Volume 1 – Arco 2
Capítulo 32: O Sábio Miserável e a Menina que Tinha Fome
Já fazia um terço do dia que a caravana para as minas de Allahu estava avançando sem interrupção na estrada que cortava o bosque dos sussurros. A viagem parecia longa demais.
Dentro da carruagem, Guilherme já era grato só por não ouvir os terríveis cantos daquele lugar do mal, no entanto, não podia deixar de achar cruel o tratamento do dono da caravana para com os miseráveis.
O Sábio olhou as pessoas famintas em sua volta com indiferença e ignorou as suas lamúrias, já que o estômago dele também estava tão vazio que se podia ouvir ecos.
— O quão lixo os poderosos pensam que sou? Me colocar junto desses sacos furados. Não comi nada o dia inteiro — sussurrou o maior dos miseráveis.
— Eles precisam de trabalhadores — disse a pedra —, por isso, em alguma hora vão ter que alimentar você e os outros.
— Tenho minhas dúvidas, pedra. É o jarro da morte, sabe? Na Terra, era comum os sádicos colocarem insetos presos num jarro para lutarem até a morte.
— Qual era a finalidade dessa brutalidade?
— Poder! Queriam o veneno do inseto mais forte.
— Com quem você tá falando? — Uma garotinha bateu a mão na madeira da carroça para chamar a atenção. Ela estava próxima de Guilherme e o fitando curiosa.
É a passa fome de antes.
Que gente chata!
— Você outra vez, não venha me encher a porra da paciência, ou vai sair voando pelo ares. Quero ficar sozinho!
A menina torceu um pouco o rosto, mas manteve o tilintar agoniante das pontas dos dedos batendo na madeira. Era bem jovem, entre 7 ou 8 anos, mas poderia ser mais, não dava para saber por causa do baixo desenvolvimento. Rosto simpático e olhos pequenos. Sua pele era branca, mas manchada pela sujeira. Roupas imundas. E tinha um longo cabelo dourado ressecado como feno velho.
— Não estou falando com ninguém — Guilherme disse áspero, quando percebeu que a menina não ia embora. — Você é uma pequena intrometida.
— Vi você falando com alguém.
— Crianças intrometidas vão perder os olhos. — Ele passou a mão sobre as bandagens do rosto. Sua voz palpitou devido ao ódio. — Acredite, eu sei!
— HHe, hhe… ttenho ffome… eela eé mmagra… ossos ssão bbons ppara rroer…
— Guilherme, ela é só uma criança.
— Não tem aí um daqueles pãezinhos recheados com carne? — Não entendo os trejeitos estranhos do Sábio Miserável, a menina olhava-o de cima a baixo. — Um pouco de farelo ou um pedaço de carne seca para mastigar também serve. Você tem um pouco de comida?
— É aquela menina da praça — lembrou a pedra —, da qual você tentou tomar os pães que Dick havia dado para ela e o irmão.
Guilherme sentiu o forte golpe da memória e sentiu culpa e pareceu se entristecer, então negou com um gesto de cabeça, mas com o olhar perdido, como que contemplando algo longínquo.
— Não tenho comida. Só tenho comigo essa pedra. É tão inútil que você quebraria todos os dentes se fosse tentar mastigar. Quer tentar?
— Guilherme, vai continuar me chamando de inútil?
— Não! — A menina começou a rir. — Se eu quebrar os dentes não vou conseguir comer carne.
— Entendi, uma piada — acrescentou a pedra — pode ter certeza que irá quebrar cada um dos dentes se tentar me mastigar.
Guilherme sorriu e para afastar essa sensação foi pragmático: — Não fique aqui, volte para seus pais, quero ficar sozinho!
— Não tenho pais, eles morreram. Só tenho a tia. Vamos pras minas, disseram que lá dão muita comida.
— E o seu irmão? — perguntou de forma automática.
— Ele pegou uma maçã para mim. — Os olhos da menina se encheram de lágrimas. — Os pontas vermelhas mataram ele.
