Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 49: A Preparação do Sábio Miserável

Dentro do casebre de ferramentas procurando alguma coisa que pudesse usar como arma, Guilherme sentia sua mente naufragar na incerteza.

De todas as burradas que fiz, sem dúvidas essa foi a maior!

Onde estava com a cabeça para me enfiar nessa missão de resgate.

O pior de tudo é que aquela garota nem gosta de mim.

Aff!

Tudo à sua volta parecia o início de um jogo de terror, daqueles que o jogador aperta o start e reza.

O lugar tinha o aspecto sombrio de um arsenal abandonado. No entanto, o estoque era composto por ferramentas agrícolas, nada relacionadas aos jogos que ele conhecia tão bem. De certa forma, ficou desapontado, pois, em uma missão comum nos mundos dos games, ao abrir uma porta, seria certo encontrar todo tipo de armas.

Não tem nada que presta aqui.

Bosta, o desgraçado do Aliam foi um soldado, será que o infeliz não guardou nada dessa época?

O que vou fazer com um arado feito de madeira?

— Guilherme — chamou a pedra —, você precisa encontrar algo feito de metal, com um belo fio de brilho. 

— Você acha que eu tô fazendo o que? Ora, mas aqui só tem ferro enferrujado. As coisas boas são pesadas demais. Com a força e resistência que tenho no meu fichário do jogador, se ficar carregando coisas pesadas pra cima e pra baixo, vou ter um enfisema e morrer.

— O rabo do cavalo sempre irá abanar no lado mais liso. É melhor priorizar a mobilidade e a agilidade.

— Sei, sei… posso perguntar para a Mia se ela não teria uma faca, ou coisa parecida.

O tempo estava passando rápido, e a cada minuto parecia que a noite ficava mais tensa e escura. Mas lá estava o curioso mercenário, revirando tudo, movendo caixas e virando barris, de modo que ninguém pudesse dizer que o sábio não estava empenhado, pelo menos para sua própria segurança.

— Você desistiu, covarde? — Era a voz do Aliam vinda do lado de fora. — Se está enrolando para o dia amanhecer, é melhor ficar aí mesmo.

Esse maldito.

Droga, o que não daria para encontrar um facão perdido por aqui.

Quero tanto encontrar a minha arma logo.

Usar minhas habilidades.

Que ironia! O depósito de ferramentas que não tem um facão. Se estivesse na Terra, um lugar como esse teria facões por toda parte, só que não estava na Terra. Guilherme, no calor do momento, quando escolheu o tipo de sua arma, não levou em consideração que talvez esse modelo pudesse não existir nesse mundo.

Eu queria um facão tripa seca afiado na pedra.

Bem… não é a Terra.

Isso só prova que não conheço nada aqui.

Não posso escolher as coisas de supetão.

Nossa, o quanto errei com o Fichário do Jogador?

Trevas…

Eu fui muito estúpido.

Era para ter reservado a escolha das habilidades para outro momento.

Depois que reunisse mais informações.

Aff…

Ele não queria se aprofundar nessa possibilidade, porque se fosse verdade, estaria muito ferrado.

Continuou buscando, e quando virou um caixote e um amontoado de coisas se esparramou no chão, ele encontrou algo muito estranho. A maioria das coisas era tudo porcaria velha, no entanto, havia uma ferramenta que além de velha, tinha uma forma bizarra até mesmo para esse mundo.

Era uma espécie de pá alongada diferente de tudo que ele já viu, e para considerar, ele viveu boa parte da antiga vida na Terra num sítio, por isso entendia do assunto ferramentas agrícolas.

O objeto tinha a  forma retangular e comprida, que seguia até um guarda-mão e terminava afunilando num cabo de madeira rudimentar. Uma extremidade tinha marca de fio, o que demonstrava que essa coisa foi criada para cortar. Era feita de metal, porém, estava toda enferrujada.

Acima disso tudo, o estranho mesmo foi quando a pegou, já que pelo tamanho e espessura esperava que fosse muito pesada, só que era tão leve quanto segurar uma faca comum.

Guilherme ficou intrigado e quis saber mais. Ele pegou um garfo de feno quebrado e ativou sua habilidade.

Que isso! 

Osso de galinha é mais forte que esse pedaço de ferro.

Essa merda não serve para nada.

Guilherme pegou a estranha pá para analisar a composição.

Hã?

Então meu pressentimento tava certo, o metal desse troço não é comum.

Mas já é roubo, vou precisar do nível 3 para avaliar.

Pelo menos agora sei que todas as minhas habilidades podem evoluir…

E o principal:

Há itens nesse mundo acima da média!

Será que dessa vez tirei a sorte grande?

Bem…

— Ei, pedra, você conhece essa coisa.

— Nunca vi uma arma com um formato desse. 

 — Pera, por que você diz que é uma arma? É bem grande, pode ser algo feito para cortar touceiras de mato e lenha. Os talos do capim dedo-de-anão são grossos, por isso um troço desse faria sentido.

