Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 48: O Sábio Miserável e o Ataque da Matilha de Lobos Cinzentos - parte 2

Diante do líder da matilha de lobos, Guilherme chorou e abaixou a cabeça em submissão; a vergonha causada por aquela cena poderia matar qualquer um com um pingo de honra sobrando.

Mas não o Sábio Miserável, ele não tinha honra, não tinha alma.

Os lobos cinzentos eram criaturas ferozes, e o líder, com sua aparência grotesca, se destacava no mural de monstros perigosos.

É agora que essa coisa vai me matar.

Alguém me ajude…

Não quero morrer!

Uma neblina pegajosa estava presente naquela noite fria, mas ia ficando mais fraca à medida que se afastava da borda do bosque. De repente, da manta gelada da noite, Wiubor surgiu exibindo seus pequenos dentes arredondados e movendo-se com tal agilidade que o líder da matilha foi atingido antes mesmo de poder reagir.

Wiubor abocanhou uma das patas traseiras da fera usando toda a sua força e coragem.

Guilherme trocou olhares com o rosado leitão. O animal era tão pequeno e frágil comparado com aquela monstruosidade peluda. Ao encarar o Sábio, o olhar do leitão teve um significado místico: eu vou ajudar!

Guilherme não ouviu palavras, é claro, mas foi isso que entendeu testemunhando o intenso brilho nos olhinhos escuros.

Leitão idiota.

Idiota, idiota, idiota.

Por quê?

Por que foi sair do seu esconderijo?

Você é como eu…

Os fracos só podem se esconder!

O líder moveu a sua grotesca cauda, para logo em seguida cravar o ferrão na rosada carne do leitão, que grunhiu alto.

Quase morto, Wiubor foi suspenso no ar. A fera levou o pequeno leitão à frente de seu rosto e mostrou os caninos enormes. Ele parecia não acreditar na audácia daquele pedaço de carne inócuo, então, sacudindo a cauda, arremessou o desfalecido corpo para longe.

Guilherme viu que o corpo do leitão não se movia. Quando ele já ia intensificar a reação de submissão, mostrando que era como aquela criatura, um inútil que não prestava nem para ser devorado, notou um sorriso na cara deformada daquele demônio. Parecia, à primeira vista, igual a tantos outros que viu ao longo da sua miserável vida.

Porém, foi uma expressão diferente e ele não acreditou que o rosto de uma fera pudesse se contorcer daquela forma sinistra.

Era um sorriso longo, com a base curvada e mostrando os dentes afiados e amarelados. Deixava passagem para a língua muito emproada e úmida, como se estivesse salivando há muito tempo. Com ela, contornou todo o lábio.

Só faltou o lobo falar: você é um covarde!

Uma pontada no peito atingiu o Sábio, levando-o a esmurrar o chão e depois a pressionar com força as pontas dos dedos contra o solo, arrancando pequenas porções de terra. Contudo, ele conseguiu se controlar e permaneceu com a cabeça baixa, entregue à sua própria miséria.

Logo em seguida, um lobo de pelagem curta, muito mais jovem que o líder da matilha, aproximou-se dele e emitiu um ganido de contentamento. Isso indicava o término do ataque. Pouco depois, o líder soltou um poderoso uivo. Somente então, os dois recuaram, contornaram o chiqueiro e adentraram o bosque, desaparecendo na fria neblina.

O frenesi do ataque e a devastação cessaram por completo. Guilherme, mesmo sentindo-se tal como uma barata, foi capaz de vislumbrar um brilho de alegria. No entanto, afastando-se dessa efêmera sensação de satisfação, ele ergueu-se do chão e removeu a terra que se alojou sob suas unhas.

— Pedra, veja, eu consegui sobreviver ao ataque dos lobos — disse ele, rangendo os dentes.

— Qual é o custo da vitória? As feras queriam matar você? Uma vitória pode ser mais danosa que uma derrota, Guilherme.

O Sábio Miserável olhou o corpo imóvel do pequeno e valente leitão.

Idiota…

Durante esse tempo, ele permaneceu parado, sem saber o que fazer, ansiando pelo brilho do amanhecer. No entanto, para que aquela noite chegasse ao fim, ainda faltava muito tempo e dolorosos acertos.

— Miserável, diga-me! — rosnou Aliam, se aproximando de Guilherme.  — Tudo isso é culpa sua!

