Volume 1
Capítulo II: “Desconhecidos”
Gritos, ossos quebrando, rangidos de dentes, sussurros na escuridão. A espada enferrujada aos poucos se limpava com o sangue, começando a brilhar levemente em um tom prateado.
E aquele que a empunhava, a brandia incessantemente, dilacerando carne e almas. Uma cena brutal, o monstro ria com a dor que infligia aos demais.
— P-por favor… Nãoooo!!
A armadura aterrorizante ficava mais pesada, por conta dos restos de carne que se prendiam nela. Era perceptível, pois seus passos ficavam mais e mais pesados, embora ele continuasse em frente, imponente e assustador.
Uma armadura negra e cheia de espinhos verdes, um elmo com chifres de cervo esmeralda, botas de ferro como cascos e manoplas com lâminas enferrujadas.
Ele agora estava ofegante, um bafo quente saia de sua boca e narinas. Encarava o garoto baixinho em sua frente, qual tremia.
Medo, o mais profundo terror. Enquanto o monstro que se escondia atrás da armadura, abriu seu mais glorioso sorriso. Aquelas presas pontudas e desordenadas, brilharam em um amarelado grotesco, ele salivava como uma besta selvagem prestes a devorar sua presa.
— Venha até mim… pecador.
O pobre garoto com o terror consumindo sua mente e corpo, recua, tropeçando e caindo para trás. E se arrastando no chão, tentou fugir dali, tinha que se arrastar pois o chão estava liso por conta do sangue.
— Fique longe de mim!! — Gritou se afastando dele.
Quando se virou para trás, já era tarde, a enorme espada era levantada aos céus. Em seguida descendo contra o garoto que não teve tempo de reação. Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, ou até mesmo pensar, teve suas pernas desmembradas em um simples golpe.
— AAAAAHHHHHH!!!
Ele se arrastava para fugir ainda mais histérico, sangue cobria seu pescoço e o cheiro o fazia querer vomitar, mas sua vida dependia de sua fuga.
— Acha que pode fugir de mim? Tatrón-org-lumis-org… — disse levantando a espada novamente — Não tem como fugir da verdade, Ef-sunt-cán-org-lumis-home-it-dó-org.
Mais um golpe, desta vez fincando a lâmina em suas costas, esmagando seu coração. O pobre garoto tentou gritar, mas já se engasgava com o seu próprio sangue.
Ele retirando a espada com brutalidade, fez sangue respingar em seu rosto. E lambendo os beiços, abriu um sorriso, embora, logo cuspindo no chão disse:
— Nojento. O que um verme desprezível como você faz aqui? Seu sangue é imundo. Hahaha… Um herói então? Não… não mesmo. Você não é isso, garoto!
O garoto se virou no chão, seu corpo afundava em meio ao sangue, seus olhos perdiam o brilho, fechavam devagar. Embora ainda pudesse ver a silhueta dele se afastando, indo embora, sumindo por conta do sangue, mas… Ele ainda podia ver nitidamente aqueles olhos tenebrosos em sua mente, encarando sua fraqueza, consumindo sua alma:
— Pirralho patético.
Ele enfim fechou os olhos…
***
— AAAAAHHHHHH!!!
Acordou de repente, apertando sua mão contra o peito, se encolhendo em desespero. Suava frio, não podia controlar sua respiração que estava acelerada, seu coração parecia querer sair de seu peito, ainda podia sentir a sensação de sua pele cortada.
Enquanto seus sentidos voltavam aos poucos, ele podia notar os breves sussurros ao seu redor. Tentando se acalmar, sentiu uma brisa suave e aconchegante passando por ele, juntamente de um odor forte de incenso o qual o fez despertar de vez .
Ele suspirou enquanto a calmaria o abraçava. Direcionando seus olhos para frente, ficou deslumbrado com o que viu:
Várias pessoas se encontravam ali, aparentando estarem na mesma situação em que ele se encontrava. “Onde eu estou? E quem seriam essas pessoas?” Perguntas que passavam como o vento por sua mente, enquanto seus olhos ainda despertavam.
Todos estavam com roupas comuns, alguns com farda escolar, embora tivesse um garoto que tentava esconder seu corpo nu. Ele tremia de frio e estava assustado, encarava ao seu redor confuso como os demais ali, e usava suas mãos para esconder seu corpo enquanto se encolhia no chão.
