Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 50: A Incursão do Sábio Miserável

Alonso avançava na frente, seguindo o rastro da matilha, mas Guilherme não conseguia regozijar-se com o fato, tal o pavor que sentia, nem mesmo a possibilidade de ser o herói de  uma mocinha indefesa era capaz de elevar seu ânimo.

Na maior parte da noite, ele conseguiu manter o ar de corajoso para o Crista de galo e quando, dentro do bosque dos sussurros, o garoto disse que havia encontrado o rastro dos lobos, o Sábio Miserável perdeu a compostura.

Na mente dele, de alguma forma distorcida, ele acreditou que poderia sair dessa missão de resgate sem ter que enfrentar as feras assassinas.

Foi uma aflição tão grande ouvir que a matilha deixou um rastro na floresta, que seus próprios desejos lhe soam como gritos incoerentes. Depois do choque inicial, ele conseguiu mostrar um pouco de determinação e falou para o companheiro que não se preocupasse, pois iriam salvar a Felipa. Olhou de forma cautelosa para a trilha e disse da forma mais simples possível:

— Para mim, isso não tem cara de rastro de lobos. Você tem certeza, Alonso, não sabia que você era um rastreador. Ainda podemos ir pelo caminho contrário. Vai ser muito melhor.

— Não sou rastreador. Algumas vezes persegui alguns porcos fujões, mas não entendo nada disso. Traa, não faz diferença, a sorte tá do nosso lado, veja só, os rastros são visíveis até para cegos, tô achando que os lobos criaram uma trilha para a gente. Isso é sorte meu amigo!

Sorte uma ova, seu tapado.

Aff…

Claro que os malditos deixaram uma trilha.

É uma armadilha.

Como vou sair dessa?

Guilherme sorriu tal qual  um bravo mercenário e acenou positivo com a cabeça.

Ele pisou numa poça de água que vinha do pântano. Mesmo com a luz das tochas, o bosque continuava escuro e tinha lugares que permaneciam na penumbra, cheio de pequenos animais correndo entre a vegetação, e não havia nem sombra dos lobos que querem arrancar seu couro, mas seu instinto o fazia senti-los, embora desejasse nunca mais vê-los.

— Espere que esteja satisfeito, pedra. — Guilherme protestou baixo para sua besta. — É a porcaria de uma armadilha, estou caminhando para uma armadilha e ainda tenho que sorrir como um bocó. Não vou fazer isso sozinho. Estamos juntos nessa sinuca de bico. Aff, e o Crista de Galo nem sabe o que tá fazendo, nossa!

— As estrelas do céu não podem deixar de brilhar, mesmo em suas mortes! Estou orgulhoso por não deixar Alonso sozinho. Você conhece os perigos, e mesmo assim continuou com ele. Talvez sua glória não seja um caso perdido.

— Ta, ta, ta... não gosto quando fala assim. Não sou criança. Além disso, o que vai servir o orgulho se a gente morrer.

— Uma morte com honra, uma vida gloriosa.

— Que se foda a honra. Você sabe que quero ficar seguro, eu só quero encontrar o lago sem fundo e dar o fora desse inferno. Eu só estou aqui por segundas intenções. Sei que Alonso será uma boa ferramenta para a minha ambição. Essa não é minha aventura.

— Será, não acho... apesar das trevas que envolvem seu corpo, há luz no seu coração, fraca e insignificante, mas há. Além do mais, uma boa morte pode ser uma grande aventura.

Hã?

Morrer será uma grande aventura.

É isso, né…

O que o Peter faria?

Não…

Morrer é uma merda, é ruim, é estranho, é o fim... e dói pra cacete.

Que saco…

Os sonhos se tornam realidade, se apenas desejarmos com força suficiente.

Sé é para ter essas ideias de mortes fajutas, essa pedra falastrona poderia ter asas e jogar o pó de pirlimpimpim na gente.

Né, Sininho?

Será que o Peter espiava a calcinha dela? Ela usava calcinha? O que?

Droga!

— Custe o que custar, eu não vou morrer hoje, pedra!

— Independente do que aconteça, terá que contar toda a verdade para Alonso. Companheirismo não pode começar com mentiras.

— Hum, ferramentas não precisam da verdade, só de um propósito. — Ele olhou o Crista de Galo indo na frente, confiante que a sua retaguarda estava guarnecida. — Bem… é né, mas vamos ver o que acontece primeiro.

— E você, tem um propósito?

— É claro que tenho. Quero voltar para casa... — Guilherme se sentiu estúpido, e um pouco confuso. — O que é isso, pedra? Não é a mesma coisa.

— O propósito é uma arma sem mestre.

— Hum…

Eu queria amigos.

Queria uma namorada.

Queria viver uma grande aventura.