— Não, isso é uma arma criada para matar grandes inimigos. Uma ferramenta de capinagem não iria precisar de um guarda-mão.

— Isso é verdade. É feita com um metal estranho. É enorme, mesmo assim é bem leve. Será que é resistente?

Ele bateu a estranha pá contra o pedaço de ferro do garfo, que se partiu em vários pedaços com muita facilidade. Em seguida, golpeou a lâmina de uma foice, que também se partiu ao meio. No entanto, nem mesmo um fragmento da crosta de ferrugem da estranha arma foi arrancado. 

— CARACA!

— Vai escolher ela para a batalha?

 Não faço ideia para que isso foi feito.

Mas é claro que não é normal.

Não posso ignorar algo assim.

Finalmente tive sorte?

Vai que durante a batalha esse troço não revela runas sagradas.

Yay!

Aí vou à forra!

— Vou! Isso aqui tá tão cega que não corta nem papel, mas pelo menos é larga e bem dura e vou poder usar como escudo.

Para finalizar, ele reforçou as bandagens no rosto, ajeitou a roupa em seu corpo, a mesma com a qual havia viajado desde a vila Folha Seca, e pegou a estranha pá.

Mostrou-se destemido ao sair do casebre de ferramentas. Aliam fechou o semblante, olhando o Sábio e a sua arma provisória por angustiantes segundos, estudando-os.

— Foi para isso que demorou? — O homem manco reclamou. — Está ainda mais deprimente do que antes.  — Ele não conseguia esconder a sua frustração por ter que confiar a vida da sua filha para um miserável de lugar nenhum.

— Suas bufadas não vão ajudar em nada, homem… — Mia passou pelo marido, empurrando-o de leve. — Pegue, isso vai ajudar com a escuridão do bosque — Mia entregou uma tocha encharcada com banha de porco para o Sábio. — Por favor, salve minha filha. 

— Certo! — Guilherme pegou a tocha e em seguida levantou a estranha pá. — Eu vou usar isso aqui, tudo bem?

— Não disse que podia usar o que quisesse? Não crie caso e vá de uma vez. 

— Eu sei, tá bom, mas antes, pode dizer como usa isso?

— Não sei! Depois de uma missão além das terras do leste para a guilda dos heróis, meu pai trouxe isso para casa, eu ainda era um menino. Como ele nunca falou de onde veio ou eu descobri para que servia, acabou indo parar junto das ferramentas velhas. Eu até tinha me esquecido disso. Satisfeito? Vai enrolar mais?

Hum…

Tem toda a cara de um clichê mais melado que puleiro de galinha.

O item esnobado irá revelar ser uma relíquia sagrada.

Se bem, como nesse mundo todos os clichês são distorcidos, o efeito dessa coisa deve ser invocar uma criatura horrenda para me devorar.

Aff!

Depois de finalizar a preparação da melhor forma possível, Guilherme encontrou Alonso na margem para o bosque dos sussurros, e o comprimentou com um sorriso tão frio quanto a própria noite, pois o receio de voltar para aquela floresta maldita estava mais vivo do que nunca.

Ele brincou mostrando a sua arma em forma de pá, enquanto Alonso olhava para a escuridão da floresta, silencioso.

— O que você acha que vamos encontrar lá dentro? — O Sábio perguntou.

— Não importa! Traa, eu e você, amigo, vamos salvar a testuda.   

Guilherme sorria e insistia em parecer destemido, mas seu interior estava em frangalhos porque quem tinha a frase “ração para cães” escrita nas costas era ele. 

Aliam se aproximou e desembainhou a sua espada, e a estendeu para Alonso, que respirou fundo e a rejeitou.

— Não gosto de armas. São desajeitadas demais. Prefiro esmurrar rostos com as minhas mãos.

— Não é hora para suas besteiras, garoto. Você não vai entrar nessa floresta sem uma arma de verdade.

— traa, com um machado de guerra eu poderia rachar bastantes cabeças. — Alonso levantou as mãos e disse orgulhoso: — Não fique preocupado, essas armas servem porque são mais pesadas que martelos de ferro!

— Cala a boca, Alonso, lá dentro tem muito mais que lobos. Você sabe muito bem disso. Esta é uma boa espada, não é das melhores, mas foi o que sobrou da minha vida de soldado. Que a glória da guerra lhe acompanhe. Ela será útil a você.

Droga, esse manco maldito.

Se sabia que o Crista de galo não queria a espada, poderia dá-la para mim, seria melhor que essa pá.

Se bem, qual seria o efeito de usar uma espada se minha arma determinada é um facão?

Tanto faz, ela corta e é tudo que importa.

Alonso inclinou a cabeça, aceitou e empunhou a espada, sentiu como se estivesse segurando uma pesada placa de ferro, mas se deu por satisfeito para não preocupar mais aquele pobre pai.