Maçã?
Todo o corpo do Sábio Miserável estremeceu.
— Chega, Luci! Vire para cá e deixe esse moço em paz — uma mulher no fundo da tenda chamou a criança.
— Não, por favor, a fedelha nem é tão chata assim. Ela está com fome.
A menina enxugou as lágrimas dos olhos e sorriu, deixando o Sábio admirado. Não era o tipo de sorriso que esperava ver no rosto de uma pessoa numa situação tão ruim.
Os olhos dela sorriam também, tocados de uma luz terna, deixando-a linda e meiga, muito diferente de uma criança faminta e desesperada. Por um momento, ela conseguiu manter a alegria como se estivesse brincando com sua boneca ou fingindo numa brincadeira de faz de conta.
Guilherme apertou as mãos para aliviar a agonia.
— Qual é seu nome, menina?
— Luciene! Qual é o seu?
— Guilherme, sou o Sábio Miserável!
A menina engatinhou e se acomodou perto da tia. Suas mãos exploraram a bolsa junto dela. Não achou nada. Então começou a mordiscar a gola do vestido.
— Pedra, essa menina vai sobreviver nessas minas?
— Já deu para perceber que é um lugar cruel. Mas VALHALLA é caprichosa. Não posso afirmar o futuro dela escrito nos livros das eras.
◈◈◈◈◈◈
Mais um terço do dia se passou e a caravana continuava a viagem imparável. Então houve uma brecada, em seguida houve agitação e euforia que se estendia de forma gradual pelas outras carruagens.
Um guarda abriu a tenda da carroça do Sábio Miserável. Ele tinha na mão um saco de estopa. Começou a tirar pães do saco e jogar para os famintos.
— Comida, miseráveis.
Houve um frenesi, pessoas voaram por cima de pessoas, agarrando tudo o que podiam. Dois pães caíram no lado dos pés de Guilherme, então ele os pegou e protegeu como se fossem parte de sua vida.
— Quem pegou, não desperdice, porque só voltaram a comer quando chegarem nas minas. Picaretas, pedras e pão… — O guarda começou a rir.
Ele fechou o pano da tenda. Por hora não haveria mais comida. Alguns ganharam, outros perderam e o Sábio estava orgulhoso porque conseguiu dois pães.
Percebeu que eram velhos, mofados e duros como madeira, mas sem dúvida, a fome transformava-nos na melhor iguaria daquele mundo. Apenas dois não seriam suficientes para saciar seu desejo, muito menos para diminuir o profundo estado de desnutrição do seu corpo, mas iriam ajudar a continuar em frente.
Foi uma vitória.
Guilherme viu que a Luci e sua tia não conseguiram pegar nada, e estavam encolhidas no canto, junto dos demais que também não pegaram nenhum pedaço de pão.
Não é meu problema, esses pães mal dão para mim.
Preciso comer.
Ninguém me ajudou naquela cidade maldita.
Não sou obrigado a nada.
Mas o Dick e o Cristã não te ajudaram?
Droga…
São meus pães e vou comer tudo.
Luci olhou para os dois pães que o Sábio tinha nas mãos. Ela não tinha mais a expressão alegre, agora era outra, que combinava melhor com a situação que se encontrava: o desespero.
Droga…
Não consigo!
Guilherme estendeu um dos pães oferecendo-o para a menina, causando na criança uma explosão de alegria. Ela engatinhou o mais rápido que pôde até o pão e o agarrou. Então levou para a sua tia.
Um dos famintos que não pegou nada ameaçou tomar o pão dela.
— Hhe… hhe… nnão oouse…
Do Sábio Miserável partiu uma onda tão maligna, que o faminto foi tomado de terror, fazendo-o esquecer da fome e correr para um canto, então, tremendo, encolheu a cabeça entre as pernas.
— Obrigada! — A tia da menina agradeceu. Ela quebrou o pão em duas partes, ficou com uma e deu a outra para a sobrinha.