O homem era amparado pela esposa, pois estava tão furioso que não tinha equilíbrio para se manter em pé sozinho. A sua perna ruim não o ajudava em nada.

— Não sei. — Guilherme respondeu indiferente.

— Como não sabe? — Aliam ia cravar a espada no maldito debochado.

Guilherme imaginou Felipa sendo dilacerada por aquelas bocas raivosas, e foi estranho, porque em seguida ele não esboçou reação diante do ataque daquele pai desesperado, por um momento o miserável aceitou a lâmina como o seu merecido castigo.

Alonso impediu que o golpe  continuasse, segurando o braço do Aliam.

— Vocês não vão me matar, é isso? — Guilherme se afastou. — Então me deixem em paz. Foram os lobos que vieram atacar vocês, não eu… por isso, vá acertar as contas com aqueles cachorros do inferno. — Ele recuperou o velho brio que vinha do interior do seu ser. — Eu não tenho nada a ver com isso!

— Guilherme — chamou a pedra —, está indo longe demais, já é vergonha demais.

Guilherme ignorou.

Esse pedregulho idiota…

Será que ele não sabe que quando as pessoas chegam no fundo do poço, a vergonha é a primeira coisa que elas perdem. 

Não morra lutando pelos outros, faça com que os outros morram lutando por você!

É meio que isso, call of duty nunca deixou bem claro.

Bem... vou sobreviver e encontrar o lago sem fundo e voltar para casa.

Deixar toda essa porcaria para trás.

É tudo que importa.

— Se resolver entrar naquele bosque, certifique-se em matar o líder da matilha. É aquela coisa com a cara deformada. Isso precisa ser o seu foco principal, entendeu? — O Miserável aproveitou para dobrar a aposta. — Eu nunca mais quero ver a maldita fuça daquele cachorro!

— Maldito!

Aliam empurrou Alonso, dando um solavanco de quem não queria saber de mais  nada. Os dois encararam o Sábio, enquanto ele dava de ombros e se afastava mais.

— Me solta Alonso. É tudo culpa dele, eu vou, vou...

— Não, senhor Aliam — disse Alonso, impedindo o homem manco. — Tivemos momentos ruins e não é culpa de ninguém, além daqueles lobos. Agora temos que nos unir para salvar Felipa. — Ele encarou o Sábio Miserável. — Amigo, por favor, você vai me ajudar a salvar minha irmã?

— Não! 

Houve um momento de silêncio, enquanto todos absorviam a resposta seca de Guilherme.

— Não entenda errado, Alonso, não é nada contra você ou aquela garota, mas por nada desse mundo eu entro naquele bosque agora. — Ele explicou. — Minha cota de armadilhas propositais acabou quando uma cigana maluca resolveu usar seu punhal para brincar comigo.

— E agora? Podemos esquecê-lo, e focar na minha filha? — Desesperada, a Mia balançou a cabeça, implorando ao marido.

Aliam arriscou um Grito e percebeu que não adiantaria nada continuar aquele conflito.

— Nesse mesmo dia você falou que devia a sua vida a minha filha, que devia a vida a esse garoto… — Ele colocou a mão no ombro do Alonso. — Não há honra em você. Você não é um covarde, é mais que isso, é um miserável que vira as costas para a gratidão.

A falta de brio no coração já causava vertigens em Guilherme. Ele só queria que tudo aquilo acabasse para encontrar um buraco escuro e esconder a vergonha. 

— Não sei por que vocês não me deixam em paz? Eu não sou um herói. Enquanto estão aqui perdendo tempo comigo, a garota está sozinha na floresta, junto de lobos que gostam de rasgar carne, se bem, a essa altura… ah, esquece. Se vocês soubessem que vou preservar minha vida acima de tudo já teriam desistido dessa ideia. Eu não vou, não dou a mínima para a gratidão, afinal, só se pode pagar dívidas quem está vivo.

— Não faça isso, Guilherme — disse a pedra. — Aquela garota cuidou de você, não seja o culpado pela morte dela. É um fardo pesado demais, e você sabe disso!

A mão de Aliam tremeu no punho da espada e ficou alguns segundos arquejando, tentando encher os pulmões de ar. Queria decepar a cabeça daquele miserável, e pela distância e o fio de sua espada, seria muito fácil, apenas um único corte limpo e preciso. 

— Não! — Alonso segurou na mão do homem manco. — Gratidão se paga com gratidão. Ninguém pode ser obrigado a pagar com honra o dever de outro homem. Será um assunto para os deuses e a consciência dele.

