Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 61: A Batalha Final do Sábio Miserável

Guilherme teve que respirar fundo antes de tomar a decisão de expulsar Crista de Galo, que estava parado à sua frente, esperando a morte certa. Ele parou por um momento e estudou os contornos de seu companheiro. Viu a figura de um bárbaro feroz, capaz de qualquer coisa, estúpido e determinado, por trás da aparência de um herói poderoso e inconsequente. 

Ergueu a mão como se estivesse suplicando por ajuda. Odiava o fato de não conseguir tomar uma decisão ou mover o corpo; no entanto, desejava estar ao lado dele na batalha decisiva. Mas esse não seria o papel do Sábio Miserável. Baixou a mão, pensando em todas as pessoas que já o magoaram. Para conseguir lutar, ele precisaria desempenhar seu papel como um ator consumado, escondendo o verdadeiro Guilherme e mostrando um rosto tenaz que ocultasse a profunda mágoa.

Contemplou o sorriso de Alonso e a sede assassina do lobo ao mesmo tempo, olhando de um para o outro. Não havia emoção em seu olhar, muito menos compreensão; ele apenas queria saber se sentiria muita dor quando tivesse os membros arrancados. 

O lobo vai matar ele primeiro.

Depois vai ser eu.

É…

Eu fiz tudo o que pude para impedir.

É…

Ainda assim, consegui destruir outra vida inocente.

Sou o maior dos fracassados.

Um verdadeiro miserável.

◈◈◈◈◈◈

O Galo Mais Forte do Mundo

Alonso verificou que o Sábio estava bem e que estava apenas entregue aos seus devaneios costumeiros. Por enquanto, não precisava se preocupar com ele e podia concentrar todas as suas forças apenas no inimigo.

O lobo, ao perceber que o humano de cabelos cor de fogo havia largado a espada, sentiu-se mais confiante. Abriu sua guarda da mesma forma que um botão de rosa ao amanhecer, para um ataque direto e devastador.

Naquele momento, para Alonso, a terrível fera não passava de uma frágil folha de pinheiro flutuando no ar, e ele poderia até mesmo ter usado a espada para empalá-la, verdade seja dita, mas as espadas nunca foram seu estilo. Ele passou a odiá-las ainda mais desde que viu sua mãe ser morta por uma.

Além disso, ele poderia ser um cabeça dura, mas não era idiota; aquele pedaço de ferro não conseguiu cortar o lobo uma única vez durante toda a batalha, por isso não arriscaria fracasar, até mais que isso, agora tinha a fera onde queria.

Por um momento, o bosque silenciou. Junto do ar frio da noite, a determinação e concentração também preencheram o ambiente quando o galo preparava a espora para o momento crucial. Com a imagem da irmã ferida e a angústia de Guilherme na mente, com os músculos tensos e o foco apenas no inimigo, ele canalizou toda a força do seu corpo em um único golpe, como se toda a energia da natureza em sua volta se reunisse em seu punho.

Cada fibra de seu ser contribuiu para o poder que se acumulou, pronto para ser liberado. Ele apoiou todo o corpo na perna boa e girou de uma vez só, fazendo com que o punho deslizasse no ar. O tempo pareceu abrandar quando finalmente o soco acertou a fuça do lobo, e o impacto ressoou como um trovão, ecoando não apenas fisicamente, mas também como um testemunho da sua coragem, disciplina e amor pela irmã e pelo amigo.

O poderoso soco acertou a face direita do lobo, arrancou alguns dentes e o bicho rodopiou no ar e caiu alguns metros de distância. Levantou atordoado sem entender o que havia acontecido, e ao perceber sangue escorrendo de sua boca, ficou ainda mais furioso. Atacou, visando agora, o humano de cabelo tom de fogo, e usou o esporão da cauda para não sofrer outro contra-ataque direto.

O esporão veio de lado, mirando o ombro esquerdo de Alonso, que conseguiu se esquivar. A fera, então, girou o corpo na tentativa de cravar os dentes, mas Alonso agiu com destreza, evitando a mordida. Mesmo suportando uma dor terrível em sua perna ferida, ele conseguiu se abaixar o suficiente para uma reação surpreendente e, com um movimento de baixo para cima, conseguiu abraçar o lobo, suspendendo-o.

— Traa, coisa feia, você agora é meu, vou ter espremer como se espreme um morango-azul para fazer suco. 

◈◈◈◈◈◈

O Sábio

O quê?

Suquinho?

Guilherme olhou e não acreditou naquela loucura. Alonso olhou-o com um olhar vitorioso.

Mas o que é isso?

