Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 66: O Descanso do Sábio Miserável

Guilherme e seus novos companheiros precisaram ficar por um tempo a mais no sítio, para poderem se recuperar das feridas da batalha contra a matilha de lobos cinzentos.

O senhor Aliam fez questão que não faltasse nada para o bando coelho, até que os garotos se recuperassem por completo. Deu a desculpa que não queria ficar devendo nada para ninguém.

O velho soldado não queria demonstrar, mas estava muito agradecido.

Com a mesma desculpa, durante o tempo a mais, Guilherme ajudou na reconstrução do sítio. No fim, todas as dívidas seriam pagas.

Eu que não vou cair nessa furada de dívida de gratidão.

Não mesmo!

Guilherme buscou nas lembranças da Terra uma forma de ajudar a família. Lembrou que as tribos africanas costumavam usar galhos secos para criar muros em volta de suas terras. Essa técnica era efetiva para manter os predadores afastados.

Como Alonsio iria deixar o sítio, precisava compensar de alguma forma. Então, sugeriu ao senhor Aliam que construíssem uma cerca viva.

No primeiro instante, Aliam achou a ideia inútil. Só que depois que o Sábio começou a explicar as formas e ângulos, entendeu que era uma ideia sagaz. Digna de um comandante num campo de batalha criando cercos contra o inimigo. O velho soldado ficou impressionado. 

Tirando as horas de trabalho duro na construção da cerca, o restante do tempo Guilherme passou no chiqueiro, não por restrição, mas por estar familiarizado e por ser um bom lugar para pensar.

Nos longos momentos de reflexão, tentou se acostumar com o peso do companheirismo. Quase toda a cerca foi construída por ele e Alonso, e isso os aproximou mais.

Ele percebeu que a conquista dos novos companheiros só se tornou possível porque tentou ser uma pessoa melhor ao enfrentar seus medos e traumas.

Era espantoso como tudo estava claro, como podia ver até qual caminho o bando coelho deveria seguir, no futuro.

Resolveu que não ia mais descontar nas pessoas suas frustrações e concentrar sua ira apenas nos inimigos. Não aceitaria cometer, outra vez, o mesmo erro que cometeu ao conhecer Alonso. Era excitante pensar sobre as futuras aventuras, quando se acostumou com o pensamento que não era mais um inútil.

O filhote de onça dente-de-sabre estava brincando com o leitão Wiubor. De repente, ele se viu numa situação boa e agradável. Sentiu um profundo aperto no coração.

É impensável.

Será que posso mudar?

Será que mereço uma nova chance?

O Sábio Miserável sacudiu com força a cabeça na tentativa de afastar a imagem do deus Skog e as lembranças da vida na Terra. Ele não tinha nada a ver com o exemplo de uma pessoa esperançosa. Achou mais sensato voltar aos velhos hábitos, antes que começasse a esquecer todo o sofrimento que passou na mão daqueles seres e pessoas terríveis.

No chiqueiro, sentado na cama de palha, encostou o corpo na parede fria e passou a mão sobre a cicatriz do rosto. De olho fechado, deixou o pensamento voar em busca das lembranças das pessoas que não conseguia esquecer.

Em sua mente, via outra vez os rostos terríveis e de expressões cruéis, ouvia as risadas malignas e as palavras bárbaras que usavam para condená-lo. Não conseguia livrar-se das recordações. Estavam dentro dele, provocando uma dor que corroía a alma, fazendo a cavidade escura do olho esquerdo latejar e a cicatriz no rosto arder.

Eu não vou me enganar.

Meu bando irá conquistar os grandes tesouros desse mundo.

O restante, irá queimar.

É isso que eu quero!

É isso?

Alguns dias atrás, recuperou seu pergaminho e lápis de carvão que a Felipa havia guardado. Aproveitando que o ódio fervia dentro dele, anotou os pontos importantes que não aceitava esquecer.

— Anotar a dor só irá nutrir seu ódio — comentou a pedra.

— Eu reencarnei nesse mundo e em poucos dias fui apresentado para uma realidade terrível. Todas essas pessoas arrancaram uma parte de mim, seja da minha carne, seja da minha alma. Foram solícitos ao me mostrarem como as coisas funcionam aqui. Fizeram da minha vida um inferno. Disseram que eu valia menos que um rato. — Fez uma pausa para respirar. — Eu devo mesmo esquecer, pedra?

— Não! Os pecadores não podem escapar dos pecados. Anotou o açougue?