Desculpe, Crista de Galo, eu até gostei de você, verdade mesmo, mas já estou acostumado com as pauladas da minha consciência.

AHH!

Agora, os deuses…

Você também não gosta deles, não é?

Fique sossegado, eu verei cada um deles queimar! 

Mia sacudiu o braço do marido e esmurrou o ombro dele.

— Se você ficar nesse maldito bate boca, nossa filha... — Ela explodiu. — Felipa será devorada por aquelas feras.

— O que vamos fazer? — perguntou Alonso.

— Antes de tudo, vá na barraca de ferramentas e pegue algo para se defender. Você não vai entrar naquele bosque com as mãos indefesas. Depois eu e você vamos matar todos os lobos e  salvar minha filha.

Através do olhar trêmulo que Aliam lançou em direção ao bosque, Guilherme pôde perceber que suas chances eram nulas. As razões eram claras: além do ex-soldado estar mancando como uma mula e mal conseguir se sustentar em pé, o garoto de cabelos cor de fogo também estava alheio ao perigo iminente que os aguardava.

Estava claro que a matilha havia orquestrado uma armadilha, aproveitando a caçada para saciar a sede de vingança do líder deformado. Caso os dois adentrassem a floresta sem a orientação do Sábio Miserável, o cenário seria de carnificina. Porém, mesmo com a assistência dele, a perspectiva não se alterava muito. O desfecho seria a morte de todos.

Alonso não deixou transparecer receio em seu olhar. Ele dirigiu-se ao depósito e escolheu uma ferramenta que lembrava uma enxada. Equipado com aquele rudimentar e precário instrumento, ele estava pronto para a batalha, irradiando confiança suficiente para arriscar a vida.

Aliam, que até então estava amparado pela esposa, num momento de altivez, a empurrou, soltando-se de suas mãos. Ele não fez isso por grosseria, fez porque entendia que teria que entrar no bosque apenas com a força das próprias pernas.

Seu orgulho era o de um soldado. Mas devido ao nervosismo e a pressa, a perna de apoio não lhe sustentou e a perna ruim funcionou como uma pesada âncora, levando-o a cair no chão.

Mia e Alonso correram para ajudar. Ele empurrou os dois e disse chorando:

— O que vocês estão fazendo, vão querer segurar minhas mãos até o final? E eu, o que faço, então? Oh, deus Krig, minha querida filha irá morrer. O que faço, senhor dos exércitos? Eu lutei ao lado do Grande Urso, defendi essa terra, olhei nos olhos da sanguinária rainha vermelha, e agora não passo de um aleijado imprestável. Troco toda minha glória por uma noite com a minha perna boa. Minha honra é grande… pois suplico por sua misericórdia: leve minha vida, se lhe saciar a sede de batalha, mas poupe minha querida Felipa.

Guilherme, se mantendo longe, observou toda a cena deprimente.

Idiota, lágrimas não adiantam de nada.

Se tiver que fazer algo, faça por sua força.

Você pode até orar para esses malditos o quanto quiser, que nada vai mudar.

Aposto que devem estar sentados, comendo pipoca, rindo, e apostando qual parte sua será devorada primeiro.

Eu aposto cenzão na perna manca.

Você pode ajudar...

Não! Não!

Tô fora!

Alonso ajudou Aliam a ficar de pé, e apoiando-o, os dois caminhavam para a floresta.

— Os dois vão morrer — disse a pedra. — Você vai deixar isso acontecer, Guilherme?

— Pedra, você sabe melhor que eu que é uma armadilha. Lembra, naquele beco escuro, quando perguntou se eu iria continuar seguindo a maldita cigana mesmo sabendo do que se tratava. Então, por que você me questiona agora?

— Porque você não pode esconder as lágrimas do seu olho.

Guilherme não havia percebido, mas estava lacrimejando. Então mais que depressa enxugou todas elas.

— É normal pensar que o valor de uma pessoa é medido por suas ações. Não, Guilherme, naquele beco a situação era outra, e você pagou o preço. A grandeza de um herói será mensurada pelo peso da circunstância!

— Pedra, você sabe que se eu entrar naquela floresta, sou eu que vou morrer. Veja, meu corpo está praticamente curado, já podemos voltar para nossa aventura. Zerar tudo e começar outra vez. Hein, sabe que estou certo? 

