Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 53: A Primeira Missão do Sábio Miserável

Guilherme se sentia perturbado dentro daquela clareira da morte, e ver o companheiro fragilizado não ajudou em nada em suas palpitações. Ele não pôde ouvir direito, mas sabia muito bem do que se tratavam as lamentações de Alonso.

Então, em um gesto peculiar, até mesmo para ele, o Sábio se aproximou de seu companheiro, colocando a mão sobre seu ombro e suspirando. Com o coração aberto, ele permitiu que seus pensamentos vagassem em busca de algo que pudesse confortá-lo da melhor maneira possível. No entanto, ele nunca foi bom em ser um amigo para ninguém, por isso não sabia como agir.

Em sua mente, só conseguia ver o rosto macabro e as expressões cruéis de Skog. Era capaz de ouvir nítido o riso falso e as palavras de ódio que o deus usou para ameaçá-lo. Essas lembranças não o deixavam em paz, estavam enraizadas nele, causando uma dor quase física, fazendo seu estômago contrair-se e seu coração palpitar com força.

Por isso, para o Sábio Miserável,  ver aquele garoto orar por esses deuses falsos era tão desagradável.

Você não gosta dessas criaturas.

Eu sei disso.

Você tá muito preocupado para chegar nesse ponto. 

— Não se rebaixe para essas criaturas, acredite em mim, isso não vai ajudar em nada. Chega de orações, não combina com você. Venha, levante-se, vamos encontrar sua irmã por nós mesmos. — Guilherme ajudou o companheiro a ficar de pé e, em seguida, deu um passo à frente, quase escorregando em algo pequeno e macio. Quando aproximou sua tocha do chão, seu único olho se arregalou. — Olhe isso, Alonso. — Ele apontou para vários filhotes de onça dente-de-sabre mortos ao redor deles.

— A fera não estava caçando. Traa, era uma mãe e só queria proteger a cria.

Neste momento, o coração de Alonso saltava em seu peito, mas não de medo, e sim de esperança, que ressurgia com força total.

Se a onça estivesse em um estado de autopreservação, ela não se importaria com uma pequena e inofensiva garota, mantendo seu foco apenas na matilha de lobos. Essa observação explicaria a grande quantidade e a condição dos corpos dos lobos. Portanto, se Felipa foi esperta o suficiente para aproveitar o caos da luta e escapar de forma sorrateira, as chances de ela ainda estar viva seriam muito grandes.

O Crista de Galo, se apoiando na espada e passando a tocha por todos os lados, caminhou para o centro da clareia e gritou com todas as forças dos pulmões:

— FELIPA… você tá escondida, não é? Você é esperta demais para morrer na briga dos outros. FELIPA, FELIPA, pode aparecer agora.

— O que você está fazendo, seu tapado? — O Sábio parecia nervoso. — Embora esses bichos estejam mortos, ainda pode ser perigoso. Bosta, eu não encontrei o corpo do líder da matilha junto das outras carcaças fedorentas.

Alonso ignorou os apelos do companheiro e usou a tocha para iluminar as moitas e os declives sombrios, mas não encontrou nenhum vestígio da irmã.

Guilherme ficou desnorteado, sem saber o que fazer. Ele encontrou quase todos os membros da matilha de lobos, pelo menos suas partes, mas ao concluir a busca, o pavor tomou conta dele, pois não encontrou o corpo daquela criatura deformada.

Não há dúvidas, foi aquele bicho feio que matou a onça.

Isso é manjado demais, não caio nesses roteiros meia-xícaras…

Ele vai aparecer em algum momento.

Isso é certo.

Mas quando?

Esses malditos clichês de filmes de terror.

— Alonso, me escuta, pare de gritar. Vamos avaliar a situação e pensar melhor.

— O que você quer que eu faça, então? Eu sei que ela tá aqui, pode tá machucada. Eu não vou embora sem encontrar minha irmã.

— Ah… não diga! Crista de Galo teimoso da porra.

— FELIPA, onde você está?

— Pedra, o que eu faço? Alonso vai matar a gente se continuar nesse escândalo.