Só que esse isekai é um maldito inferno.

Eu não vou conseguir nada aqui.

Eu conseguiria em qualquer outro lugar?

O problema é o lugar ou a pessoa?

Não, tô certo… esse mundo que não presta para mim!

Também não gostava da Terra, não era isso?

Droga!

Ao sair da toca do coelho, Guilherme encontrou Alonso parado à frente, olhando-o curioso, e após os dois ficarem lado a lado, eles aceleraram os passos juntos.

— Não fique muito para trás porque aqui é fácil das pessoas desaparecerem — disse o garoto de cabelo tom de fogo. — Guilherme, quem é a pedra? Por que você  fala com o seu colar?

— O que? — O Sábio foi pego de surpresa. — Meu colar só é uma pedra — disse apertando ainda mais o passo.

— Eu acho que não. Já vi você outras vezes falando sozinho. E quando limpamos suas feridas, eu e Felipa tentamos de tudo para arrancar esse colar, e não saiu nem a base da marretada. A testuda também falou que viu você falando com a pedra.

Guilherme, que não queria enfrentar esse assunto porque tinha péssimas lembranças das vezes que tentou, inclinou-se para frente e fez uma espécie de careta. No entanto, ele recordou as palavras da pedra sobre falar a verdade e também considerou que seria uma ótima oportunidade para testar o misticismo do companheiro.

— Você tem razão. Desculpa mentir. Passei por maus bocados por causa dessa habilidade. Sei que você é uma pessoa legal, mas fiquei assustado com a ideia de contar a verdade. Não queria ser considerado maluco.

— O que tem de maluco nisso, eu falo com os porcos.

— Mas eles não respondem de volta, pera aí, eles respondem?

— Traa, você é engraçado. — Alonso riu. — Está bem, entendo você. Essa pedra é mágica?

Guilherme sentiu-se confortado no momento que Alonso não demonstrou ressentimento, por isso ficou motivado com a ideia de contar um pouco da verdade, não tudo... claro que não. Ele ainda era o Sábio Miserável.

— Cuidado com o que vai contar, Guilherme — avisou a pedra —, não sabemos se ele é um herói em busca de Last Downfall. Ainda há possibilidades dele ser um inimigo sorrateiro.

Droga, ainda tem isso.

De fato, não posso contar toda a história.

Esse pedregulho acaba comigo: fala a verdade, não fala mais...

Bosta!

— É isso mesmo. Ela é uma pedra mágica do grande rio capaz de falar — inventou uma história, afinal —, e fala pelos cotovelos.

— Grande rio? Traa, qual?

— Bem, você sabe, o grande rio…

— Não sei!

— Ah, bem, é um mistério, eu só ouvi histórias, certo, o importante é que esse pedregulho pode falar.

—  Quero ouvi. Perde para ela falar comigo.

— Desculpa. Não é assim que funciona. Só eu que posso escutar.

— Tra... que pena. Tudo bem. — Alonso voltou a se concentrar apenas em abrir a vegetação com a espada.

— Pera, pera, o que foi isso? Não vai duvidar de mim? Eu posso tá mentindo para você. É só o QUE PENA e o TUDO BEM, nada mais?

— Tá mentindo para mim?

— N-não!

— Pronto, só isso basta, tô satisfeito. Acredito em você. Eu lembro das  histórias dos anciões da minha terra natal sobre grandes guerreiros e suas feras mágicas, que no tempo dos heróis disputaram grandes tesouros. É verdade mesmo, a fera que representa meu povo é o crocodilo.

— hum.. sim, entendo — respondeu Guilherme mantendo a compostura, só que sua mente já havia dado duas voltas. — É melhor a gente se concentrar no rastro para não acabar caindo nesse pântano.

Após isso, Alonso se concentrou apenas no caminho.

Então era isso. Guilherme queria que essa situação continuasse num bom clima, amigável, enquanto eles não concluíssem a missão de resgate da Felipa.

Ficou orgulhoso porque a ideia de inventar uma história foi muito boa, e conseguiu mais do que esperava.

Contudo, foram informações preocupantes e viu sinais de que não seria assim tão simples encerrar essa missão. Por mais que quisesse acreditar na simplicidade do companheiro, não poderia cometer esse erro, pois qualquer esperança sem fundamento nesse mundo seria fatal, e tinha uma cicatriz e um buraco no rosto para lembrá-lo disso.

— Pedra, o que você acha? — Ele disse tão baixo que foi quase um murmúrio.

Guilherme estava a poucos passos da parte alagada do pântano. O ar se tornou ainda mais gelado. O cheiro era de vegetação em decomposição. A sua impressão foi de que esse lugar era perfeito para desovar defuntos, e seria fácil desaparecer com uma pessoa sem deixar rastro.

