Volume 1 – Arco 2
Capítulo 59: A Batalha do Sábio Miserável - parte 4
O olho bom de Guilherme brilhou de uma forma ardilosa, enquanto ele dava um passo para trás, recuando ainda mais e arrastando a estranha pá no chão, criando um longo risco na terra.
Eu preciso fazer esse bicho cruzar essa linha.
Com isso, poderei dar a eles tempo para fugirem.
O que aconteceu a seguir foi constrangedor como o espetáculos dos bêbados solitários nas praças da Terra.
— Deixe-a em paz, cachorro maldito! — A ordem do Sábio soou fraca, perdendo-se no barulho do bosque. — Tô aqui. Venha me pegar, por favor. Pare de machucá-los. Vem, vem, aqui...
O lobo ignorou.
Não, não, não…
Você transformou minha vida neste mundo num inferno.
Não pode, agora, ligar o foda-se.
Guilherme encarou o cenário aterrorizante. Ele olhou para o lado e viu Alonso lutando para se levantar, apoiando-se em sua espada. Mesmo com o corpo debilitado, era evidente que o Crista de Galo ainda queria lutar. Com determinação, ele segurou firme na espada e lutou para se manter em pé.
Guilherme olhou perplexo para Felipa e, ao notar o brilho de terror em seus olhos, respirou fundo e soltou um grito:
— IOO-HOO, cachorrão feio, filho de uma mãe de dez pregas, vem aqui seu maldito!
O lobo já havia aprendido que os humanos gostam de criar armadilhas. Eram criaturas ardilosas que usavam truques covardes. Ainda assim, era óbvio que foi isso que esses humanos fizeram durante a noite toda: criaram truques baratos para confundir sua atenção, para que pudessem vencer pelo cansaço. Seu tempo era curto, por isso decidiu eliminar presa por presa, começando pela maldita fêmea humana. A fera ignorou por completo a provocação do Sábio.
Guilherme sentiu um forte calafrio percorrer seu corpo ao perceber que havia sido desprezado por seu grande inimigo, tornando toda a estratégia que havia planejado inútil. Este era o pior cenário, algo que ele nunca tinha considerado uma possibilidade. Foi um erro grave. Desde o momento em que adentrou o bosque, planejou usar o próprio ódio da fera como sua última carta na manga. Portanto, nunca passou por sua mente que pudesse ser ignorado, e que essa jogada não funcionaria.
O que foi isso, será que ele não me odeia tanto assim?
Não, odeia sim, e muito.
Ele só está sendo inteligente.
Maldito cachorro esperto.
Dividir e conquistar!
O que faço agora?
Não vai dar tempo de chegar nele para dar uma cacetada com a pá, também não vai adiantar jogar uma pedra, ele não vai cair nessa outra vez, é certo.
O que eu faço?
Preciso de algo drástico.
Se eu tivesse uma Winchester 22 esse cachorro ia ver uma coisa…
Pera, pensando nisso, as palavras certas são piores que balas.
É isso!
Obrigado, João de Santo Cristo, vou dar para esse bicho uma dose do faroeste caboclo do bom e velho Brasil!
Guilherme espalhou nas bandagens do rosto o sangue que escorria da testa, e se concentrou na fera.
— Lobo… — disse como se tivesse proclamando um discurso —, eu sou humano coisa que você não é, e não ataco garotas indefesas, então olha prá cá filho-da-puta sem vergonha, dá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão!
Ao ouvir aquelas palavras, dentro do Lobo aconteceu um rebuliço de emoções tão grande, que ele cessou as investidas contra Felipa e encarou o Sábio, furioso. A criatura não entendeu o que era, mas uma força estranha obrigava-o a se concentrar naquele humano fraco como se ele fosse um inimigo muito poderoso.
Isso!
Funcionou… Legião Urbana nunca desaponta.
Agora que tenho a atenção dessa coisa, só preciso deixar ele com mais raiva.
Além de mentir, provocar é uma das minhas especialidades.
— Mas você é feio pra caralho. — Seu olhar determinado encontrava o olhar confuso e furioso do lobo. — Sinto pena de você, sinto pena da sua matilha, é verdade... eu sempre gostei mais dos vira-latas. Lamento muito por destruir a sua vida... sim, fui eu. Por isso, não estar focando nos humanos errados? Fui eu que enfiei uma vara cheia de meleca de lagarta no seu olho, seu maldito. Deixe-os em paz e vamos resolver as coisas, você e eu, de uma vez por todas. Ou o que restava de um líder de matilha derreteu junto com o seu olho, está com medo de mim?
A voz de Guilherme se silenciou por um momento, enquanto a fera, como se compreendesse cada palavra de desafio, esfregava dentes contra dentes e sacudia a cabeça. Em seguida, voltou-se e retomou sua concentração em Felipa.
Após se recuperar do estranho efeito causado pelas palavras misteriosas, o lobo sentiu uma ponta de humilhação por se deixar abalar por um humano fraco e patético. No entanto, ele ainda poderia beber do cálice da vingança, pois a fêmea humana estava ao seu alcance, e ele poderia saborear sua carne sem dificuldades.
— Guilherme — chamou a pedra —, ele está confuso, você pode se aproveitar disso, ele é uma fera, ainda assim, foi um líder, use orgulho contra sede de vingança.
— Eu errei, eu não matei os lobos da sua matilha, também não foi aquele gato. A matilha morreu por sua culpa. Ouviu isso, seu maldito? Você é o culpado! Eu sou fraco, por isso sei reconhecer um fracote. Por azar, a matilha tinha um líder fraco e covarde!
