Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 48.8: A Investigação Do Aventureiro - parte 4

A praça central da vila de Gurupi estava movimentada, repleta de camponeses que haviam sido arrancados de suas camas logo cedo. As faces abatidas dos peregrinos denunciavam que eles não estavam felizes, mas os extintos de Liel o avisaram de que era apenas o olho da tempestade.

Ele encarou o arqueiro, que diferente de todos, era o único que estava contente.

— Tem algo de muito errado aqui. Você disse que precisava de mais informações. — Meio incrédulo, o líder cochichou para o companheiro. — Você armou alguma coisa que eu ainda não descobri!

— Preste atenção — disse Ramsdale, andando com cuidado para frente e ignorando o loiro e o descabelado. — Independente do que ouvir, não saque a sua espada.

Tanto Liel, quanto Clint, se olharam sem entender nada.

— Neste triste dia, diante de todos vocês, vou compartilhar meu coração pesado e a dor que sinto em meu íntimo. — O Regente começou a discursar, sua expressão era tal como a do defunto dentro do caixão. — A luz do Grande Pai é a glória que libertará as pessoas do jugo de uma fé maligna, suas palavras são que a empatia e o apoio mútuo são os pilares que sustentam os impérios humanos em terras dominadas pelos monstros…

“Vocês se esqueceram, os humanos já foram alimento de pragas. Ah… vocês se esqueceram, são filhos e filhas que nasceram na paz…

“A luz do grande Pai é o farol que afastou as trevas do mundo. Cada gesto, cada palavra e cada ação foram conduzidos pela mais profunda convicção de que o sol da manhã pertence somente aos homens...

“No entanto, devo confessar que estou desapontado. Desapontado não apenas com aqueles que mentiram para mim, mas também com a realidade que se revelou diante dos meus olhos: há traidores nessa vila que renegam a superioridade humana. Quando estendi minha mão para ajudar um povo que era atormentado por uma fera assassina, imaginei que encontraria solidariedade, gratidão e um senso de humanidade compartilhado. Infelizmente, nem sempre é assim...

“O Círculo Dourado é o braço forte que leva a justiça do Grande Pai ao injustiçado. Quando um de seus filhos é ferido, é como ferir o próprio coração do Pai protetor. Nessa madrugada, enquanto um irmão doava sua vida para garantir a segurança desta vila, foi atacado com extrema violência. Os agressores, não menos que bestas furiosas, desfiguraram seu rosto e quebraram vários ossos do seu corpo. Pergunto-lhes, para que tamanha brutalidade para com quem só queria manter a paz? Nesse exato momento, o bravo homem está lutando apenas para respirar. ”

Ramsdale olhou para Liel e fez um gesto de repreensão, o qual o loiro respondeu dando de ombros.

— Não é fácil lidar com a desilusão — continuou o Regente. — Há momentos em que a tristeza e a desesperança parecem querer consumir tudo o que há de bom dentro de mim. Só que eu acredito na superioridade do espírito humano, por isso é justamente nesses momentos que devo me lembrar do verdadeiro propósito por trás da minha missão. Eu ajudei vocês não por esperar reconhecimento ou retribuição, mas porque acredito que são merecedores da salvação que o Grande Pai distribui de bom grado... 

“Por isso, apesar da ferida aberta pela traição, eu ofereço a misericórdia aos agressores. Se até o pôr sol, os responsáveis não se apresentarem, o Círculo Dourado irá deixar essa vila. Não preciso lembrar que é nossa presença que mantém o mal afastado de suas casas. ”

— Curioso isso, vocês chegam e o mal se vai, vocês se vão e o mal volta. No caso, me esclareça um detalhe, a qual mal você se refere, já que a sua bondade já eliminou a fera e jogou o responsável para a justiça do fogo? — Ramsdale perguntou e, ao ouvir sua voz, Sebastião localizou a cabeça verde entre os camponeses.

— Você ainda está aqui. — O rosto do Regente, supresso, estava de uma cor avermelhada e seus olhos não se fixaram ao encarar o arqueiro. Um peregrino foi até ele e indicou a posição de Liel e Clint.

Liel ficou de cara fechada e Clint acenou com um grande sorriso.

— Por qual razão o grupo Manoplas da Força permaneceu nessa vila?

Os camponeses que estavam em volta ficaram ainda mais perplexos com o atrevimento de um rapaz questionar a autoridade de um representante do Círculo Dourado, ainda mais sendo tão jovem.

O chefe ancião se aproximou de Liel e perguntou de forma discreta, porém, com os olhos desconcertados:

— Jovem aventureiro, seu companheiro enlouqueceu? Ele quer condenar todos nós à fogueira?