Luci engatinhou para perto de Guilherme, sentou e começou a comer o pão.
— O que está fazendo? — O Sábio não entendeu. — Vá comer junto da sua tia.
— Quero comer aqui!
— Guilherme, gratidão precisa ser paga de alguma forma — disse a pedra. — Permita a criança pagar do modo dela.
No primeiro momento Guilherme se sentiu incomodado com essa aproximação, nunca ninguém havia se aproximado dele por doçura, mas logo se sentiu bem, como se fosse uma pequena chama aquecendo o seu peito.
Junto da menina, começou a comer seu pão, mas os olhares dos famintos que não conseguiram pegar nada eram excruciantes, e o fizeram lembrar do pesadelo em que estava, tanto que não conseguiu engolir a massa seca dentro da boca.
Não posso ajudar todos, não dá, não…
Droga!
Que olhos terríveis.
Animou-se quando viu a menina devorando o pedaço de pão dela, quase correndo, sorrindo para ele, sem se importar com os olhares depressivos e bocas abertas que desejavam à sua comida.
É isso!
Como fui burro.
Nesse mundo de merda nem todos vão sobreviver.
O momento é tudo o que importa.
Concentrado apenas na pequena comilona, Guilherme sorriu também, devorando o seu pão. Engoliu o ressecado pedaço de massa salgada e de cor sem vida, em triunfo, como se fosse a ação de levantar um troféu.
O chefe da caravana abriu o pano da tenda e conferiu o interior da carroça.
Com a boca cheia de pão, Guilherme encarou o homem e perguntou:
— Nãotem aguapara acompanharessa massaseca…?
— Engula seu pão!
Guilherme terminou de engolir sua comida, e depois repetiu a pergunta:
— Não tem água para acompanhar essa massa seca?
— O miserável quer água? Veja só. Tem um rio em algum lugar dessa floresta, pode ir lá beber o quanto quiser. — O chefe fechou o pano e do lado de fora, rindo, disse: — Só não garanto que vai encontrar a caravana quando voltar. Mas posso garantir que sozinho irá morrer nesse bosque.
O anúncio para a partida soou, não demorou para a carroça começar a chacoalhar, e as pessoas desnutridas se segurarem da melhor forma possível, colocando-se sentadas ou deitadas.
Guilherme continuou no seu lugar, vendo a pequena Luci o encarar sorrindo.
Ele sentiu um líquido frio e grudento escorrer das ataduras e descer pelo pescoço. Passou a mão e viu que era pus. Envergonhado, tratou de limpar e ajustar os pedaços de pano fedidos que cobriam mais que a metade do seu rosto.
Percebeu que a menina não se importou com aquela aparência deplorável. Ela apenas apontou onde ainda estava sujo e onde tinha parte da ferida aparecendo.
Durante algum tempo, o Sábio não disse uma só palavra. Após esconder o melhor que pôde, olhou para a menina e disse envergonhado:
— Fizeram isso comigo. Eu não era esse monstro.
— Você não é monstro. Os monstros são maus.
Guilherme chegou a abrir a boca para falar alguma coisa, alguma besteira arrogante, mas não conseguiu criar som algum. Então se contentou que aquelas palavras eram baboseiras de criança.
A caravana parou de forma abrupta, não houve aviso nenhum, e isso já deixou felizes a maioria dos famintos daquela carroça. Pensaram que seria mais uma rodada de pães duros e secos.
Pobres tolos.
É cedo demais.
Essa gente não é tão bondosa assim.
Não pararam para dar comida, é certo!
Alguém vai morrer!
Guilherme olhou para fora por uma fresta pequena na tenda. Um lobo cinzento passou rápido, e viu que havia vários espalhados na estrada.
Guilherme fechou a fenda e se abaixou respirando com dificuldade, muito nervoso.
— O que foi? — Luci perguntou.
— Droga, vá ficar com sua tia, me deixa em paz! Não sou seu amigo, não sou seu irmão. Merda!