— É difícil dizer. Não sei. Mas a menção sobre guerreiro, fera e do grande tesouro, hum…

— Não me venha com HUM agora, desembucha!

— É nítido que o relato dele é uma referência aos heróis, as bestas lendárias e Last Downfall. Está tudo interligado.

— Percebi isso. Ele falou que o crocodilo era a representação do povo dele.

— Não sei. Só é estranho.

— Não gostei disso, para de falar as coisas pela metade, droga. O que foi?

— Eu não quero confundir sua razão, ainda mais nesse lugar. Só que os deuses são mesquinhos, cada um deles possui a sua área de domínio. Skog é o senhor das florestas e não há uma besta lendária representada pelo crocodilo sob o seu controle.

— Ele acabou de falar, será que mentiu?

— Não vejo dessa forma. O jovem também falou que o deus Sjel era o deus dos seus ancestrais.

— Foi, ele falou isso quando estávamos no chiqueiro, e daí?

— Não há uma besta lendária, mas há o grande espírito do crocodilo.

Puta merda!

Sjel é o deus das almas…

Nesse instante, o Sábio acercou-se, segurando firme a sua estranha pá.

— Não gosto disso. Pedra, você conhece os poderes e representações de todos os deuses?

— Agora não é hora para isso.

— Como não é a hora, desgraçada? A situação só fica cada vez melhor para mim, e você fecha o bico, é isso?

— Não perca o foco, aqui é um ambiente perigoso demais.

Alonso parou e olhou ao redor, então fez sinal positivo para o Sábio. Ele parecia que tinha encontrado algo.

Com o coração aos pulos, Guilherme percebeu que uma terrível suspeita o invadia.

Não!

Ele é diferente que essa gente podre desse mundo.

Tem que ser.

Ele disse que queria ser meu amigo.

Mas se for uma armadilha?

Por causa do pânico da dúvida, ele confundiu o olhar animado do Alonso com o olhar sorrateiro de uma serpente. Mesmo no escuro ele podia ver o brilho maligno naquele par de olhos que o fitavam, enchendo sua mente com pensamentos perversos.

Droga, droga, droga.

É isso, todos nesse mundo vão ser meus inimigos!

O que vou fazer?

Alonso se esforçou para abrir uma clareira e em seguida fez outro sinal chamando o Sábio para perto dele.

Quando se aproximou do Crista de Galo e sentiu que estava cercado, Guilherme olhou em volta assustado.

— Guilherme, cuidado, não fica muito perto da água — avisou Alonso, enquanto recuperava o fôlego pelo esforço.

A margem do pântano limitava o espaço.

Naquela parte do bosque havia vestígios de luta, mata revirada e plantas quebradas, e marcas de algo que foi arrastado e uma sinistra trilha que levava além daquele lugar.

O sábio não tinha a menor ideia do que aconteceu ali, mas num ambiente como aquele, que tinha a maior movimentação de criaturas perigosas à noite, ninguém acharia estranho encontrar uma pessoa desmembrada no final dessa trilha. Aliás, não seria surpresa que o corpo desmembrado fosse o da Felipa.

Só que ele tinha preocupações maiores. Ao ver Alonso levantar a espada, Guilherme ficou apavorado.

Então é isso, é agora que vai tentar me matar.

Eu posso usar o pântano para escapar.

É a única saída.

Droga, Alonso, acreditei em você, por um momento pensei que tinha um amigo.

Sou um idiota.

Guilherme recuou com passos lentos para a margem do pântano, sua ideia era mergulhar e fugir para longe. De repente, um crocodilo amarelo saltou da água com incrível agilidade com a imensa boca aberta pronta a abocanhar todo o tórax do Sábio.

— GUILHERME, PULA PARA O LADO — gritou a pedra.

O medo travou os músculos dele, que já não podia responder com nenhuma reação e tudo que conseguiu fazer foi admirar a quantidade de dentes afiados na boca da fera.

O que... um crocodilo... é muito dentes.

Então foi isso.

Alonso convocou esse bicho para me devorar.

Que pena…

No fundo eu sempre soube que não era capaz de ter amigos verdadeiros.

...

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Oi, queridos leitores,

Quero compartilhar com vocês que Last Downfall alcançou a marca de 60 mil visualizações. É um número fantástico, e fico muito feliz em saber que há tantos leitores que gostam do mundo que criei.

Para comemorar, criei uma arte comemorativa para dar um gostinho do que ainda está por vir; grandes e emocionantes aventuras.

Bem, é isso. Não esqueçam de comentar, gosto de ler as opiniões de vocês. Também curtam e compartilhem com os amiguinhos. E se puderem me apoiar, será ainda melhor.

Um beijo para todos e obrigada por fazerem parte dessa jornada incrível.



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