— O tempo é curto — respondeu o loiro, e apenas um nervo retesado em seu rosto demonstrava que também não gostava do que estava vendo. Sem olhar para o ancião, disse: — Quando decidem abaixar a cabeça para o círculo, a fogueira é questão de tempo. — E continuou observando o jogo do arqueiro.

Sebastião achou difícil aceitar o atrevimento de Ramsdale, mas também não quis pedir para ele abaixar a arrogância. Quase todos os moradores da vila estavam presentes e entendia que só precisava de um deslize seu para colocar a conquista dessas pessoas a perder.

Entendendo que o Regente estava com as mãos atadas, Ramsdale provocou ainda mais o homem, tão inchado quanto um tomate maduro:

— Acredite nas minhas palavras, nós estávamos prontos para voltar para a estrada essa manhã, mas vimos essa agitação e ficamos curiosos. Por isso, diga-me a qual mal você se referiu?

— O que há de errado com você, aventureiro? Se não estou enganado você afirmou que era o cérebro do grupo, pois bem, agora me diga você, que tipo de aventureiro faz uma pergunta como essa? — Sebastião decidiu navegar a tempestade. — Há muitos males vagando pelo mundo, nem mesmo a Guilda Dos Heróis pode lidar com todos. Essa é a verdade, não há humanos suficientes para aplacar a fome deles. Por isso, não se pode afirmar que logo após partimos não irá surgir outra criatura muito pior. Outra com ânsia de castigar os humanos impuros.

— É muito apropriado outro mal surgir logo após a partida do círculo, bem… — comentou, gostando muito do pouco que havia ouvido — aproveitando que está bem disposto, pode me contar porque trocaram os amuletos de proteção? É uma nova crença? A cor verde é melhor?

— O que está insinuando, aventureiro?

— Nada, nada, só fiquei curioso do porquê tentaram camuflar os novos cristais. — Ramsdale riu. — Vocês querem acabar com a fé das pessoas, por isso acho que ficaram tímidos em demonstrar a nova crença, foi isso?

As pessoas que estavam em volta começaram a cochichar como se fossem um coral de cigarras curiosas.

Sebastião percebeu o que estava acontecendo e reagiu da pior forma possível.

— Não ofenda o poder humano falando de meras crenças. O grupo Manoplas da Força não é conhecido, eu nunca ouvi falar de vocês, isso significa que são novatos. Aventureiro, o que vou falar pode salvar sua vida; o Círculo Dourado e a Guilda dos Heróis não são inimigos. Muito bem... — Ele elevou a voz. — Se os responsáveis pela agressão não se apresentarem até o anoitecer, nós iremos nos retirar e deixar essa vila sob a proteção do grupo de aventureiros Manoplas da Força, e veremos se serão capazes de evitar a festa noturna.

— O que pensa que está fazendo? — Liel, junto de Clint se aproximou do arqueiro. — Sou eu que não consigo me controlar, é isso?

— Vamos, está na hora de irmos — disse Ramsdale.

Os três companheiros começaram a se afastar do centro da muvuca que se criou com o anúncio do Regente, umas pessoas ficaram furiosas, outras aliviadas, mas todos os peregrinos pareciam mortais.

— Diferente de seus atos, caro amigo — continuou o arqueiro —, minha jogada foi planejada. Isso mesmo, temos a certeza que eles são os responsáveis pela criatura. Agora, vamos assisti-los baterem as cabeças, e não vai demorar para um dos canalhas nos levar onde escondem o trunfo deles. 

— Eles podem controlar um Varcolac? — perguntou Clint, indignado com a ideia de que humanos estejam trabalhando juntos com vampiros.

— Não tenho certeza que seja um Varcolac, bem, penso que é impossível que seja um desses monstros. Tenho certeza que todos eles foram extintos. Em todo caso, só precisamos encontrar o que estão usando para controlar a criatura que iremos descobrir sua natureza.

— Isso não importa, maldição, tudo aqui é um espetáculo do círculo, esses malditos — bravejou Liel.

Virou-se e analisou o caos que se encontrava o centro da vila. Era enorme o desespero das pessoas. Indiferente a tudo isso, os Peregrinos Dourados reuniam todos os seus membros. Seguindo a estratégia do amigo, ele sabia que esse era o momento ideal para desmascarar o plano deles.

— Aventureiros, rogo a vós que olhem por meu desespero — clamou a sacerdotisa de cura, aproximando-se exaltada do grupo de aventureiros.

— Por favor, nobre sacerdotisa, se acalme... — Ramsdale a acudiu. — O que aconteceu? 

— Lisandra, não a encontro em lugar nenhum. Tenho medo que ela foi para a floresta atrás da criatura para vingar a morte do pai. Eu imploro, a salvem, é só uma criança.

— Não entendo, foi você mesmo que afirmou que a criatura já estava morta — ironizou Liel. — Que aquela birrenta fique satisfeita com o que encontrar!