Luci se assustou com a reação do Sábio Miserável e engatinhou para perto da tia, abraçando-a trêmula.
— Guilherme — perguntou a pedra —, o que você viu?
— A maldita matilha de lobos cinzentos.
Em pouco tempo começou a gritaria e o som de batalha generalizada: os soldados estavam enfrentando lobos e as pessoas das outras carroças estavam sendo atacadas. No entanto, a carroça de Guilherme permanecia intocável.
Esses malditos lobos não querem me matar, só querem brincar comigo.
Se eu ficar quietinho, alguém vai dar um jeito neles.
Afinal, para que essa caravana tem uma guarda?
Serve para essas coisas.
No pior cenário, os malditos cachorros vão se cansar de comer e vão embora.
Só tenho que ficar quietinho.
É isso!
Os gritos de uma pessoa sendo devorada viva foi como a trilha sonora de um pesadelo. Todos dentro da carroça ficaram apavorados e começaram a gritar parecidas com galinhas cercadas pelas raposas.
Luci abraçou a tia ainda mais forte.
Guilherme se abaixou, e continuou hiperventilando.
— Malditos! Calem as bocas! É só vocês ficarem quietos que vamos ficar bem. — O Sábio Miserável transpirava de nervoso. — Eles não querem me matar. Só querem brincar.
Os famintos não entenderam as palavras alucinadas daquele maluco, mas todos calaram as bocas.
— Guilherme, você vai deixar outras pessoas morrerem enquanto se esconde?
Pedra, droga, dá um tempo, né.
Não posso fazer nada.
Droga, droga!
Então, o chefe da caravana entrou na tenda, baforando e todo sujo de sangue. A sua mão direita havia sido arrancada. Ele analisou todas as pessoas ali dentro, através de uma camada de desespero estampada no seu rosto.
— Você! — Ele escolheu a pequena Luci.
A menina, protegida pelos braços da tia e pela bolsa que ela segurava como um escudo, tentou se defender. Mas não foi suficiente.
O chefe agarrou a criança pelo cabelo e a arrastou sem remorso nenhum.
— O que você vai fazer com ela, seu monstro?! — perguntou a tia.
— Ela vai saciar os animais. Minha caravana tropeçou numa matilha de lobos cinzentos. Eles nunca ousariam atacar uma guarda armada se não tivessem motivos. Devem estar famintos. Espero que esse saco de ossos seja suficiente para salvar o restante da minha carga.
— Esses lobos não vão deixar sobrar nada dela, não faz isso, é só uma criança.
— Não me diga, mulher estúpida! Ela não iria durar nas minas de qualquer forma. É uma perda que posso tolerar. No entanto, algum dos outros sacos de osso aqui irá se voluntariar para alimentar os lobos e salvar minha caravana?
Devido a dor intensa, o pançudo não conseguiu raciocinar direito. Se assim fosse, perceberia que havia algo a mais no ataque dos lobos, e não seria uma mera criança que poria fim à carnificina.
A tia da menina procurou com os olhos o bondoso rapaz que compartilhou os seus pães.
Guilherme até então, apavorado e impotente, havia se esforçado para ignorar, se mantendo distante. Mas viu o olhar suplicante da mulher e a Luci apavorada agarrada pelo cabelo.
— Meu bondoso senhor, você compartilhou o pão com nós. Suplico, olhe por nós mais uma vez. — A mulher chorando, encarava o Sábio miserável. — Ela é só uma criança.
— Vai deixar a Luci ser sacrificada em nome da sua covardia, Guilherme?
O Sábio lembrou do garoto que salvou das garras do caminhão assassino. Tudo era uma farsa, uma terrível encenação, uma armadilha do deus Skog, mas o sentimento que o fez se mover naquele dia foi real.
Vou morrer. Vou morrer. Vou morrer.
Pro inferno, pedregulho desgraçado!