A mão de Guilherme tremeu, quase deixou cair o lápis. Aquele matadouro apoderou-se de sua vida com tanta firmeza, que nem dormindo conseguia esquecê-lo, vendo as paredes manchadas de sangue em sonhos que o apresentavam como o purgatório, junto dos carrascos e, para sua tortura, a colher de ferro incandescente.

Aquilo queimava seu desejo, e precisava disso para mutilar a esperança, deixando-o incapaz de esquecer dos horrores que esse mundo era capaz. 

— Que descuido. — Ele sorriu, rangendo os dentes. — Não posso deixar nenhum deles fora da lista.

O Sábio Miserável anotou o açougue na lista.

Ele pensou por mais alguns segundos…

Então anotou o nome da Miranda, a infâmia Cigana, recompensa de quarenta moedas de bronze, líder do bando das Cartomantes.

Anotou o nome da Menma, a infâmia Tulipa de Sangue, pertencente ao notório bando do Circo Horror; como não tinha mais informações, desenhou a figura do pierrot junto de uma observação: eles são pessoas discretas, por isso escondem a marca do bando de alguma forma, isso é a principal fraqueza deles.

O Círculo Dourado é uma organização nos moldes da igreja católica da Terra. Eles estão realizando a própria inquisição deles, só que o intuito é abolir toda a presença e crença dos deuses. Os métodos deles são bárbaros, mas estão lutando contra os meus inimigos… inimigo do meu inimigo é meu aliado?

A Ordem Sacra é o oposto. Eles querem recriar os antigos laços com os deuses. Isso faz deles meus inimigos? Ou são só pessoas iludidas pelo amor falso?

O Conselho das Guildas é o responsável pelo sistema cruel e escrupuloso das guildas.

Eu preciso de mais informações.

Porém essas três organizações são o destaque desse mundo.

Se minha intuição não tiver me pregando uma peça, o Conselho da Guilda é a mais perigosa das três.

Os deuses deste mundo têm representações diferentes, com isso baseia a essência do poder dos seus heróis. Skog como o deus das florestas é o senhor das bestas lendárias. Sjel é o deus das almas e senhor dos grandes espíritos.

E os outros Deuses, Krig da guerra e Moren da vida. Qual é a fonte de poder deles?

Quantos deuses existem?

A pedra contou que na guerra contra os dragões muitos deles morreram.

Quantos deles ainda resta?

Contudo, o mais importante é que podem ser mortos!

A lenda sobre o Rei Sábio, a Rocha, é fascinante, não apenas por ele ser o único conhecido da classe sábia, mas também devido à intrigante relação que ele teve com a pedra. Tudo indica que essa relação não teve um desfecho positivo.

Só espero que a maluca por trás desse enredo não vá dar uma de Kishimoto.

Porque ninguém aguentaria outro Mandara para melar toda a história.

Também anotou o nome Dick e Cristã.

Ah!

Não posso esquecer de pagar minha dívida com eles.

Que saco, acabei que fiquei preso nessa de dívida de gratidão.

Deixa pra lá, muito certo que eu nunca mais vou ver aqueles dois.

Assim é melhor!

Certo, terminei…

◈◈◈◈◈◈

Era noite, e deitado na cama de palha no chiqueiro, Guilherme observou a iluminação fraca da vela e pensou em sair um pouco, mas como estava tarde achou melhor esperar. Depois de um tempo enorme os porcos se agitaram e o filhote de onça arrepiou o pelo.

A gata sentou na cama. Era o sinal que alguém estava próximo, e ela se alegrou, sem reparar que era a hora habitual das refeições, querendo apenas um motivo para roçar na palha.

Guilherme dividia a mesma chateação da sua gata. 

Nessas horas a tecnologia da Terra faz falta.

Seria bom uma televisão.

Um filme.

É...

Escutou o ruído da maçaneta e o trincar das fechaduras. O instinto o fez olhar emocionado, apesar da fraca luz e o único olho, tentando adivinhar quem estava chegando.

Quando a porta se abriu de uma vez e bateu forte na parede, o susto quase o fez cair da cama, junto com o filhote de onça.

Soube no mesmo instante quem era o responsável.

— Traa! O jantar atrasou porque a dona Mia estava inspirada. Ela queria agradecer com boa comida pelo trabalho de construir a cerca. Um grande coração, sempre preocupada. Ela fez ensopado de abóbora e folha de taioba-roxa carregado no tempero.

Alonso entrou e trazia uma tigela grande de barro e um copo.

— Você está sempre animado, crista de galo? Eu não ligo o que é, a comida da Mia sempre é gostosa. Só queria que fosse a Felipa que viesse me fazer companhia.

— Não seja idiota, eu também durmo aqui, vou ser sua compania. Mas a Felipa é mesmo especial, você tem bom gosto para escolher amigos.