— Não quero começar uma aventura na vergonha! E você, não quer mudar?

Guilherme começou a sacudir sua cabeça  de um lado para outro, até que olhou para Alonso e Aliam, e então foi tomado por uma grande vergonha. A mesma espetada que sentiu quando viu o sorriso do líder da matilha voltou a perfurar o seu coração.

A mente dele pôs-se a remoer as ideias como milho num moinho, pesando as possibilidades, tentando criar coragem para tomar uma decisão.

Droga, droga, droga!

É certo que vou morrer.

Foco, foco, foco...

Mas, se não morrer... o que de bom posso tirar disso?

Aliás, essa é uma oportunidade para resolver o assunto com Alonso.

Se for uma boa jogada, o lucro será alto.

Mas os dados estão ao meu favor?

Eles nunca estão!

Nessa situação só há duas escolhas, ser a isca ou ser a armadilha.

Que se dane!

Guilherme pensou em qual das duas alternativas lhe daria mais chance de escapar, ou, pelo menos, ganhar tempo para pensar num plano.

O que eu faço?

Deixá-los acreditar que eu mudei de ideia de um momento para outro melhoraria ou pioraria as coisas?

O que eles fariam se eu dissesse que sou a única esperança?

Agora não adianta gentilezas, minha abordagem tem que ser agressiva.

— Vocês são idiotas? Querem mesmo morrer? — Guilherme se aproximou deles e perguntou de uma forma provocativa.

Tanto Aliam quanto Alonso não entenderam aquela provocação desmedida, pois, como homens, não importava se morreriam; eles não podiam deixar Felipa entregue à própria sorte.

O mundo pode negar, mas existe um código invisível na conduta masculina que é impossível de ignorar, pelo menos para os homens de valor. O Sábio Miserável, na Terra, lutou a vida toda para se manter longe desse código.

— Maldito, não atrapalhe. — Aliam respondeu furioso. — O tempo dos covardes acabou!

O coração de Mia, vendo a interferência do Sábio, se encheu de esperança. Ela correu e se juntou à discussão.

Guilherme começou então a fazer sua jogada num tom menos drástico, torcendo que eles aceitassem sua estratégia. 

— Posso ser corvade, e isso faz de mim idiota? Não! Diferente de vocês que irão morrer atoa. Não entende que precisam de um plano antes de entrar naquela floresta?

— Nós temos uma estratégia — respondeu Alonso, batendo contra o tórax nú. — Arrancar todas as cabeças dos lobos, isso irá resolver o problema.

— Eu mereço, vocês não entendem mesmo! Escute aqui, Crista de Galo, se você e esses manco, com todo o respeito, mas se entrarem nesse bosque, os dois vão morrer. Se Alonso entrar na floresta sozinho, ele e a Felipa vão morrer. Se ninguém entrar, a Felipa vai morrer sozinha.

— Miserável, está dizendo para eu abandonar minha querida filha. — Aliam ameaçou ir socar o Sábio.

— Espere — interveio a Mia. — Deixe o garoto terminar. O que você quer falar?

— Mulher, não se intrometa. A vida da nossa filha está em jogo, não vou dar ouvidos a um covarde — rosnou Aliam, batendo a ponta da espada no chão.

— Esse covarde aqui é a única esperança da sua filha viver. — Guilherme se manteve firme.

— Aliam, por favor, é nossa filha, deixe ele falar.

— Eu acredito nele — comentou Alonso. — Sinto que ele não é um covarde.

Guilherme estremeceu por causa das palavras de Alonso, e usou isso para pressionar ainda mais o olhar do olho bom sobre o homem manco.

— Certo! — Aliam bufou contradito. — Qual é sua solução? Mas saiba, dependendo qual for, vou separar sua cabeça presunçosa do pescoço. Pode apostar que se minha filha morrer, ela não irá para o vale da morte desacompanhada.

Guilherme passou a mão pelo pescoço e após engolir um pouco de ar, disse:

— Só há uma solução para salvar sua filha. Quem vai entrar naquela floresta sou eu e Alonso. Você só iria atrapalhar e por isso vai ficar aqui junto de sua esposa, esperando quietinho.

Alonso sorriu.