— Ela é só pele e osso, não encheria nem os espaços entre os dentes daqueles bichos feios. Nesse ritmo vai ter que usar todos os seus famintos para saciar os lobos.
Guilherme saltou para a entrada da tenda e completou: — Eu vou cuidar dos lobos.
— Você, miserável, é um trapo humano, também não vai saciar a fome deles. É melhor eu arriscar com essa menina, a perda será menor.
— Eles não estão famintos. Eles querem vingança. Eles me querem.
— É isso. Maldito miserável, usou minha caravana para fugir de uma matilha de lobos cinzentos, todo esse prejuízo é por sua culpa. Eu perdi a porra da minha mão.
— Sim, usei. Sim, você perdeu a mão. Cedo ou tarde, esse mundo irá cobrar seu pagamento.
Guilherme olhou para todos os famintos. Ninguém parecia agradecido ou aliviado, estavam apenas assustados, tentando sobreviver. Exceto a pequena Luci, a sua expressão não era mais de medo, ela olhava para o rapaz com olhos penetrados e sinceros. A menina confiou nele.
— Eu usei sua caravana, seu gordo egoísta. Sou o único culpado, então não vai adiantar descontar sua raiva nessa gente infeliz. Seu prejuízo só será maior.
— Se você não morrer nesse bosque, maldito, vou ter achar!
— Pode tentar, sou o Sábio Miserável. Nunca ouviu os boatos. Eu sempre sobrevivo!
Guilherme sorriu e pulou para fora da tenda.
Os lábios de Luci esboçaram um sorriso junto de um singelo agradecimento: — Obrigada, sábio bondoso!
Na estrada, Guilherme viu alguns corpos dilacerados, pessoas sobre as tendas das outras carroças e soldados enfrentando os lobos.
— Ei, malditos cachorros mutantes. — Guilherme correu feito louco para a floresta, gritando e acenando com os braços. — Cadê o líder deformado de vocês, aquela besta quadrada. Ele esqueceu daquela varinha mágica?
Os lobos ficaram ensandecidos, esqueceram o resto da caravana e começaram a perseguir o Sábio para dentro do bosque sombrio.
◈◈◈◈◈◈
Aquela parte do Bosque dos Sussurros tinha declives, rochas soltas e raízes expostas. Guilherme avançava o mais rápido que suas pernas podiam suportar, pois seu corpo estava muito debilitado para uma fuga num campo tão desregulado, na verdade, não aguentaria uma fuga longa em campo nenhum. Um tropeção e seria seu fim.
— Assassino… traidor… covarde… — O bosque começou sua sinistra melodia.
Maravilha!
Começaram os malditos sussurros.
Então tentou escalar uma árvore, mas logo desistiu quando percebeu que os braços não tinham forças para sustentar o peso do corpo numa subida.
Os uivos espalhados pela floresta eram sinistros.
— Vai morrer… não irá sobreviver… — Os sussurros continuavam incessantes.
— Guilherme, dessa vez você conseguiu — disse a pedra. — Agora lobos não querem só ameaçar.
— E de quem é a culpa? Eu tava quieto. Tinha um plano.
— Um plano que envolve sacrificar inocentes não é um plano válido. Covardes merecem a morte!
O Sábio já estava acabado, suando horrores e diminuindo a velocidade, dirigindo-se de forma gradual para um declive, deixando a gravidade trabalhar por ele.
— Então quer brincar com os lobos, hein? Vamos ver. Fica falando nos meus ouvidos, bancado a comadre arrependida.
— Estou orgulhoso de você. Sabia que não ia deixar aquela pobre criança morrer.
— Assassino… vai morrer… covarde…
— E quem não vai deixar eu morrer? — perguntou sem jeito. — E esse maldito bosque que não cala a boca.
— Tem que ignorar as palavras cruéis. Elas não definem quem você será!
Guilherme saiu numa clareira. Um pouco mais à frente, o seu caminho acabou num penhasco que terminava num rio de águas violentas. A correnteza era mais forte que a do grande Rio Tocantins.
