Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 39.2: A chegada do Aventureiro na Vila Gurupi - parte 2

Ao pensar que a situação não poderia piorar, Liel enganou-se tal qual um um novilho depois da tempestade. Chegou na vila Gurupi e sentiu-se incomodado pelo ambiente áspero, de ruas vazias e clima frio. Porém, não esperava ter que lidar com o Círculo Dourado, ainda mais com um Regente. 

O coração apertou-se de angústia. O círculo poderia transformar a primeira missão do seu grupo num pesadelo. Os fanáticos tinham poder e influência e não gostavam de serem contrariados.

— Liel, o que vamos fazer, voltar para a estrada? — Ramsdale perguntou, só que não teve resposta.

Liel sabia que não podia recuar… nunca se pode dar as costas para animais famintos. Havia aprendido, em sua vida turbulenta, que demonstrar fraqueza era um convite para a sepultura. Essa lição custou-lhe a vida da pessoa que mais amava nesse mundo.

— Não somo mais as crianças remelentas e fracas de um vilarejo esquecido. — Liel respondeu o amigo, e depois levantou o braço e encarou o regente. — Meus companheiros e eu somos aventureiros, classe D, grupo Manoplas da Força, e estamos nessa vila em nome da Guilda dos Heróis, viemos para eliminar a besta que invadiu essa terra!

As pessoas em volta, surpresas, começaram a falar, e o falatório viajou rápido, até que chegou nos ouvidos de uma jovem garota, no outro lado, que esfregava o dedo numa faixa verde amarrada no cabelo enquanto olhava de forma desolada para o bosque que cercava a vila.

Ela parou com o que estava fazendo e começou a fitar os três aventureiros.

Depois de tudo que ouviu, Clint ficou admirado com a coragem dos companheiros ao encarar aqueles homens, e por um momento ficou feliz por fazer parte do grupo deles.

Como um guerreiro experiente, viu muitos outros guerreiros ferozes, por isso sabia reconhecer o valor da coragem.

Clint sentiu como se tivesse uma corda invisível atando-se pouco a pouco em seu pescoço.

No decorrer do embate, ele viu o Regente se mover acompanhado de um grupo de Peregrinos, mas Liel não moveu um único músculo do lugar. As características daquele loiro funcionam bem numa batalha, mas o descabelado sabia que era uma estrada para o desespero.

Aqueles que vivem pela coragem, morrem para defendê-la; viu muitos amigos se matarem por causa de simples insultos, ou por ideais idiotas.

O líder do grupo Manoplas da Força tinha potencial demais, coisas demais para oferecer para a Guilda do Heróis, e por isso logo alcançaria patamares maiores.

Mas já havia aceitado que não estaria por perto para ver, já que cada vez mais sentia que o espaço estava se fechando e logo precisará virar as costas para os amigos, os únicos feitos na vida livre. 

Clint, no fundo ficou triste, mas se recompôs e ergueu a sua maça lisa, preparando-se caso a situação viesse declinar para uma batalha.

— Aquieta a sede de batalha de seu grupo, jovem aventureiro. Posso senti-la daqui — disse o Regente, aproximando-se, mas se mantendo a uma distância segura. — Exijo que mostre-me a prova que está sob a proteção da Guilda dos Heróis! 

— Certo! — Liel suspirou e fez uma expressão convicta. — Viva como um herói, ou, morra como um vilão!

Esse era o código da Guilda dos Heróis, mas para Sebastião, era prova suficiente, já que pessoas fracas ou mentirosas não podiam proferir essas palavras sem sofrerem mortes terríveis devido à poderosa magia do cristal da guilda, capaz de abranger todo o mundo.

Enquanto o líder do grupo acertava a situação com o Regente, Ramsdale aproveitou para analisar a situação, e de cara, algo lhe chamou a atenção. Foi um detalhe nos pingentes dos peregrinos que não passou despercebido por seus olhos apurados.

— Oh, não se preocupe, não é nada. — Ele disse rindo, quando o sujeito percebeu que ele estava focado no seu colar. — Bem, sou desses amantes de pedra, sabe como é. Eu não consigo reconhecer esse cristal do seu pingente, qual é o tipo dele? 