Direcionando os olhos para cima, percebeu grandes lustres de cristais. Voltando seus olhos para trás, um amplo e enorme salão, arquitetura simples, mas encantadora e nobre. E voltando seus olhos ao chão, piso liso feito de algum material reluzente.
Havia alguns símbolos e runas ao redor deles, os quais pareciam ainda quentes e brilhavam. As paredes também possuíam outros símbolos e todo o lugar era suportado por grandes e fortes pilares de esmeralda, cheios de desenhos, gravuras que contavam alguma história envolvendo deuses.
“Que lugar lindo!”
Suas mãos sentiam o chão em que estava, a sensação parecia especial de algum modo. Então avistou pessoas mais à frente possuindo mantos longos e capas que escondiam seus rostos, e outros com roupas chiques, cheios de bijuterias douradas e brilhantes. Homens e mulheres que sorriam encarando os demais deitados ao chão.
“Quem são esses esquisitões? Tão de cosplay?” Ele então lembra do ocorrido no mercadinho.“Espera… lugar estranho, gente esquisita, eu não tô legal, minutos antes eu levei um tiro e… Droga. Eu morri?! Eu morri mesmo?! Aqui é o céu?! Mas… mas–”
O brilho do Sol de repente ofuscou sua visão, adentrando as grandes vidraças e dissipando por completo a escuridão. Ele cobriu seus olhos com as mãos, de relance pode avistar as silhuetas em meio ao brilho.
A luz ficava aos poucos mais suportável, dando passagem a duas figuras sentadas em tronos, e dois enormes vitrais. Um que brilhava com a imagem fragmentada de vários flocos de neve e, outro brilhando em um tom vermelho com a imagem surreal de um dragão lançando fogo pelas narinas.
"Eu devo estar alucinando… — Parou por um momento limpando os olhos — Não... Eu com certeza estou acordado. Mas que lugar é esse? É mesmo o céu?”
Tentou enfim se levantar, sentiu um pouco de dificuldade, suas pernas tremiam ao ponto de fazê-lo cair. Por sorte segurou no braço de um rapaz à sua frente, que por vez não gostou nenhum pouco e o empurrou.
— Que merda acha que tá fazendo?!
— Opa. Desculpe...
O rapaz o encarava com um olhar assustado, parecia confuso e com motivos. De repente alguém gritou em meio aos demais:
— Mas que merda tá rolando aqui?! Eu estava em casa, assistindo. Senti uma dor forte no peito, e... acordei aqui. Porra, não fode comigo!! — disse o garoto, correndo em meio aos demais.
“Então foi igual com ele? Ele teve um infarto? Será que só eu levei um tiro?”
Ele enfim avistou o garoto que saiu correndo em direção a saída, gritava xingando todos em seu caminho. E antes de chegar aos portões, foi barrado por dois soldados com armaduras prateadas portando lanças pontudas.
— Hm. Quem são vocês porra?! — disse o garoto — Tão fantasiados por quê? Sabiam que sequestro é crime?! Sabe de quem sou filho?! Sabem de quem?! — disse tentando passar por eles. — Saiam da frente. Vou acabar com vocês se não saírem! Droga, seus merdas, saiam de minha fren–
Recebeu um golpe no estômago com o cabo da lança. Caindo de joelhos, e começando a tossir enquanto salivava como um porco, abraçando seu estômago mal conseguindo respirar, ele tremia enquanto as lágrimas escapavam de seus olhos apavorados.
— Se acalme. — disse um dos guardas — Entendeu? Não importa de quem é filho. Só se ponha em seu lugar moleque!
O olhar assustador do homem o fez se encolher no chão, tremendo e chamando por sua mãe sussurrando por ajuda. Essa cena repentina abalou a todos ali, alguns se encheram de pavor e ficaram parados em silêncio, outros por vez deixaram a histeria os dominar.
Correndo de um lado a outro, gritando por ajuda. Alguns esbarraram em Aku o derrubando no chão, que por vez com as mãos tentou se proteger dos que pisavam nele em meio a correria.
— Silênciooo! — Ordenou a voz tenebrosa.
Essa única ordem foi o suficiente para acalmar os ânimos, ou assustar os corações de todos que ficaram petrificados, agora sentindo uma pressão esmagadora no ar. O pobre garoto, se levantou do chão dando de cara com o homem no trono que encarava a todos com um olhar sério.