O coração do Lobo bateu acelerado, e ele parou, olhando para o Sábio Miserável com um ar mortal, como se aquela figura debochada fosse insuportável. Nesse momento, a fera já sabia que estava morrendo, que não veria um novo amanhecer, e aquele maldito humano era o culpado por sua desgraça. Ignorou a fêmea humana e concentrou-se na fonte de seu ódio, avançando em direção a ele, passo a passo, transformando essa luta em seu momento final. Em sua mente, ecoavam mantras de motivação: maldito humano, vou arrancar sua garganta. Maldito humano, você irá morrer comigo. Maldito humano.
O que restava do plano de Guilherme apressou-se em recuar ainda mais, aumentando a distância da fera entre os irmãos. Firmou o punho de sua estranha pá e ergueu a lâmina até a altura do rosto para esconder a visão da horrenda besta que se aproximava com aura assassina, ao mesmo tempo em que enchia seu coração de coragem. Levantou a mão e fez um sinal para os companheiros fugirem
Por favor, entendam… seus idiotas.
Vão embora, acabou para mim!
Ele baixou a pá e começou a bater nela com a pedra, enquanto trocava olhar com o lobo.
Isso, bicho feio, vem...
Talvez achasse que eu iria fugir.
Claro que pensou isso.
Não!
Eu escolhi ficar.
Não quero mais fugir.
A nossa história acaba hoje, maldito!
Felipa foi até o irmão e o ajudou a ficar em pé, e sem demora, eles entenderam toda a situação e as intenções do Sábio, porém reagiram com gestos negativos, dando a impressão de estarem prontos para voltar para a briga.
— Não sejam idiotas, eu cansei de vocês dois. É sério, são as piores pessoas desse mundo. DROGA, VÃO EMBORA!— O Sábio ordenou, assim que viu que todo o seu esforço ia pelo ralo outra vez. — É minha luta, vão embora, eu não preciso da ajuda de ninguém!
Naquele instante, ele começou a engasgar, sufocado com sua tolice. No entanto, ele não podia permitir que mais vidas fossem destruídas. Ele sabia que se os irmãos tentassem ajudar, a fera aproveitaria a oportunidade para atacá-los. Ele precisava convencê-los a partir de qualquer maneira possível, só que não queria que a última visão deles fossem a de um miserável.
— Felipa! — gritou, fazendo um gesto complacente com a mão. — Você disse que eu era perfeito para esse mundo. Você estava errada. Nunca fui perfeito para nada. Obrigado por cuidar de mim e me desculpe por ter sido um miserável, eu queria ter vivido mais com você e sua família, mas agora, quero que você suma, não venha me ajudar, vá para casa!
A garota parecia pálida e abatida, olhando com ansiedade para o irmão, todo tenso, naquele momento decisivo.
Como se pressentindo que aquele show fosse importante para o inimigo, o lobo aumentou a velocidade do ataque, usando tudo que tinha.
— Alonso... — Guilherme ainda precisava convercer o maior idiota de todos e quis gritar, mas a voz falhou. Ele teve que recuar passos para trás para ter tempo antes de receber o ataque da fera. — Leve a sua irmã para casa, pague sua dívida de gratidão e vá buscar seu sonho, viver sua aventura, não cometa o mesmo erro que eu!
Com o primeiro ataque da fera, o Sábio conseguiu evitar a mordida colocando a pá na frente, mas recebeu uma pancada com o esporão da cauda, e foi jogado para o lado, em direção ao pantano.
Depois de rolar, ele conseguiu ficar em pé, e com horror, viu que Alonso vinha para ajudá-lo, então decidiu contar a verdade: — Pare, seu idota, vá embora. Eu só fiz menti para você desde o começo, eu não sirvo pra ser amigo de ninguém, vá embora… — Ele parou por um momento, enchendo o pulmão de ar, decidido a ir até o final, porque ainda tinha muito para dizer, e não podia desperdiçar a chance de se redimir com o garoto de cabelo cor de fogo, então gritou liberando todo o ar reunido de uma vez só: — ALONSO, LAST DOWNFALL É REAL!
Para Guilherme, contar a verdade foi como tirar uma tonelada de vermes de suas costas. Só que agora, não restava mais nada para ele fazer, usou todas as cartadas e artimanhas, e após vencer o choque de contar a verdade, encarou a fera com seus imensos dentes salivando, rancorosa, olhando-o também. Sondou com o olho bom aquele rosto grotesco, desfigurado, com quase toda a parte esquerda em carne viva. A gosma ácida havia continuado a comer, gerando uma dor sem fim.
Isso deve está doendo pra cacete.
Cara, eu sei bem como é.
Às vezes ainda sinto o ferro quente queimando minha pele.
Olhando de uma forma amigável, pelo menos eu e esse bicho somos parecidos.
— Reparando melhor em você, não acredito que consegui te ferrar tanto assim. Você perdeu sua matilha, perdeu seu rosto e perdeu seu orgulho. Não vai adiantar procurar uma desculpa, compreende o que quero dizer? Tanto faz, só quero que saiba que eu também perdi muito…
Guilherme agarrou as ataduras no rosto, para evitar maiores explicações que não estava disposto a dar. Num estalo súbito, puxou todas as bandagens ensaguentadas revelando a cavidade escura do olho esquerdo e a imensa cicatriz.
— Agora, aqui, nossa história acaba, maldito!
Como se fosse atingido por um vento gelado do mais rigoroso inverno, o lobo sentiu seu corpo ficar gelado e enrijecer. Um tremor inexplicável dominou seus músculos e ouviu uma risada assustadora:
— Hhe… hhe… hhe…
...
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