— Presa de lobo, lobinho não é…  Alonso, nesse caso, não é isso que Guilherme está pensando da jovem Felipa — comentou a pedra.

Ao ouvir esse comentário, por instinto, o Sábio lembrou que o Aliam havia proibido que dele frequentasse a casa principal porque não gostou do olhar direcionado à filha. Era como se nesse mundo fosse um crime paquerar.

Nunca havia tocado em uma mulher, mas, de alguma forma bizarra, foi interpretado como um perigo para a honra de uma donzela, e isso inflou seu ego de tal maneira que não se importou com o isolamento.

É melhor separar as cabritas dos bordes.

Minha vontade está solta.

Acho que o ditado é assim.

Tantos faz, sou foda!

Os olhos de Alonso encararam a expressão estranha e sorridente do Sábio. Recuando um pouco, entregou a tigela de ensopado e estendeu o copo e, com uma voz incerta, murmurou:

— Na verdade, ela está muito ocupada com suas tarefas. Não quis minha ajuda, disse que eu ia embora e não poderia mais contar comigo para nada. Traa, é o jeito dela. Também trouxe um pouco de leite de porca para a onça.

Hesitante, Guilherme pegou o copo. Aproveitou a deixa para mudar de assunto, já que por mais que quisesse acreditar na sua virilidade, falar de garota lhe deixava corado.

— Que bom!  — ele exclamou. Colocou a tigela de caldo num canto e pegou no colo o filhote de onça. — Essa safadinha já estava inquieta, pensei que fosse devorar o Wiubor.

Alonso deu uma volta vagarosa e se sentou num banquinho.

— Esse bicho não pode comer o Wiubor. Ele será um bom reprodutor. — O garoto do cabelo tom de fogo chamou o leitão, que respondeu de forma alegre o chamado. — Quem é o melhor porquinho de todos, hein, hein?

Feliz com o dengo, Wiubor sacudiu a cabeça.

Guilherme olhou aquela cena embasbacado.

De certo, mais um inverno e o Wiubor vai virar torresmo.

Ele olhou para a pequena onça e piscou com o olho bom. Durante os dias que havia passado com aquela felina, era compreensível que tentasse sufocar os instintos dela, para que fosse bem adestrada, mas não poderia impedir o desejo por caçar suas presas. E nem tentaria, já que não queria uma mascote mansa, e sim uma fera leal e fatal.

Com a fronha da camisa, fez uma espécie de chupeta, que usou para molhar no leite e colocar na boca do filhote, que mamava como se fosse a teta da mãe.

— Às vezes, o corpo sabe mais de sobrevivência que a mente. — Alonso estava admirado vendo o filhote mamar todo o leite. — Ainda não acredito que você deu um jeito de amamentar o filhote de uma onça dente-de-sabre. 

— Há! Isso não é nada, não falei que na minha terra natal era comum adestrar feras selvagens. Que ver uma coisa muito legal?

— Acho que seria bom… 

Guilherme parecia empolgado. Preparado para isso, colocou o filhote de pé na cama. A cor branca e os olhos vermelhos lhe davam uma aparência de bicho de pelúcia.

— Solta o Wiubor.

Alonso soltou o leitão, que saiu sem rumo, rodeando o chiqueiro. Parecia mais animado e disposto a brincar.

— Tsk, tsk — Guilherme estalou a língua duas vezes.

De súbito, o filhote parou de morder a fronha da camisa e saltou sobre o leitão, e cravou as garras no lombo dele.

Wiubor, desesperado, começou a correr e sacudir o corpo para se livrar da pequena felina. O filhote não se saltava do leitão de jeito nenhum, enquanto tentava abocanhar um pedaço da carne rosada.

— Ela vai comer o Wiubor… — Alonso se levantou e foi salvar o leitão.

— Deixa, deixa… — disse Guilherme, entre risadas e tapas nas próprias coxas. — Eles tão brincando.

◈◈◈◈◈◈

Queridos leitores,

Espero que todos estejam bem. Estou escrevendo para compartilhar uma notícia importante. Por motivos maiores e imprevistos, precisarei fazer uma pausa nas postagens nas próximas duas semanas.

E também quero desenvolver melhor o final do arco 2.

Saibam que vou sentir falta dessa grande aventura e contribuição durante esse período. Agradeço pela compreensão e apoio de todos vocês. Prometo que voltarei em duas semanas, prontinha para retomar nossas aventuras e compartilhar experiências.

Agradeço pela compreensão e paciência. Até logo!

Com carinho,

VALHALLA

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