Por vez uma mulher com um longo véu que cobria seu rosto, disse:
— Por favor, mantenham a calma. Não iremos machucá-los!
Seu véu brando balançava com a brisa, brilhando com o reflexo da luz que adentrava o grande vitral. Seu vestido era longo, branco com detalhes escuros e dourados. Ela esperou todos olharem para ela, então continuou:
— Sei que estão assustados, mas saibam que não queremos o seu mal. Deve ser um choque, despertar em um lugar estranho após uma morte repentina…
— Morte?!
A histeria voltava, todos estavam ainda mais apavorados. Mas não demorou para o silêncio reinar novamente.
— Não irei repetir. Então calem a boca e escutem, entenderam? — disse o homem assustador no trono.
— Está tudo bem, vossa majestade! São crianças afinal. Não devemos ser tão duros com elas… Vamos tentar ser compreensíveis, majestade.
— Sim, irmã. Perdoe meu erro, embora seja realmente desagradavel esses ruídos! Meus ouvidos doem com esse barulho. Até parecem abelhas em uma colmeia apertada… Eu pedi a você, herois! E não crianças mal educadas.
— Mesmo assim, continua sendo eles os escolhidos. Eu disse. Disse que os deuses nos ajudariam!! — disse ela, apontando para eles — E aqui está a ajuda!! Sei que são jovens, mas isso por si só é algo bom.
— Continue…
— Eles podem evoluir mais depressa. Jovens têm um vigor esplêndido, majestade!
Ele era um homem gordo e alto, braços musculosos, estava sentado em um trono logo atrás dela, e sorriu com um olhar animado. Cabelo grisalho em um tom prateado e olhos verdes, possuindo uma barba malfeita e uma expressão cansada em seu semblante, também possuía uma coroa de ouro e diamantes.
Não demorou para seu sorriso dar passagem para a visão de seus dentes, que brilhavam demonstrando a mais refinada prata.
“Assustador. Ele é assustador!”
— Sim. — disse ele — Agora posso ver! Parece que os deuses realmente escutaram suas preces, irmã. Seria essa a piedade deles conosco?
Ele parecia um porco, foi isso que nosso herói pensou no momento que o viu. Se bem que nem tudo era assim, ao lado dele havia duas lindas beldades. Uma mulher de cabelos longos e ruivos, olhos azuis os quais expressavam poder e autoridade. Usava uma coroa de cristal e pedras preciosas, sem contar seu longo vestido de escamas vermelhas e rendas.
Ela estava sentada de forma elegante em outro trono ao lado do homem, seu semblante imponente era iluminado pelo vitral do dragão. E ela encarava nosso herói, seu olhar parecia preocupado, embora os olhos curiosos dele estivessem fixados em outra pessoa, uma garota.
A qual estava no meio das duas figuras nos tronos, possuindo cabelos longos que desciam até o chão. Com cores fortes, fios prateados, mas possuindo alguns fios cor de cobre e, tinha lindos olhos multicores, onde o esquerdo era verde e o direito azul.
Ele não conseguia evitar, seus olhos foram arrebatados por ela. Estava sego por aquela expressão meiga e delicada, estava deslumbrado por aqueles olhos cheios de inocência e beleza.
Até mesmo suas vestes a deixavam mais fofa, usava uma tiara feita de diamante azul e um vestido com babados brancos.
Uma brisa forte a pegou de surpresa, fazendo seus cabelos dançarem ao vento. “Quem é essa?” Pensou consigo, sem perceber, dando um passo para frente. “Qual o seu nome? Seria você um anjo? Ou quem sabe, uma deusa?”
Bum-Bum, ela percebeu que nosso herói a encarava, Bum-Bum. Assim o presenteando com um doce sorriso — BUM-BUM, BUM-BUM, BUM-BUM — seu coração queria sair de seu peito, e ficou petrificado com uma expressão boba.
“Calma Aku. Relaxa, não vamos nos equivocar…” Tentou voltar a si.
Esta garota por vez deu um passo à frente, respirou fundo e olhou o homem em seguida a mulher, que concordaram com a cabeça, ela então disse:
— Saudações a todos! Desculpem pelos acontecimentos até então. Nossos guardas se equivocaram um pouco, prometo que isso não irá se repetir. E eles serão devidamente punidos por sua arrogância. Mas… Rogo a vocês que escutem, deixem-me explicar... Conseguem entender minha linguagem? Estão todos bem? Como foi a viagem até aqui?
