Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 65.5: O aventureiro e a Menina Perdida no Bosque

Lisandra lamentou-se por um breve instante antes de retirar a adaga da cintura, a qual havia obtido do baú de seu finado pai. Nesse momento, a garota encontrava-se próxima à cabana do velho eremita, buscando qualquer vestígio da carcaça da fera assassina.

Embora os peregrinos tenham afirmado que a criatura foi eliminada, isso não era suficiente para ela. Necessitava da certeza da morte da sombra que assombra seus sonhos, ansiava, pelo menos, por deixar uma marca no monstro para que ele se lembre dela no submundo.

A velha cabana foi destruída e abandonada depois que os Peregrinos Dourados vieram atrás de um culpado para queimar na fogueira, é claro que o bom ancião não era culpado, ela disse para si mesma, mas não posso negar que a criatura foi vista de forma recorrente nesta parte do bosque... só que, não posso esquecer, o Círculo Dourado não faze o bem para ninguém.

Lisandra recordou-se das vezes em que acompanhava o pai para buscar poções feitas de ervas. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto, repousando no topo do nariz. Ela a enxugou com uma das mangas e prosseguiu adentrando a parte mais sombria do Bosque dos Sussurros, como uma verdadeira caçadora terminada. 

Se os peregrinos mataram o Varcolac, eles devem ter deixado o corpo em algum lugar, ela tentava se agarrar em alguma coisa, e não considerou que o corpo de uma besta folclórica como essa seria valioso demais para ser deixado para trás.

Com coragem, ela levantou a adaga olhando-a, eu vou fazer 20 talhos no corpo dela, eu vou! Um talho para cada pessoa que matou...

Ela adentrou mais profundo na região sombria e gélida do Bosque dos Sussurros, uma área familiar apesar de sua escuridão. Conhecia bem essa parte da floresta, pois costumava caçar com o pai aqui quando as presas escasseavam nas zonas habituais. Passou por formações rochosas e trechos de areia movediça capazes de arrastar os desavisados para os portões da morte.

— Não era para você estar aqui, você matou seu pai... — Os sussurros do bosque eram como uma infernal melodia. — Você é a filha que não podia ser criada… você é igual a sua mãe, o mesmo sangue azul...

Eu não sou como ela, disse para si mesma, eu não vou ser como ela!

— Herdeira, sua mãe não suportou olhar para você... você é uma rejeitada...

A garota sentia os sussurros drenarem sua energia, mas sua vontade era forte; assim, eles conseguiram apenas roubar-lhe o brilho do olhar, não a essência. Trancou os ruídos no interior da mente e, seguindo uma trilha de caça abandonada, apressou-se a avançar, essa trilha não é usada faz anos, não há marcas aqui, os peregrinos não vieram nessa direção, ela refletiu.

Ao atravessar um pequeno córrego, tudo mudou e seu coração pareceu pequeno, espremido por uma força misteriosa. Enquanto caminhava e olhava a vegetação ao seu redor, viu que havia muitos sinais de movimentação recente, será pessoas? Por quê? Foi aqui que encurralaram a fera? Não há sinais de luta.

— Você não reconhece esse lugar? Você é fraca, é uma criança tola que se escondeu apavorada...

Atraída pela sensação negativa, Lisandra avançou lentamente para o interior do bosque, observando a vegetação que assumia contornos horripilantes na escuridão. Além dos sussurros, o silêncio predominava, transformando-se em uma entidade perturbadora, buscando enlouquecer a mente humana. Contudo, ela mantinha a loucura afastada, como se fosse algo visível ou palpável.

Logo após um declive, deparou-se com um tronco oco e destruído. Seu coração acelerou, relembrando o som das machadas que a retiraram de dentro da árvore podre após passar dias lá dentro. Foi inevitável não recordar da expressão de pavor do pai ao escondê-la ali, buscando a salvar da fera assassina. 

— Desta vez não há ninguém para te proteger, você irá morrer e será mais um sussurro esquecido nesse bosque...

Algo se moveu na mata. Lisandra permaneceu por um tempo, observando a escuridão. Com a adaga apertada entre os dedos, fixou a atenção em um arbusto que começou a chacoalhar como se estivesse prestes a ser arrancado por uma força descomunal.

Apavorada, Lisandra deu um passo para trás e sentiu vários olhos sobre si, espreitando entre as folhas. Foi então que uma terrível constatação a arrebatou: seu pequeno punhal, tremendo em sua mão, não seria suficiente para preservar sua vida numa luta contra um Varcolac, uma criatura que era conhecida pela agressividade. A garota não era tola para não perceber isso, eu posso usar a magia... não! Ela rejeitou essa possibilidade, eu prefiro morrer a ser como aquela mulher.

