Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 48.6: A Investigação Do Aventureiro - parte 2

Liel assistia àquela cena caótica e esfregava a mão no punho da sua espada, sempre atento ao menor ruído estranho. Mantinha os extintos aletas, temendo que, de algum lugar da vila, os Peregrinos Dourados pudessem vê-los, e não abaixava a guarda, embora estivesse sendo pressionado pelo rapaz. 

O rapaz o encarou, e perguntou sem temor:

— Onde está meu amigo? O que você fez com ele?

— Fique tranquilo, eu não o matei. Está ali, no canto. Arrastei ele para a escuridão para que não ficasse na vista dos peregrinos. — Liel apontou para atrás de uma choupana. — Ele só está desacordado.

O rapaz foi acudir o amigo.

— Muito bem. É fácil para os forasteiros se sentirem acima da responsabilidade do povo de uma pequena vila. Não esqueça que foi a guilda que não respondeu o nosso perdido de ajuda. — O chefe olhou na direção do centro da vila, e que de onde estava, só podia ver os vestígios de uma fogueira. — O círculo é bom para convencer as pessoas.

Liel inclinou a cabeça em assentimento e os outros se assustaram com a forma que sua expressão se fechou numa leve tristeza.

Ramsdale reconheceu que aquelas curvas no rosto do amigo não eram de raiva, mas sim de culpa, então tomou a frente e disse com um tom conducente:

— Os meios do círculo para convencer as pessoas são cruéis. Levando para o centro do assunto, ele foi o responsável pelas mortes? Era o culpado?

— Não posso afirmar, mas desde que os peregrinos jogaram a pobre alma para o fogo, os ataques pararam e ninguém voltou a ver a criatura. O Regente afirmou que exterminaram a fera, mas ninguém viu o corpo.

— Vocês não viram o corpo, hum... mas podem afirmar que era um Varcolac? Iria fazer sentido o círculo querer preservar uma criatura dessas para estudos.

Quando o chefe veio depositar a vista no Loiro e ele desviou o olhar, o velho disse com pesar.

— Esses vampiros aterrorizaram o mundo, dá azar mencionar o nome deles. Que suas almas negras queimem nas mais quentes caldeiras da punição. Por graças aos deuses e esforço dos homens, essa besta não existe mais. Porém, da mesma forma que não houve julgamento para o acusado, não houve corpo da criatura para testemunhar. Eu não posso afirmar nada!

Liel olhou para o chefe e viu que era um homem acabado e, se não fosse as suas manchas ao redor dos olhos, poderia estar apenas chorando. Ainda que seu grupo não tivesse culpa dos males que caíram sobre essa vila, não o impediria de ser esmagado por um pesado sentimento ruim.

— Isso tudo é uma grande ... — bravejou ele, mas Ramsdale levantou a mão e interrompeu-o.

— Quem foi o infeliz que o círculo queimou na fogueira? — O arqueiro apontou o dedo na direção das cinzas.

— Ele era um eremita. Vivia numa choupana afastada da vila, onde criava suas galinhas. Quase não vinha para vila, só mesmo para buscar provisões ou vender as ervas que cultivava. Era um bom amigo, e independente das acusações do círculo, também era um homem bom. Posso afirmar porque o conhecia há anos.

— Como o Círculo chegou nele?

— Eles aproveitaram que a menina, Lisandra, foi encontrada próxima da choupana dele para fazer as acusações.

Liel voltou a olhar para o velho e suspirou. Depois, se retirou para o lado, onde começou a analisar a vila adormecida nas sombras da noite.

— O eremita não falou nada? — Clint, mais exaltado que o líder do seu grupo, perguntou e depois olhou para Ramsdale. — Por que ele não se defendeu?

Ramsdale não disse nada, ele que sempre tem algo para dizer, preferiu ficar em silêncio.

— Oh, jovem, o círculo tem bons meios para garantir que o acusado seja culpado — disse o chefe. — Quando o arrastaram para a vila, só foi para jogá-lo na fogueira. Já haviam lhe cortado as mãos, furado os dois olhos e arrancado a língua.

Clint silenciou-se, como se aquilo fosse demais até para ele, que cresceu numa arena de luta.

Um grande clarão começou a iluminar uma rua que vinha do centro da vila, se movendo devagar na direção deles.

— Certo — Liel sorriu, e pela primeira vez desde que encontrou o ancião naquela noite sentiu o sangue bombear o coração que não fosse de uma forma ruim —, as coisas vão ficar movimentadas.