— Não é hora dos seus acessos, por favor, você é um ranzinza que não sabe apreciar mulheres, depois de tudo que descobrimos, o caso é sério. — Ramsdale se apressou e segurou a mão da sacerdotisa, aparando-a.

Mas Liel reagiu com rudeza.

— Essa filha de chocadeira escolheu a hora perfeita para criar problemas. Mas isso não é mais da nossa conta, pois esqueceu que fomos dispensados da missão, além do que, temos assuntos mais importantes para lidar. 

— Peço desculpas pela grosseria, nobre sacerdotisa. — Ramsdale ficou tão furioso com a atitude do líder, que nem conseguiu encará-lo nos olhos. — É dessa forma que você honra a memória da Nat? O que irá adiantar desmascarar o círculo se deixarmos uma criança morrer?

Liel considerou difícil acompanhar as afirmações do amigo, mas também não ousou pedir para ele controlar a língua. Havia muita coisa em jogo nessa missão e ele teve vislumbres de seus erros retornando para cobrar o custo do passado, ela nunca irá me perdoar se eu for um insensível sem coração, pensou. Ele contorceu cada músculo do corpo para se manter firme na obrigação, no entanto, foi interrompido antes que pudesse fazer qualquer coisa.

— Eu reabro o perdido de missão — afirmou o chefe ancião, que estava próximo e ouviu o apelo da sacerdotisa, então foi aparar a mulher, e após afastar o arqueiro carinhoso, continuou. — Peço que salvem aquela criança. Ela é muito especial e não pode morrer.

— Eu ainda não entendo muito bem o nosso trabalho, mas salvar as pessoas não é o principal objetivo dos aventureiros? — perguntou Clint, enfiando a mão por dentro das calças.

— Por favor, ela só está confusa, não deixem que morra por causa disso — inteirou a sacerdotisa.

— Seja o que for que vamos enfrentar, é melhor que seja fora da vila, durante o dia. — Adiantou-se o arqueiro, prevendo uma boa oportunidade. — Você sabe muito bem disso. Os peregrinos estão armando alguma coisa.

Clint estendeu a mão para Liel e mostrou as cinco moedas de cobre da garota que ele havia guardado.

— A menina já pagou por nossos serviços!

— Maldição... — disse Liel, encarando as cinco moedas de cobre. Resolveu admitir que nada adiantaria enfrentar o Círculo Dourado se eles deixassem aquela menina morrer, e disse por fim: — Está certo, vamos atrás daquela garota, mas espero que estejam cientes que vamos dar aos nossos inimigos a oportunidade para uma emboscada.

Liel se acostumou logo à ideia de resgate. Todas as circunstâncias estavam indicando um conflito com o Regente e o quanto antes acontecesse, melhor seria. Quando o sol chegou ao meio dia, o grupo de aventureiros adentrou o bosque do sussurro para buscar a jovem Lisandra.

Dessa forma, a primeira missão do grupo Manoplas da Força acabou ganhando um contorno que nenhum deles poderia imaginar.

◈◈◈◈◈◈

A Jogada do Regente

Sebastião estava dentro de um casebre escuro, olhando uma jaula coberta por uma lona grossa. A jaula não era grande, mas tinha um bom tamanho a se considerar. Algo dentro dela se debateu nas grades de ferro, e um peregrino a cutucou com uma vara.

— Quieta, criatura sombria!

Outro peregrino entrou no casebre e foi até o Regente para relatar todos os movimentos do grupo Manoplas da Força.

— Aqueles malditos vão mesmo entrar no bosque atrás da bastarda? Isso me deixa muito satisfeito — exaltou Sebastião depois de ouvir todo o relato. — O rato não pode ignorar o sabor do queijo, é da sua natureza. Se livrar desse grupo será mais fácil do que imaginei.

— Então iremos continuar com as preparações do Ritual de libertação?

— Não! Preparem as pilastras e as cordas para a purificação. Aquele maldito aventureiro de cabelo verde falou demais, não podemos arriscar que as suspeitas dele se espalhem como uma doença e saia dessa vila. Isso pode custar a glória do Círculo Dourado.

— O Grande Pai não irá se exaltar por tantas vidas perdidas?

— O Grande Pai é benevolente para as vidas dos irmãos, mas nunca foi tolerante para religiosos tão... tão descartáveis. É melhor perder uma vila que arriscar a grande obra. Para ser honesto, estava esperando que aqui pudesse ser uma boa base para continuarmos expandindo para o interior do império. Esse território é fundamental para a queda do reino da Árvore Sagrada. Bem... — disse rindo. — Essa será a maior fogueira de todas, e servirá de exemplo do nosso poder para as demais vilas!



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