O peregrino não respondeu, e com a cara fechada, ajeitou seu colar meio de lado, escondendo-o entre o tecido da túnica.

— Não quer dizer, tudo bem…

O arqueiro disfarçou o interesse, fingindo contentamento, e esfregando o cabelo verde, mas olhou de quina todos os colares, antes que seus donos os colocassem de lado também. Nos que deu tempo de ver, todos tinham os habituais detalhes, porém, a cor era de um tom azulado fosco, e foi isso que não fez sentido.

Ele começou a procurar nas lembrança dos livros que leu na biblioteca do Barão algo que justificasse aquilo. 

— Eu reconheço a autoridade da Guilda dos Heróis. Muito bem, dito isso, vão se embora, aventureiros. Pois o Círculo respondeu ao clamor desta boa gente, e não cobrará prata.

A voz do Regente parecia um rosnado, fazendo com que Liel se sentisse como um garotinho diante de um bicho feroz, sendo um sentimento descabido.

Ele era um aventureiro, e mesmo um Regente não podia lhe dizer o que fazer porque o Círculo Dourado não tinha nenhuma autoridade sobre a Guilda dos Heróis. No entanto, a aflição que sentiu foi por saber que aquele homem era perigoso.

— Não custará prata porque o preço será seus corações — respondeu num tom controlado, só que moveu o corpo para uma posição em que o cabo da sua espada pudesse ficar à mostra. — Estamos respondendo ao pedido de missão, e a não ser que matemos a fera, ou sejamos dispensados pelo ancião chefe, não vamos a lugar nenhum.

De fato, o Regente teria que ser o chefe dessa vila para poder dispensá-los da missão.

Só que para Sebastião, essa eventualidade era ainda mais perigosa, já que tirando os reinos que se recusaram a aceitar a libertação das amarras dos deuses, a Guilda dos Heróis era o maior empecilho à dominação global pela crença humanista. E ainda pior, porque existia um acordo mútuo de não agressão entre o Conselho da Guilda e o Grande Pai.

O conselho era poderoso demais para ser desafiado, por isso, essa falsa convivência era benéfica para os planos do Círculo Dourado.

Sebastião refletiu, e vendo o jovem loiro tão seguro de si naquele momento, não tinha a certeza de que valeria a pena buscar uma forma para se livrar desse grupo de aventureiros, ainda mais com o ritual da libertação da carne tão próximo.

— Eu sinto, aventureiro, que pode sacar essa espada para mim a qualquer momento — disse ele, num tom jovial e acenou para os peregrinos que estavam em sua volta. — Vão terminar os preparativos para a cerimônia. — Voltou a sorrir para o loiro. — Não somos os seus inimigos, tanto a Guilda dos Heróis quanto o Círculo Dourado, protegem a humanidade das aberrações do mundo.

Liel olhou de volta para os peregrinos que iam desaparecendo entre os camponeses da vila, quantos desses canalhas estão aqui? perguntou-se, para que tantos?

No início ele acreditou que toda essa movimentação poderia ser para capturar a maldita sobrevivente da raça de vampiro, que ouviu nos boatos, mas depois de ouvir o falatório do Regente, outra coisa passou por sua mente, eles são arrogantes demais! Isso justificava bem aquela situação.

— Façam o que quiser. — Sebastião se preparava para ir embora. — Mas saibam que a fera era uma invocação de um fanático religioso, mas com a chegada da luz da humanidade, a criatura foi destruída. 

— Ei, espere — chamou Ramsdale. — Qual era a criatura? Onde está o responsável?

— Quem é você, aventureiro? Você não é o líder desse grupo.

— Desculpa dizer assim, mas sou o cérebro! Ele... — apontou para Liel — é os músculos. — Deu um tapa no ombro de Clint. — Esse aqui é a barriga. — Depois sorriu e fez uma cara amistosa. — O corpo sem o cérebro, morre!

Sebastião sorriu de volta e disse: — Concordo plenamente, por isso é o mais responsável entre seus companheiros. Não há nada para os Manoplas da Força aqui, a criatura foi exterminada, e o responsável já sentiu a pesada mão da justiça humana. — Ele olhou para uma pilha de cinzas no centro da praça, então estendeu ainda mais o sorriso. — Pergunte ao ancião chefe dessa vila, se tiverem dúvidas.