O soco de Alonso foi poderoso, porém, foi só um soco, e esse abraço desesperado não seria capaz de liquidar o lobo. Guilherme já estava acostumado a essa esperança mesclada com fracasso, que sempre surgia nos momentos importantes de sua vida. O que antes aparentava ser indiferença total, transformou-se numa impotência absorvente e constante.

Ele daria tudo para merecer a amizade daquele garoto, e para que ele apreciasse sua apagada natureza e a sua motivação quase zero. Contudo, Guilherme continuou parado. Era o maior responsável pelos acontecimentos dessa noite, sendo mais culpado do que vítima aleatória. 

Seu coração nunca pareceu ter valor, pois nunca conseguiu levar uma conquista até o fim. Ele teve algumas vitórias, em jogos e na escola, mas muitas vezes recorreu a meios duvidosos. Uma vez, quando ainda era criança, enfrentou um dilema em que precisou escolher entre sua própria vida e a de um amigo, o que pôs fim às suas aspirações heróicas e às grandes aventuras. Ainda que um mundo corrupto e um sistema injusto lhe mostrassem um caminho diferente, ser um herói sempre foi o maior sonho de Guilherme.

Contudo, ele só era um humano fraco. Não haveria raio mágico ou milagre conveniente. A fraqueza só será superada com força.

Diante da cena terrível, com o seu novo amigo agarrado numa fera muito maior que ele, parecendo uma criança segurando uma geladeira, o corpo de Guilherme paralisou.

Outra vez não.

Por favor, não, não…

O lobo começou a se debater, mas não conseguia se livrar.

— Você pode se sacudir o quanto quiser, bicho desgraçado, mas não vou te soltar de forma alguma. — Alonso travou os braços de tal forma que virou um alicate humano.

O lobo moveu a cauda na tentativa de usar o esporão, mas percebeu que não conseguia. Confuso, pressionou com mais força, apenas para descobrir que a cauda estava presa.

Felipa se agarrou na cauda da fera da mesma forma que os carrapatos agarram nas crinas dos cavalos.

— Se você acha que vai ficar balançando essa coisa de um lado para o outro, é melhor pensar de novo, porque não vou deixar! — disse ela, usando o peso do próprio corpo como contrapeso.

O lobo usou toda a sua força para se libertar, porém seu corpo já estava no limite. Enquanto isso, a garota se segurou firme na cauda, pressionando para baixo. Seu corpo leve parecia prestes a ser arremessado a qualquer momento, mas ela conseguiu se manter firme e neutralizar a principal arma do inimigo, o esporão.

Era a primeira vez que Guilherme via alguém demonstrar tanta determinação para vencer uma luta, e estando preso às crueldades desse mundo, seus desejos foram modificados, alterando a visão que ele tinha das pessoas neste isekai. Pelo menos de algumas delas.

Ao relembrar da frieza daquela mesma garota ao cuidar de seus ferimentos, ele sentiu uma pontada no peito. No entanto, ele sabia que ela agiu daquela forma por ser humana, com seus próprios desejos e valores. Foi nesse momento que ele a viu como alguém ainda mais humana.

Pode parecer um pensamento sem lógica, mas não para uma pessoa que veio de outro mundo.

Assim, Guilherme não pôde negar que, ao reencarnar nesse mundo, via todas as pessoas como meros NPCs. No entanto, essa era a forma como ele costumava enxergar tudo na Terra, e ele apenas justificava esse sentimento aqui, nesse mundo, chamando-o de seu isekai, e, portanto, justificando tudo. Esse sentimento começou a mudar dentro dele, e ele ansiava por ser uma pessoa diferente, não ser destruído como aconteceu com sua vida na Terra.

As pessoas nunca foram NPCs.

Eu sempre fui o único NPC.

NPC da minha própria vida.

Preciso mudar.

Mudar ou morrer!

— Guilherme… — chamou a pedra —, a covardia é um verme que devora a alma, escolha, viva como um vilão ou morra como um herói!?

— Pedra, o que um humano covarde e fraco pode fazer?

— Lutar, lutar, e continuar lutando para não ser devorado pelos fortes. Você não está sozinho. Veja o valor da amizade. Com união, não haverá inimigo que não perecerá diante corações determinados.

Todo o terreno ao redor da batalha estava em silêncio, até o vento havia se calado. Isso tornava os sons daquela desesperada luta altos como trovoadas.

O lobo percebeu que não conseguiria se soltar e, portanto, parou os movimentos bruscos, cessando também o abanar da cauda para se livrar da garota, enquanto iniciava um violento jogo em uma letargia agoniante. Ele endireitou o corpo, procurando retomar o controle da situação, consciente de sua superioridade sobre todos os adversários. Após ajeitar o corpo e ficar de frente para Alonso, esticou o pescoço e cravou os dentes no ombro direito dele, mordiscando, como se fosse engoli-lo por inteiro.