— São os peregrinos? — O chefe analisou a situação, e pensou em retornar para dentro da choupana.

A estátua era pesada, por isso eles não conseguiam ser rápidos o suficiente para evitar de ser pegos.

— Loiro maldito, você acabou com ele — disse o camponês que ainda tentava acudir o amigo desacordado. — Ele não quer reagir! — O corpo do desfalecido era corpulento e bem nutrido, por isso ele não conseguiu levantá-lo.

Liel gostaria de sufocar os sentimentos que o haviam feito se sentir tão mal. Culpa? Descaso da Guilda dos Heróis? Orgulho ferido? Quaisquer que houvessem sido as razões, porém, um fato permanecia: o Círculo Dourado era um inimigo mais odioso que qualquer criatura feroz.

Ele odiava essa organização tanto quanto odiava os escravos. As pessoas não precisavam das pregações humanistas para construir uma vida vazia para adultos e crianças, já havia sofrimento demais no mundo. Ah Nat, eu queria ver seu sorriso agora, pensou, somos todos escravos fugindo de senhores diferentes?

Quando o peregrino entrou na rua da frente, ele jurou que não ia deixar esses malditos fazerem o que bem entendessem, e ninguém poderia condená-lo por isso.

O peregrino estava sozinho, e isso tornava as coisas bem mais fáceis. Mesmo assim, um erro ainda poderia ser catastrófico.

— Clint, ajude-os com o companheiro desacordado e a estátua!

— É fácil! — O cabeludo concordou.

De forma simples, ele se abaixou, pegou o camponês desmaiado e o jogou sobre o ombro esquerdo. A falta de ação já lhe dava vertigens, e ele já estava comparando essa missão com uma brincadeira de criança, apesar da constante menção da maldita raça de vampiros, então ficou feliz em fazer um pouco de exercícios para esticar os músculos. 

Foi para a base de trás da estátua e com a mão direita agarrou o suporte avisando para os dois homens que estavam se esforçando para cuidar daquela parte:

 — Vocês vão ajudar na parte da frente, eu cuido da bunda desse pedregulho. Não se preocupem, podem acelerar os passos.

— E nós — o arqueiro perguntou para o líder —, o que vamos fazer?

— Você não falou que precisava de um medalhão desses malditos. — Liel tinha um descarado sorriso no rosto. — Cabeça de couve, agora é a hora perfeita para conseguir um.

— Espera um pouco. Você sabe que não poderá matar, muito menos criar confusão, né? Senão amanhã seria um caos nessa vila. 

Ramsdale esperou que a expressão contente na cara do loiro desaparecesse, só que ela permaneceu, e isso só poderia significar problemas.

Mal tinha acabado de formular uma hipótese, quando o amigo arrumou a espada na cintura e com um tom de voz faceiro, explicou: 

— Eu sabia que você ia ser chato, só que pode esfriar a cabeça verde, porque não vamos precisar matar ninguém.

— Liel! — Ramsdale ficou parado, olhando indignado para o amigo que começou a se movimentar, antes mesmo de explicar melhor seu plano.

— Não se finja de desentendido! — ironizou o loiro, falando entre risos. — Até que enfim vou ver você pagar por suas palavras. Não pense que ao negar a violência com a sua suposta inocência não terá um custo. Sei muito bem que gosta do cheiro de sangue mais que eu e...

— Basta! — Ramsdale exclamou. Sua voz tinha um tom de vergonha, que Clint se contorceu rindo, mas Liel estava muito afoito para sentir as ondas de constrangimento do amigo. — Explica de uma vez o que pretende fazer!

— Vamos usar a técnica mais antiga do mundo: isca e caçador!

— Quem será a isca?

— Ora... — Liel apontou o dedo indicador para Ramsdale.

— Você é um desgraçado, sabia?

Segurando para não romper em risos, Liel completou: — Seja convincente, para que o peregrino não possa te reconhecer. Vai ser fácil para você, já que está vermelho como um tomate-castanha.

Isso era verdade, Ramsdale sentia o rubor cobrindo seu rosto. Mas não era pela razão que o maldito amigo insinuava, e sim porque sua mente acabava de imaginar a cena dele no escuro, frágil como uma donzela.

Ele foi até Clint, e pegou a manta negra do camponês desacordado.

— Vou ficar com isso, ele não vai precisar mesmo. — Olhou para Clint, e ele conseguiu conter a cara de riso. Olhou para Liel, que diferente do descabelado, não se importou de mostrar a cara de satisfação. — Cauda de serpente, um dia você vai pagar por isso! — atestou Ramsdale, por fim, aceitando a situação.

