente seu amigo o tira de seus pensamentos, olhando para o lado vê o rosto surrado junto dos vários band-aids e, aquele sorriso forçado.
— Então… que tal jogarmos aquele joguinho hoje?
— O que fizeram com você?!! — Gritou Aku se levantando.
— Calma. Eu apenas caí… Sou tão desastrado! Ha-Hahahaha…
“O que é ser forte?”
No corredor, Aku viu seu amigo tropeçar bem ao seu lado, o pé de um dos garotos o fez cair derrubando seus quadrinhos no chão.
— Olha por onde anda esquisitão!
— O merdinha continua lendo historinhas de criança?
— Né?! Que esquisitão!
As risadas ecoaram pelo corredor, Aku se sentia ainda mais impotente. Deveria se abaixar para ajudar seu amigo a se levantar, mas seu corpo não o respondia, ele não podia fazer nada, apenas continuar encarando.
“O que caralhos é ser forte?!”
Aku subia as escadas, parecia empolgado segurando uma sacola com guloseimas. Chegando a um quarto, já prestes a abrir a porta, seu coração acelerou à medida que um sentimento estranho dominava seu corpo.
Ele estava parado, respirando fundo, encarando a porta à sua frente.
“Então… o que é ser forte?”
— J-Jun…? V-Você… está aí?
Tomando coragem, conduziu sua mão até a maçaneta, algo parecia tentar segurar seu braço, mas agora era tarde. Girando a maçaneta, engolindo a seco, limpando o suor da testa, abriu enfim a porta…
“O que é ser bom?”
No quarto escuro e silencioso com a pouca luz que adentrava por de trás das cortinas, lá estava, à sombra que balançava presa ao teto. Aku derrubou a sacola, seus olhos se arregalaram à medida que um grito se prendia em sua garganta.
“O QUE É SER FORTEEEEEE??!!”
***
Um trovão o fez despertar de suas fantasias. A criatura caminhava sem pressa em sua direção, esbanjando aquele sorriso imundo e presunçoso.
— Irei te comer… bem… devagar! — disse o troll lambendo os lábios.
Aku tossiu um pouco de sangue, sentia muita dor, até mesmo para respirar. Não conseguia ver muito, tudo estava embaçado e seus olhos lutavam para se manterem abertos.
Com um pouco de dificuldade se obrigou a dizer algo:
— Ei… Cof, cof! Ei, grandão… Cof, Cof… Você… você é bem forte, né?
— Hehehe. Que bom que notou! Saiba que sou um dos mais fortes trolls do meu clã. Tenho até mesmo um título: “Murfus o Dominador”!! — disse ele parando enquanto se vangloriava.
— Um… dos? Então você não é o mais forte?
— Cuidado com o que diz, criança.
— Você parece realmente forte! Cof, Cof, Cof. E-Então… sabe… Sabe me responder uma pergunta?
— Hahahaha!! Você até que está com sorte criança. Eu também sou um dos mais espertos do meu clã! Faça sua pergunta.
— Você… sabe me dizer… Sabe– cof, cof! Sabe me dizer o… O que é ser forte?
O troll caiu em gargalhadas, rindo como louco enquanto batia com a mão em sua barriga com uma força absurda. Aku por vez lutava contra a fadiga, em breves momentos seus olhos fechavam o fazendo apagar por um instante.
— Que pergunta engraçada! Bem, um fracote como você não deve saber mesmo. Ser forte… Ser forte é poder fazer tudo o que quer e quando quer! Continuar comendo enquanto os outros não podem te parar. Esmagar ossos com um aperto de mão, é sentir o medo dos teus inimigos te alimentando… É entender que ninguém vai te derrotar, já que todos tremem quando te encaram de frente. Ser forte é… Ser forte é ser eu!
Disse ele o encarando de cima, Aku sorriu:
— Hehe… Acho… acho que entendi um pouco.
— Entendeu?
— Sim… O fato de até mesmo você não saber a resposta! Haha… Cof, Cof, Cof! — Mais sangue saia de sua boca.
— Como?
— Essa sua resposta não me cativou… E com certeza não o agradaria! Além do mais, assim como ele, sou uma pessoa muito exigente.
Aku não raciocinava direito, embora, uma coisa estava clara como nunca. Usando tudo de si, se levantou enquanto segurava a árvore apoiando seu corpo.
“Fica de pé… Fica de pé!”
Mesmo com muita dor e dificuldade, se levantou aos poucos, longo ficando de pé. Se encostando à árvore, sua respiração estava acelerada com seu esforço, sangue gotejava da ponta de seus dedos e de seu queixo.
— Hahaha. Vejo que ainda tem energia, criança!
“Ele está rindo de mim? Sou tão patético assim?”
“Ele sabe que eu não consigo fugir. Não tem saída… Então… se é pra morrer aqui, pelo menos vou com um pouco de dignidade… Embora, sei que não mereço algo assim!”
Puxou sua adaga, apontando-a para o Troll, que por vez caiu em gargalhadas histéricas, até mesmo se jogou ao chão onde rolava de um lado a outro:
— Hahahahaha!!!! Pretende me machucar com esse palito de dentes?! Hahahahaha!!
“Ele nem sequer me vê como uma ameaça! Esse maldito… Maldito!”
O troll por vez percebeu o olhar de Aku, parando de sorrir se levantou:
— Que sem graça…
Disse ele se aproximando, Aku se manteve firme levantando com um pouco de dificuldade a adaga. O troll por vez parou por um momento, encarava a arma, parecia hesitante de algum modo.
Foi o momento que Aku percebeu enfim a arma. Era uma adaga feita de forma primitiva, parecia mais uma pedra esculpida para se tornar uma lâmina, uma pedra negra em uma tonalidade um pouco brilhante.
“Isso… Isso é…”
— Fique longe de mim!! Ou vai queimar!
O troll por vez continuou em sua direção.
— Fique longe!
O troll se aproximava, quando Aku avistou a fivela prateada de seu cinto. Assumindo posição, observou a criatura se aproximar cada vez mais, vindo como uma fera selvagem prestes a dilacerar sua presa.
Aku fechou seus olhos se entregando ao acaso, respirando fundo, os abriu focando sua completa atenção na fivela.
— Eu disse pra não virrrr!!!
Com um movimento impulsivo, arranhou a fivela, que com o atrito lançou algumas faíscas no ar.
O troll o agarrou pelo pescoço o pressionando contra a árvore, enquanto as faíscas sumiam em meio a grama morta…
A besta abriu sua boca medonha, e rugiu contra Aku já se preparando para devorá-lo ali mesmo. Quando um cheiro de fumaça pousou sobre suas narinas sensíveis, e antes que pudesse notar uma muralha de chamas os atingiu.
— ARGHHHH!!!
Aku caiu ao chão, fechando seus olhos enquanto a criatura era consumida em chamas.
***
— Levante seu lixo imundo.
Continua...