Não se ouve respostas dos demais, todos a encararam em silêncio, ainda temiam o mesmo destino do garoto que tentou fugir. Ela por vez ainda esperava uma resposta, mas o silêncio falava por si só, por vez, Aku tomando iniciativa a respondeu:
— Estranha! Nossa… Minutos atrás eu estava sendo picotado em um sonho louco. Ah… — Treme. — Tenho até calafrios só de lembrar.
— Deve ter sido uma sensação muito ruim.
— Né?! Eu achei que estava ficando doido! Sem contar a dor… — Fez uma pausa olhando aos demais. — Enfim, eu entendo o que você diz a propósito.
— Que bom que pode me entender. Você parece mais calmo que os demais…
— Bem, acredito que seja porque uma parte de mim já aceitou o fato da morte. Eu sei que realmente morri! Estou ainda tentando organizar meus pensamentos… Por hora, só gostaria que nos contasse o que está acontecendo. Me lembro de ter levado um tiro e quando dei fé… Tava aqui, contemplando você. Q-Quer dizer, contemplando esse lugar. Hahaha… — Sorri sem jeito.
Todos o encaravam, o homem no trono rangia os dentes, olhando ele com desaprovação. Por vez, as bochechas da garota ficaram coradas, ela deu um leve sorriso.
— Minha cabeça ainda está doendo… Ai. — Tentou ele mudar de assunto.
— Espero muito mesmo, que melhore logo meu bravo herói! Fico contente de saber que seus lindos olhos estavam desde o início, direcionados a mim. — disse ela o encarando nos olhos.
Ele congelou com o comentário repentino. Aquilo realmente o pegou de surpresa, seu coração ficou acelerou ainda mais enquanto ele começou a suar frio, sua mente gritava em euforia:
“Ela gostou?! Gostou mesmo?!! Anjos podem casar?! Deus, diz que sim. Se sim, eu vou torná-la minha! Ainda é cedo para dizer eu te amo?” A encarou, ela sorriu gentilmente novamente.
“Você será minha. Minha! Nem que eu tenha que me livrar de todos aqui para isso. Só minha, de mais ninguém.”
Enquanto seus pensamentos até então fofos se tornavam assustadores, mal percebeu que vários soldados adentraram o salão e cercaram todos. O pânico mais uma vez foi restaurado, a mulher com o grande véu por vez disse:
— Os deuses trouxeram a salvação!! Levantem suas cabeças meus bravos guerreiros. Escutem o que vos falo; escutem a voz da emissária dos céus. Escutem a voz da verdade, escutem a voz daquela que representa diretamente a voz dos deuses! Escutem-me e deixem-me mostrar o caminho para a salvaçãooo!!!
Os soldados entraram em posição, a mulher por vez abrindo os braços disse:
— Nós saudamos nossos heróis escolhidos pelo Olimpo. Todos devem reverenciar aos bravos heróis! Saudações aos salvadores do MUNDO.
E assim foi feito, todos os soldados e alguns nobres se ajoelharam diante deles. Apenas o homem e a mulher nos tronos não o fizeram. Isso só serviu para deixar as coisas mais confusas, pois afinal, que lugar é esse? Quem são eles?
Finalmente uma garota de cabelo escuro, olhos castanhos e com uniforme escolar deu o primeiro passo rumo às respostas. Tomando coragem, andou até a frente da irmã e disse:
— É… Hmn… com licença. Sinceramente, não entendo! Poderia nos explicar o que é tudo isso? Onde estamos? Quem são vocês? Aqui é mesmo o paraíso? Eu morri?! Você é Deus? Vamos ser julgados agora?
— Como?
— Se realmente morremos, então aqui é o céu, né? Você vai nos julgar ou algo assim? Você é um deus, certo?
— E-Eu n-não sou um deus. Não sou! Não. Aqui não é o paraíso... Está longe disso na verdade.
— Então, o que é tudo isso? Por favor. Acho que ninguém está entendendo nada… e quanto mais o tempo passa, mais confuso tudo isso fica.
— Ok, entendo que as coisas estão demorando. Mas vocês são os responsáveis, se tivessem tido mais calma… — Percebeu o olhar sem rumo da garota. — Pois bem. Vocês são os heróis que salvaram o mundo da ruína. Eu os invoquei a esse mundo, para que nos salvem do mal… Nos salvem do MONSTRO NAS SOMBRAS!!
Continua...