Ela sentiu uma mão poderosa agarrar seu ombro. Baforando, a garota moveu seu frágil corpo tão rápido quanto pôde e ergueu o punhal para atacar o agressor. Contudo, um habilidoso rapaz a desarmou e falou com uma voz irritada e seca, como cascalho numa terra árida: 

— Menina idiota, não se tenta apunhalar um inimigo que atacou pelas costas, isso só dará tempo para ele arrancar sua cabeça.

O rapaz era Liel, que deu uma palmada na coxa dela com a lateral da espada como lição. A garota franziu as sobrancelhas, surpresa, e caminhou para trás querendo fugir dali.

— Não precisa ficar assustada, Lisandra, vinhemos levá-la de volta para vila — disse Ramsdale surgindo do outro lado. — Esqueça esse cara cruel da cabeça amarela, e pode acreditar em mim, não vou deixar ninguém lhe machucar. Só precisa me abraçar forte…

— Vocês que são os idiotas, não entendem, há um monstro ali. — A garota apontou para o arbusto que parecia estar em ebulição.

— Ah... é verdade — disse Ramsdale, passando a mão no cabelo verde. — Não posso negar que é uma criatura, e com certeza irá devorar todas as frutinhas que encontrar pelo caminho, dado que não comeu nada pela manhã, mas mostro, é um pouco de exagero.

Da área do arbusto, Clint saiu com a mão cheia de amoras-sangue, mastigando e limpando as manchas vermelhas do canto da boca. Ele parecia atordoado, balançando a cabeça como se algo estivesse dentro dos ouvidos.

— Essa voz não sai da minha cabeça... não, não, isso não é verdade! — dizia ele, agoniado.

— E mesmo assim você não parou de comer? — Ramsdale foi até ele e pegou algumas amoras.

— É claro, eu não engulo com os ouvidos. Ainda mais que dei sorte porque achei um arbusto carregado delas.

— O poder do estômago é fascinante. — O arqueiro comeu as amoras. — Hum, tão doces mesmo. Em todo caso, você não é dessa região, é mais afetado pelos sussurros, mas é como eu falei, é só ignorar que nada de pior irá acontecer, não é mesmo Liel? Ei, Liel?

O loiro permaneceu imóvel, os olhos arregalados, como se estivesse absorto em contemplação de algo invisível, tal como se assistisse a um macabro filme antigo. Ele recuperou a consciência e respondeu, disfarçando o lapso momentâneo.

— É isso, palavras não podem carregar espadas. É só ignorar que uma hora vão sumir.

— Então tá, eu acho, pelo menos achei as amoras. — Clint ofereceu algumas das frutinhas para a garota. — Pega aqui, são doces como o mel da árvore-chorosa.

— Eu não quero comer isso, quero achar o corpo da Varcolac. — Lisandra bateu na mão do descabelado e as frutinhas voaram todas. — QUERO VINGAR A MORTE DO MEU PAI!

— Vingança, hum, é isso... — Ramsdale disse pensativo.

— Se não vão me ajudar, eu quero que vocês sumam! Vocês não quiseram acreditar em mim antes e não quero nada de vocês agora. Eu não vou voltar antes de arrancar o coração da maldita Varcolac que matou meu pai, e esmagá-lo com meus pés.

— Eu acreditei em você — disse Clint, terminando de engolir as últimas frutinhas que catou no chão.

Liel esboçou uma careta e Lisandra vislumbrou as chamas da raiva arder no fundo dos olhos dele.

— Basta! Eu não suporto o chilique dessa fedelha, e ela nem tem ideia do problema que está causando para todos. — Ele bravejou, e em seguida agarrou o braço da garota. — Não percebeu que você não tem escolha. Desculpe, o cabeça de couve vive dizendo que não sou cavalheiro. Certo, você tem escolha, pode escolher vir com a gente andando como uma boa garota ou arrastada pelo cabelo.

— Eu não vou! — Lisandra firmou o pé e puxou o braço, livrando-o da mão do loiro. Para alguém que queria ser autoritário, ele não segurava com tanta violência, na verdade, era até carinhoso. — Me devolve meu punhal, ele foi do meu pai.

Liel não soube o que fazer, então olhou para Ramsdale implorando por ajuda. O arqueiro socorreu o companheiro.

— Lisandra, eu entendo o seu sentimento, é verdade. Só que você foi enganada, todos foram enganados. Está direcionando sua raiva para a direção errada. Venha com a gente que vamos explicar tudo, você é a que mais merece a verdade.