Em seguida, ele se juntou aos peregrinos e todos se afastaram.

Liel fez uma pequena pausa, enquanto via os representantes do círculo se afastarem e aproveitou para fazer uma rápida contagem. No que viu, contou trinta peregrinos, fora o Regente. Mas não podia cravar esse número, já que poderia haver mais escondidos como ratos nos cantos escuros da vila. 

Ramsdale achou que o amigo estava quieto demais, e percebeu que ele tava fritando os miolos. Ficou preocupado, já que toda vez que isso acontecia, ele acabava tendo que resolver um desastroso mal-entendido. 

— Eles estão mentindo — disse o líder, encarando o arqueiro como se pedisse confirmação.

— Verdade. Bem... sem ver a carne queimando, é difícil afirmar qualquer coisa.

Outra vez, Liel fez uma pausa, só que dessa vez foi mais longa que a última porque ele não sabia o que pensar daquela situação.

Clint deu um suspiro profundo, voltou o rosto para o sol, fraco nessa época do solstício da lua azul, mas ainda presente, fechou os olhos castanhos, e sua barriga roncou.

— A gente precisa arranjar um pouco de carne para compensar a viagem.

— Claro, claro… — Ramsdale ignorou os ruídos do estômago do companheiro. — Você reparou nos medalhões dos peregrinos? — Ele perguntou para Liel.

— Ora, quem se importa com os medalhões idiotas deles. — Ele deu de ombro. — Para um grupo arrogante que despreza os deuses, eles gostam bastante dos itens de proteção. Vermes hipócritas.

— Você ficou tão abalado com o Regente que ignorou os detalhes. Aqueles medalhões não eram os habituais. Ficou cego, meu amigo, não viu o centro? O formato era o mesmo, mas o cristal de poder era diferente.

Liel correu os olhos de um lado para outro naquela vila, com o foco fixo nos peregrinos misturados entre os moradores, espreitando-os.

Se tinha algo certo sobre ele era que se deixava influenciar por seus sentimentos. Isso, muitas vezes, colocava uma venda em seus olhos, deixando-o cego para os perigos à sua volta.

No entanto, o amigo farejou alguma sujeira, e vinda do Círculo Dourado, deveria ser imunda, por isso não poderia mais perder os detalhes. Um erro poderia custar suas vidas.

— O que esses cristais significam?

— Não sei. Não reconheci que tipo eram.

— Para que você  passou tanto tempo enfiado numa biblioteca? Você não leu nada sobre eles enquanto devorava os livros?

— Provavelmente sim, mas não os vi bem para conseguir identificar qual era. E não adianta reclamar, ora, você tem ideia de quantos cristais de poder existem? Eu preciso chegar mais perto, para ver os detalhes.

Liel franziu a testa, preocupado.

Se o amigo não conseguisse descobrir porque os peregrinos alteraram os medalhões de proteção, ninguém mais conseguiria. Os dez anos que Ramsdale passou na biblioteca do Barão limpando a poeira dos pergaminhos e livros velhos lhe deram um grande conhecimento sobre os itens mágicos do mundo.

Enquanto você passou a infância lendo, ele pensou, eu passei treinando, então concluiu:

— Se esse é o problema, eu vou conseguir um desses troços dourados para você. Pode ter certeza!

Independente das afirmações, ele precisava de um plano para conseguir arrancar um dos medalhões, já que não era tolo o suficiente para apenas apanhar um, na cara dura.

Roubar do círculo não seria tão fácil quanto pensava e teria que esperar a hora certa, porém, seu grupo ainda não tinham encontrado o ancião chefe da vila, por isso, todas as opções estavam em aberto.

Sobressaltou-se logo depois quando um metralhar seco de cochichos rompeu o silêncio.

Os aldeões estavam falando de uma garota que havia se aproximado de Clint para perguntar-lhe se era mesmo um aventureiro.

Liel deixou-se envolver pelo barulho e pelo movimento, pelos cochichos que saíam das bocas tão afiadas como flechas, pelo ar frio em sua face, pelo desespero que sentiu aflorar na garota, quem é essa menina? perguntou-se, ela é tão nova, me lembra a… não! Não é minha irmã. Será mais problemas?

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