Aliam olhou com desdém para a arma do Sábio e disse:

— Com tantas outras ferramentas mais afiadas, você escolheu mesmo esse pedaço de ferro enferrujado. Uma coisa que nem serve para camponês cuidar do campo. Você tem algum problema no juízo?

— Eu sei, não faz sentido, então não encha a porra do meu saco, droga!

Eu queria tanto uma katana, ou até mesmo aquela espada ordinária que esse maldito deu para Alonso.

Eu sei que estou indo enfrentar a morte, e armado com uma pá enferrujada.

Mas não tenho outra escolha, não encontrei um facão e tenho um pressentimento sobre essa.

se bem...

Essas coisas não funcionam para mim.

Calma, posso testar depois... agora preciso me concentrar no que tenho.

É isso!

Um vento gelado soprou vindo do bosque, e a escuridão, por um momento, parecia possuir olhos.

— Que deus Krig lhes favoreça na batalha, garotos. Sejam fortes.

A voz da Mia tirou Guilherme da toca do coelho.

— Quero minha filha viva e inteira — completou Aliam, e depois abraçou a esposa.

Alonso olhou para o casal e fez um sinal positivo, em seguida olhou para o companheiro.

— Vamos, Sábio Miserável, para o fundo dessa floresta do mal. Hoje todos nós iremos ganhar belas mantas feitas de couro de lobo.

— Bem, sim! — Guilherme quis parecer destemido.

Os dois entraram no bosque dos sussurros.

Depois de alguns minutos de caminhada e sob o grosso cobertor da noite, Guilherme sentiu muito frio, e mesmo agitando os músculos e usando o calor das tochas, uma série de tremores involuntários percorria o seu corpo.

No frio, o nível de perigo aumenta até as estrelas.

Droga!

Os focos de luz das duas tochas se tornaram menores, e mais menores, até que foram devoradas pela escuridão. Aliam e Mia não conseguiram mais avistar os pontos luminosos, isso indicava que os garotos estavam sozinhos.

Não demorou para Alonso conseguir encontrar vestígio da matilha.

Os rastros das feras que levavam ao interior daquela mata escura eram sinuosos. Formando um caminho que serpenteava entre árvores altas e atoleiros de um pântano, percorria a região ao norte, com a grande lua vermelha como ponto de referência.

Tanto Guilherme com o sua pá, quanto Alonso com a espada, usavam as armas para desbastar a vegetação.

Tratava-se de um ambiente perigoso e sinistro, de modo que Guilherme estremecia, arrependido, por ter aceitado a missão. As únicas vezes que ele entrou no bosque dos sussurros era dia, e mesmo assim era assustador. Mas durante a noite, aquele lugar ganhava traços macabros e cruéis.

O que fui fazer?

Só me meto em furadas.

Pelo menos não tô ouvindo os sinistros sussurros.

Pensando nisso, o quanto me afastei daquela porcaria de cidade.

Carrasco Bonito…

Olhou para Alonso, que ia na frente seguindo o rastro e usando a espada para abrir caminho na vegetação.

— Ei, Alonso, essa floresta ainda faz parte do Bosque dos Sussurros?

— Sim, é tudo o mesmo pedaço de merda. Porque tá perguntando isso? Então você veio do Norte? Escutou os cantos das sombras? Dizem que os sussurros são os lamentos dos covardes mortos. Aliam conta muitas histórias sobre isso — respondeu Alonso, ainda focado em abrir o caminho pela mata.

— Você nunca ouviu?

— Escutei sim, só não ligo. Traa, às vezes eles contam boas piadas. Mesmo assim, o que eles dizem não significa nada, porque somos nós que traçamos o nosso caminho. Mas não liga pra isso, não precisa se preocupar, essa parte do território não tem sussurros.

— Como assim território?

— Essa parte da floresta é tudo a mesma coisa. Ela só vai terminar na muralha de Rubi. Por causa da proximidade do Reino da Árvore Sagrada, aqui sofre bastante influência do Jardim das Rosas Sangrenta e as runas de proteção dos elfos. Por isso as sombras aqui não são tão tragalelas. — Alonso riu enquanto enxotava um pequeno animal curioso. — Ainda assim, é melhor ficar atento para não ser devorado.

Devorado…

Hrr!

Mas…

Muralha de Rubi?

Runas?

Jardim das Rosas Sangrentas? 

Eu já ouvi isso.

Sim, foi na Cidade De Carrasco bonito, tenho certeza.

Tem a ver com os orelhudos e aquela mulher sinistra.

A Rainha Vermelha.

Eu não vou botar os pés nesse lugar.

Se bem, um muro todo feito de rubi… nossa, só um pedaço dessa coisa deve valer muitas moedas.

Não… deve ser só uma falácia, não caio nessa, não vou chegar perto disso…

Nem pensar!

Quando salvar a sardenta, vou na estrada contrária... sim senhor!

Usando a pá para cortar as moitas de mato, Guilherme continuou avançando, com a camisa empapada de suor pelo esforço, apesar do frio da noite.

...



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