◈◈◈◈◈◈

O Peregrino Perdido no Escuro

O ruído do estômago vazio do peregrino estava ficando cada vez mais alto. Seus dedos dos pés doíam de tanto patrulhar ruas vazias. Ele sentiu que não tinha mais condições de se concentrar depois de tantas horas de trabalho duro, será que o Regente não entende que as pessoas dessa vila são como ovelhas? perguntou-se, foi a chegada do grupo de aventureiros que o deixou nervoso, mas eles chegaram tarde, e não podem impedir o ritual da libertação da carne, essas pessoas já aceitaram a luz do Grande Pai.

Maldito aventureiros, sempre enfiando as espadas nos assuntos dos outros, ele viu que não poderia mais continuar, vou descer essa rua, e depois vou achar algo para comer! afirmou para si mesmo.

— Se o senhor, grande deus da guerra, abandonou seus filhos, o que será de nós? — Começou a ouvir uma voz fina e arrastada, que pelo timbre, deveria pertencer a alguma velha maluca. — Peço que olhe nosso sofrimento, e lance um castigo nessas pessoas sem fé. Sopre os ventos da turbulência para varrer os Peregrinos Dourados para longe da vila…

Uma oração? O peregrino perguntou-se, à essa hora? Sob a guarda do círculo? Será que é uma louca? 

Ele olhou ao longo da rua e não viu ninguém. Em segundos, sua fadiga desapareceu e ele transformou-se num ser alegre e bem-disposto, digno de um soldado exemplar. O Regente havia oferecido uma boa recompensa para quem capturasse um insurgente religioso, e acreditou que aquilo era um presente da luz do Grande Pai depois de tanta dedicação para a causa.

— Eu peço que seja nossa espada nesse momento tão difícil. — O peregrino seguiu a voz até uma viela apertada entre duas choupanas, que ficavam afastadas do centro da vila. — O Círculo Dourado é uma força maligna!

Ele estendeu sua tocha dentro da viela, dessa forma iluminou uma figura que estava de costas, encolhida, ajoelhada no chão e coberta por um manto negro, esses contornos só podem pertencer a uma beata desesperada! deu por certo, é minha chance de conseguir o soldo.

Ele ficou preparado para tirar a crava que tinha oculta por baixo da túnica escura, então perguntou confiante:

— O círculo é maligno? Dizer isso numa vila sobre a graça do Grande Pai é loucura. E orar por um falso deus é insurgência. São crimes suficientes para se esquentar dentro da fogueira. Você perdeu o juízo, beata velha?

— Quem é a velha aqui... cof, cof, cof... — A voz da figura havia engrossado de repente, mas depois de pigarrear, voltou ao normal. — Digo, não, você entendeu errado meu jovem, o Círculo Dourado é a luz de salvação do mundo.

— Você pode parar e levantar, seja quem for, eu sei o que ouvi. — O peregrino ordenou com secura e como a figura demorou para obedecer, gritou: — LEVANTE AGORA!

Era comum numa ocasião como aquela, ainda mais tão suspeita, um peregrino gritar por reforços, no entanto, o soldo de recompensa seria dividido entre todos os envolvidos.

Naquela hora, confiante, ele acreditou que era merecedor de um prêmio só para si, e era apenas uma pessoa, mesmo que fosse uma encenação, poderia cuidar disso sozinho.

Agarrou a crava por baixo da túnica negra e entrou na viela.

Numa parede de uma das choupanas havia um buraco, o qual, devido a inclinação, a luz da tocha não conseguia iluminar. Da escuridão, uma mão poderosa surgiu e agarrou o peregrino pela cabeça, deixando-o sem ação.

Quando conseguiu recuperar-se para lutar ou gritar, sua cara foi arremessada com força contra uma pilastra de madeira.

— Pare, não pode fazer isso... — disse o peregrino, cuspindo o sangue que encharcou sua boca, o qual escorria do nariz quebrado. — Sou um emissário do Círcul...

O agressor não deixou que terminasse a frase.

Com outras duas batidas ainda mais fortes em sequência na pilastra, o peregrino veio a cair prostrado no chão.

Sem poder respirar por causa do sangue inundando as vias respiratórias, arregalou os olhos no escuro, tentando ver quem o atacava, preso de um terror sufocante. Só que foi inútil, porque logo depois veio a pesada sola de um galocha cheia de ódio sobre a face e a completa escuridão.

...



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