— Nunca, o que um covarde pode fazer que eu não posso? — Indignado, Aliam perguntou 

— Andar já seria um bom exemplo. Mas entenda, é verdade que os lobos atacaram vocês por minha causa. Mas espere, antes de explodir de raiva, isso é uma coisa boa porque a matilha de lobos quer a minha cabeça. Com isso em mente, e sendo rápidos, podemos virar a armadilha dos lobos contra eles e ter uma chance de vencer, eu e Alonso.

O velho soldado não explodiu, só que bufou de ódio como se fosse uma locomotiva a todo vapor.

— Engula o orgulho, Aliam, o garoto tem razão. A glória do seu passado agora não adianta de nada. É a vida da nossa filha, por favor, querido, deixa o garoto ajudar.

— Mulher, já falei para não interferir nos assuntos dos homens, não seja estúpida, ele não quer ajudar, ele quer alguma coisa. O que você quer, qual é seu preço, diga a verdade?

A expressão de Guilherme mudou, mostrando um sorriso maquiavélico. Mesmo coberta com bandagens, ele podia sentir a cicatriz e a cavidade vazia do olho esquerdo latejarem. Então, diante da expressão sinistra dele, Alonso e os pais de Felipa o encararam, enquanto o Sábio Miserável começava a falar:

— Eu sou um mercenário, meus serviços não são de graça. Porém, não quero prata. Faço outra proposta: se eu conseguir trazer a garota viva para vocês, Alonso estará livre da dívida de gratidão e poderá fazer o que quiser.

— Você transformou uma situação desvantajosa  numa solução para um amigo — comemorou a pedra —, muito bem, Guilherme.

— Eu sabia, você queria tirar ele da gente o tempo todo — disse Aliam, entre bufadas. — É um miserável!

Guilherme engoliu os protestos do tolo homem e ergueu a cabeça. O Sábio quis mostrar que se quisessem salvar Felipa não poderiam recusar suas palavras, por isso passou a mão sobre as bandagens do rosto enquanto sorria abertamente, fez isso para que não duvidassem nem por um momento de quem ele era.

Por fim, disse calmo:

— Sim, eu sou o Sábio  Miserável. O pior miserável de todos. Porém, gratidão se paga com gratidão, não é isso? Pois bem, vai aceitar minha proposta?

— É o melhor a se fazer, Aliam. — Mia anunciou. — Você diz para mim não interferir, mas aceite a realidade, homem, você não pode lidar com essa situação.

Alonso, angustiado, desejando que aquela discussão acabasse logo, de modo que pudessem de uma vez ir salvar a Felipa, mantinha o olhar na escuridão do bosque, contudo, vez ou outra, ele olhava admirado para o inusitado amigo.

Na verdade, o Crista de Galo não se importaria em arriscar tudo e ir sozinho, se fosse preciso. Tinha certeza de que venceria. De qualquer forma, ele ficou feliz com a proposta de Guilherme, tanto quanto com a possibilidade de pagar sua dívida de gratidão e ficar livre para viajar pelo mundo.

Ele não tinha ideia dos planos do Sábio, mas confiava na astúcia e habilidades dele, pois aquele garoto mostrou-se diferente de tudo o que ele já havia conhecido na vida. Tanto é que não duvidava, nem por um momento, do sucesso do resgate de sua irmã.

A aparente alegria de Alonso por causa das palavras de Guilherme não surpreendeu Aliam, que se conteve, continuando a bufar, porém mais calmo, para não estragar a oportunidade que se apresentou. Da mesma forma que ele acreditava em suas habilidades de ex-soldado, elas também lhe mostravam que não teria a menor chance de sair daquela floresta com a filha viva. Por isso, não lhe restava outra escolha.

Para o bem da filha, era bom que dominasse o orgulho e o rancor que sentia do Sábio Miserável.

— Você irá encontrar um campo de batalha dentro daquele bosque, será um inferno. Muito bem, eu quero a minha filha viva. — Por fim, ele aceitou os termos. — E mantenha ela inteira, que vou declarar paga a dívida de gratidão do Alonso, e o garoto poderá fazer o que quiser. Eu aceito a proposta!

— Eu e Alonso vamos trazer a Felipa de volta viva! Você disse que eu não tenho honra. Estava errado: MINHA PALAVRA É MINHA HONRA!

Ele respirou fundo ao encarar a escuridão do bosque dos sussurros. Alonso deu um tapa em seu ombro e o cumprimentou com um sorriso.

Eu deixo esse pedregulho me influenciar.

O que fui fazer?

Como vou escapar dessa loucura com vida?

Tô muito ferrado!

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