— A morte é provável! Porém, quando o mal é inevitável, tudo o que pode fazer é ajudá-lo, é possível que encontrem uma boa solução — respondeu a pedra —, quanto antes encontrarem a jovem pedida, mais rápido vai acabar a missão.

— Droga, certa outra vez! — O Sábio entendeu que não havia outra solução e se uniu ao coro de gritos, porém, num timbre um pouco diferente: — FElipa, você está aí? FELipaaa…

Nenhum ruído, exceto pelo sopro do vento e o barulho das folhas nas copas das árvores. Os dois continuaram a andar por um tempo, por fim, eles alcançaram os limites da clareira, quando tudo começou a parecer desanimador.

Em certo momento, Guilherme e Alonso haviam parado de andar, dando a impressão de que estavam confabulando, pareciam que iriam desistir. A discussão terminou e eles se olharam, e então gritaram juntos:

— FELIPAAAA!

Em meio às touceiras de mato, uma cabeça levantou, muito furiosa. Era a Felipa.

— CALEM A BOCA, DUPLA DE PALERMAS — gritou ela, ainda mais alto que eles.

Guilherme e Alonso se olharam e comemoraram com um entusiasmo cativante. Os dois nem se importaram com o fato que ela os deixou se esgoelar à toa, tamanha foi a alegria.

— Ela tá inteira… — falou Guilherme.

— Traa, é verdade, parece que a língua grande dela tá no lugar… — inteirou Alonso.

— Conseguimos! — Os dois concluíram juntos.

Naquela noite fria do solstício da lua azul, Guilherme sentiu uma explosão de alegria que aqueceu seu coração. De uma forma um tanto distorcida e até um pouco vergonhosa, ele havia completado a sua primeira grande missão nesse mundo, um feito que ele só conheceu lendo as novels da Terra.

Embora ainda precisasse sair daquele maldito bosque vivo, isso parecia ser um detalhe insignificante diante de sua emoção. É verdade que ele já tinha lidado com o problema envolvendo um rato cauda-de-navalha na cidade de Carrasco Bonito, mas naquele dia tudo deu errado, então ele só queria apagar da memória tudo daquele lugar.

Desta vez é diferente, a sensação de realização era indescritível, e o Sábio acreditou que este era apenas o começo de uma jornada repleta de conquistas.

Eu consegui!

Agora sou um mercenário de verdade.

— O sucesso nasce do querer, da determinação e persistência em se chegar a um objetivo — também comemorou a pedra —, mesmo com medo, mesmo fraco, quem busca e vence obstáculos, no mínimo fará coisas admiráveis.

Ah, pedra estúpida, não fala essas coisas para mim…

Agora, a nossa aventura vai melhorar.

Tenho certeza!

Alonso deixou o Sábio pedido nos seus deslumbres e perguntou para a irmã:

— Por que você se enfiou no meio do mato? Tá ferida?

— Eu mereço, além de palermas, vocês são cegos? Não é hora para amolecer, aquela coisa ainda está aqui, é uma armadilha.

Felipa acenou para os dois irem se esconder, e depois tentou escalar uma árvore, mas o seu pé estava muito machucado, por isso ela não conseguiu.

Indiferente a todos os sinais de perigo, um grande sorriso se formou nos lábios de Alonso. Ele foi até onde a irmã estava, o mais rápido que conseguiu, já que sua perna também não estava nas melhores condições. 

— O que você está fazendo, Felipa? — Ele perguntou ao se aproximar. — Vamos sair daqui, não subir em árvores. Seu pé está machucado, venha, vou te ajudar!

— Você não escutou nada do que falei, ah, claro que não, tanto faz, agora nada disso importa. E a sua perna, o que aconteceu com ela? Você só trouxe a espada do pai?

— Eu acho que machuquei um osso, sei lá, não é nada demais, ainda consigo tirar você daqui. Guilherme vai ajudar a gente. Podemos usar a espada de muleta também.

Felipa arregalou os olhos, perplexa. 

— Bosta de porco! Você quebrou a perna, foi isso, mal aguenta se apoiar nela, para piorar, só temos uma espada e o paspalhão. Aquele garoto não é guerreiro. Ele vai borrar as calças e fugir no primeiro sinal de perigo, você sabe disso. 