Felipa sentiu seu coração gelar ao ver a quantidade assustadora de sangue escorrendo da boca da fera, cravada na carne de seu irmão. Não conseguiu evitar pensar na imensa dor que ele estaria sentindo.

Sentindo o gosto do sangue, o lobo pressionou ainda mais a mandíbula para aprofundar a mordida.

À deriva nessa batalha agoniante além dos limites, após lutar de forma incansável, a garota exausta sucumbiu à exaustão. Com as forças esgotadas, dores terríveis e a vista da fera invencível, a esperança de sobreviver começou a desvanecer como a luz do sol num entardecer. Cada movimento do lobo, a cara de dor do irmão, seu frágil corpo sacudido pela cauda do monstro, tudo parecia sussurrar palavras de desespero: desista… desista… desista… 

— Alonso, por favor, para de se machucar, ele vai arrancar seu ombro, você precisa largar ele — disse ela, sem perceber que se a fera fosse solta, seria a morte de todos.

— Não! Eu aguento. Pode deixar comigo, Wiubor têm dentes mais afiados que esse bicho, traa, nem tá doendo. — O Crista de Galo contorceu a face com horríveis caretas. — Não vou soltar de jeito nenhum!

Solta esse bicho, seu idiota!

Não vale a pena.

Guilherme deu um grito de pânico e voltou a atenção para Felipa, desejando que ela pudesse resolver aquela situação de alguma forma milagrosa.

A garota reagiu ensandecida se portando como uma vingativa irmã diabólica.

— Faça alguma coisa, não fique aí parado me olhando, miserável. Vai ficar chorando até quando? Se deixar meu irmão morrer, eu juro que vou te matar antes desse lobo. Viva ou morta, não dou a mínima, vou te matar!

Guilherme pareceu incendiar-se, olhando bem para o rosto da garota. A cavidade escura do seu olho esquerdo latejava e a cicatriz fervilhava o sangue dentro das veias da face.

Milagres nãos existem.

Sou tão covarde a ponto de esperar uma solução mágica.

Na verdade sou ainda pior, porque estou esperando que uma garota me salve.

Tenho que assumir a responsabilidade e criar a minha magia e vai ser sangrenta.

Preciso reagir.

É a hora do Sábio Miserável marcar esse mundo.

Uma espécie de descarga elétrica percorreu todo o corpo de Guilherme. De repente, se levantou de forma abrupta e pegou a sua estranha pá. Atirou-se contra o lobo e começou a desferir golpes. Usou toda a força. Mas não causavam danos suficientes no couro duro da fera. Era como golpear um boneco de pedra, com uma resistente pelagem.

Como os golpes não funcionaram, desesperado, ele apelou para suas habilidades, mesmo já sabendo o resultado.

Funciona…

Funciona…

Funciona…

O olho bom do lobo mostrou alguma surpresa com a reação do sábio, depois estreitou-se ainda mais encarando-o como se dissesse: você quer lutar? Logo o grande covarde. Não se preocupe, logo vai ser a sua vez.

A fera aumentou a pressão na mordida, para mostrar que ainda tinha força e estava no controle da situação, por isso não iria ceder antes de arrancar um pedaço do Crista do Galo.

Guilherme nem conseguiu gritar. Apenas continuou a golpear o peludo boneco de pedra e, em desespero, olhou para a garota.

Desculpa, desculpa, desculpa.

Eu não consigo fazer nada!

Felipa conseguiu enxergar a derrota incrustada no olhar do Sábio. Mesmo assim, ela não podia desistir e continuou agarrada à cauda da fera, olhando-o com uma expressão terrível de derrota, como um camundongo preso em uma ratoeira.

Guilherme não aguentou testemunhar a expressão de derrota da garota e fechou o olho.

Droga, droga, droga.

O que vou fazer?

Não posso deixar eles morrerem.

— Hhe… hhe… hhe… nno oolho ppodre aa ccarne ée mmacia, nna eespada dde aaço aa pponta ée áaspera… 

Ao ver o Sábio, o único capaz de criar uma reviravolta na luta, perder-se outra vez em seus devaneios, Felipa teve a certeza de que todos eles iriam morrer. No entanto, em meio à opressiva escuridão da morte, uma faísca de determinação foi capaz de romper a escuridão, representando uma promessa silenciosa de continuar lutando contra a fera assassina, na esperança de um amanhecer que trouxesse a salvação.

No rosto de Guilherme surgiu um sorriso maquiavélico.



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