— Vocês não sabem de nada, eu vi os olhos da criatura, vi como a cor roxa não tinha brilho. Independente do que os peregrinos fizeram e o que vocês disserem, eu sei que aquela coisa ainda está nesse bosque.

— Você está enganada.

— Por que diz isso?

— Eu não sei o que você viu, mas está enganada por um simples motivo: a raça Varcolac não existe mais, esses vampiros foram todos exterminados. Tudo não passa de um logro do Círculo Dourado, esses são os monstros de verdade.

— Você está errado.

— Eu nunca erro… 

De repente, a atmosfera daquele lugar tornou-se gélida. O ambiente ao redor parecia um verdadeiro cemitério, com os sons da floresta criando um cenário sinistro. No entanto, tudo ficou em silêncio. O grupo pôde então ouvir o murmúrio do riacho nas proximidades e o farfalhar das folhas nas árvores, formando uma sinfonia digna das catacumbas. O mais estranho, contudo, foi que os animais da mata e os pássaros das copas, todos eles, começaram a debandar apavorados.

— Por Krig, o que está acontecendo? — Lisandra perguntou aterrorizada.

— É a floresta — disse Clint, dando um passo à frente do grupo. A sua expressão ficou séria enquanto esfregava sua maça lisa. — O próprio bosque está apavorado!

— CRAAAAAAA!

Um grito agudo e estridente ecoou pela mata escura, fazendo Lisandra recuar e esbarrar em Ramsdale. Quando ela olhou para o arqueiro, percebeu que ele também estava perplexo, sem entender aquele fenômeno perturbador.

A escuridão do bosque era um véu de cerração, com a visão da penumbra avançando mais além das árvores, onde tudo parecia morto. Os corações de todos precipitaram-se além do medo e, em seguida, conseguiram recuperar o controle. Contudo, ali de pé, erguendo-se das entranhas negras do bosque, estava uma sombra mais escura do que as trevas daquele lugar.

A sombra tinha mais de três metros de altura, com um brilho roxo opaco onde seria de esperar ver seus olhos, e um odor fétido de carne putrefata elevava-se dela, um odor que aumentava ainda mais o medo da morte.

— Varcolac! — Clint afirmou. — Chegou a hora, eu vou vingar o sangue dos meus ancestrais!

Liel viu Clint assumir uma posição de batalha, e o corpo dele estremecer e seu cabelo ficar tão rígido que parecia que iria se quebrar em migalhas. Olhou para Ramsdale e disse:

— Você cuida da menina e da nossa retaguarda!

— Isso não é possível, eles não existem mais. Ainda estar… ainda, é dia... — O arqueiro se mostrou perdido. — Eu não errei!

Liel cutucou o companheiro com o cabo da espada tirando-o do transe da surpresa. — Veja onde estamos, aqui não há luz do dia. Você errar não quer dizer nada, porque nosso grupo vai ficar famoso ao matar e devolver esse monstro para as lendas. Posso contar com você?

— Eu não errei… — Ramsdale empurrou Lisandra para trás das suas costas, e empunhou o arco dizendo:  — Eu vou cuidar dela!

Liel devolveu a adaga para Lisandra e disse: — Cuida do cabeça de couve, ele não reage muito bem quando comete um erro.

— Eu não errei!

A garota pegou sua adaga e perguntou atônita: — Vocês vão mesmo enfrentar um Varcolac?

— É só uma criatura e irá morrer quando tiver a cabeça decepada. Isso é certo!

Os olhos de Lisandra brilharam com a determinação do líder do grupo de aventureiros. Por um momento, acreditou que, ao lado deles, poderia vingar a morte do pai. Contudo, essa confiança logo se desfez quando uma pata grotesca, com garras do tamanho de adagas, emergiu da sombra e agarrou um tronco de árvore, fatiando sua casca como se fosse pele de pergaminho.

Ela agarrou o braço do arqueiro com força. Liel fez um gesto de confiança para ela e, logo em seguida, juntou-se à frente com Clint, que estava tenso como uma estátua. Enquanto observavam a criatura revelar seu corpo, o loiro suspirou e ergueu a espada.

— A cor roxa dos olhos dela lembra a cor roxa dos mortos — disse Lisandra, apavorada, assistindo o Varcolac emergir das sombras. — E então, você morre!

A primeira missão do grupo de aventureiros Manoplas da Força ganhou um contorno terrível. Agora, para salvar uma garota, eles teriam que enfrentar a obscuridade oculta do mundo.

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