Alonso esfregou a barbicha sem saber o que responder, já que não podia negar a falta de aptidão para a batalha de Guilherme.

— Ele vai pensar em alguma coisa para nos salvar, acredito nele — disse então, mantendo a confiança no companheiro. — O Sábio não é de batalha porque é um pensador.

Poucos segundos depois, Guilherme se reuniu com os irmãos, brandindo sua pá como um destemido explorador. Ele não ouviu as palavras do Crista de Galo.

— Por que vocês ainda tão parados? Pronto, ela está viva e bem, será que podemos sair desse bosque horrível — disse ele, recuperando o fôlego. 

— Esse garoto é um pensador? Dúvido, veja, a arma dele é uma pá. — Felipa olhou para Guilherme. — Por acaso você veio recolher terra? — Ela passou a mão pelo rosto, quis mostrar que estava desapontada com a sua equipe de resgate. — Um é covarde e o outro é sem noção, perfeito, a melhor dupla de palermas. Deus Krig, o que fiz para merecer isso? Aposto que Alonso quebrou a perna para te salvar, não foi?

— Eu sou um cavaleiro, entendeu? Caso contrário te daria uma boa resposta. Me enfiei nesse lugar maldito para te salvar, garota ingrata…

— É… quem vai salvar você?

Guilherme olhou para Alonso e travou a língua porque lembrou que não foi só para salvá-lo que ele se feriu, e havia mais erros envolvidos. Na verdade, tudo era culpa do Sábio Miserável, desde os lobos até o sequestro da garota e, por fim, a perna quebrada de seu companheiro. Ele compreendia isso muito bem e sentia-se horrível, e de forma mais severa por ter desconfiado das boas intenções do Crista de Galo. Ele havia agido como um autêntico miserável.

Para encerrar esse dilema que que estava azedando a alegria por completar a primeira missão, finalizou o assunto esperando que fosse compreendido da melhor forma possível:

— Eu estou arrependido por tudo que fiz, é verdade. Mas agora, só quero sair desse lugar. Não encontrei o corpo do líder da matilha, isso é ruim, aquele desgraçado é uma bela espinha no meu saco já faz tempo.

Alonso riu baixo, mas conseguiu conter a maioria das risadas.

— Você para de rir. — Felipa deu um tapa no irmão, para depois voltar para o assunto principal. — É isso que estou tentando dizer, por deus Krig, me escutem dupla de idiotas, aquela fera tá ferida, só que tá bem viva. Está escondido em algum lugar.

Droga, esse desgraçado poderia ter morrido de uma vez.

Foco!

Eu sou o único que tá inteiro aqui.

Como vou tirar os dois desse bosque?

Os segundos sucediam-se rápidos demais. Após o aviso de Felipa sobre o líder da matilha e a possibilidade de uma armadilha, a clareira tornou-se ainda mais sombria, criando um cenário aterrorizante.

Guilherme ligou os instintos ao máximo; no entanto, com apenas um olho, era complicado identificar qualquer sinal suspeito. Se ele pudesse sentir a energia das coisas como sentiu de Dick e da Tulipa Sangrenta, talvez pudesse ter uma ideia de onde estava aquele cachorro mutante. Só que ele ainda não sabia como essa habilidade funcionava, ou mesmo se funcionaria de alguma outra forma.

Sem alternativa, confiou em seus ouvidos, contudo, o vento noturno aumentou sua intensidade, e o barulho do vendaval nas copas das árvores dominou o local, tornando impossível discernir qualquer som além das batidas fortes do seu coração.

— Ronc, grrrr…

Um ruído terrível tirou a concentração do sábio, e ele ficou surpreso ao perceber que veio do Crista de Galo.

Alonso deu de ombros e disse: — Traa, tô com fome! — Ele arrancou um talo de capim dedo-de-anão e o enfiou na boca, triturando-o com os dentes.

Depois dessa grotesca cena, Guilherme desenhou na mente a possibilidade deles escaparem daquele lugar vivos, e o resultado foi perturbador.

Ah, nós vamos morrer!

Poxa, logo agora que completei minha primeira missão.

Droga!

...



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