Esse deve ser o rio que aquele pançudo da caravana falou.
— Nossa salvação, Guilherme, pula na água.
— É louco, é? Olha essa altura, essa correnteza. Diferente de você, posso quebrar. Também, do jeito que estou fraco, não vou conseguir enfrentar a força das águas. Se eu pular, vou morrer.
— Se não pular vai morrer devorado. Veja como é sortudo, poderá escolher como quer morrer.
Droga… o que faço?
Pulo?
Mas é tão alto.
Droga!
Talvez os lobos me deixem em paz.
Isso!
Um lobo gigantesco, quase do tamanho do líder da matilha, saltou da floresta furioso e avançou salivando contra o Sábio.
— Pedra, pedra, se você tiver algum poder oculto, agora é a hora de revelar. A grande surpresa. O maior de todos os clichês. Não vou ficar bravo.
— Claro, essa é a hora. Eu guardei pra te surpreender… ha, ha, ha. Vou usar as palavras mágicas: abracadabra. Vou usar o pó pirlinpinpin… e pelo meu poder, vire uma bela borboleta e saia voando!
Por um instante Guilherme até estufou o peito e se sentiu gloriosa tal qual uma borboleta, mas era só o embrulho do seu estômago, e nada aconteceu.
— Tava me sacaneando, pedra maldita?
— Você ainda pensa que é o protagonista de uma novel vazia. Avisei mil vezes que neste plano existencial sou apenas uma pedra. Não existe um enredo idiota para favorecer você!
O lobo saltou, arregaçando a boca e exibindo os imensos dentes.
— HOOOO DESGRAÇAAAAA!!!
O lobo se chocou com o sábio e ambos caíram do penhasco dentro do rio.
Guilherme afundou, mas depois de um esforço considerável conseguiu emergir. A correnteza era forte demais. Ele viu que o lobo estava nadando em sua direção, mas ao se chocar contra uma rocha, o animal afundou e desapareceu.
Vou usar a correnteza a meu favor.
É isso.
Vou nadar de cachorrinho até a margem.
Só que após a primeira tomada de fôlego, ele entrou na direção de uma rocha. Usou os braços para proteger a cabeça, só que mesmo assim o impacto foi forte.
O Sábio Miserável perdeu a consciência e afundou.
◈◈◈◈◈◈
Guilherme imaginou que estivesse numa profunda piscina relaxando, e no mínimo só precisaria nadar até a borda para sair de dentro da água. Mas em vez disso, o corpo não respondeu à sugestão e se viu afundando para o fundo escuro.
O problema era que ele estava errado quanto às soluções que propunha para resolver sua situação nesse isekai. E constatar isso o deixaria pesado como chumbo.
Aquelas águas não eram uma piscina. Era o rio de outro mundo e estava morrendo.
Não é tão ruim assim.
É silencioso.
É calmo.
Não há dor.
Game over.
— É um garoto. É a bosta de um cadáver. — Uma voz feminina quebrou o silêncio. — É melhor deixar o rio levar. Os peixes vão comer.
— Vou tirar ele dessa água congelante — retrucou outra voz masculina. — Vou arrastar para a margem. Seja quem for, merece um enterro e não virar comida para peixes.
Distante, Guilherme escutou quando as vozes discutiram e prendeu o fôlego.
— Crista de galo, a água nem está gelada e esse garoto não é problema nosso. Você só quer parecer legal, isso cansa — resmungou a garota. — Era só deixar o rio levar embora.
— Não é certo deixar alguém na água e não estava tentando parecer legal. Você que é uma amante das plantas! — O garoto deu para a garota uma pitada de sua própria indiferença, pagando na mesma moeda as broncas descabidas. — Vem ajudar!
Guilherme sentiu as mãos agarrarem seu corpo e flutuar para fora da água.
— Ele tá mais vivo que um passarinho, viu só? Você queria deixá-lo no rio.
— Não — respondeu, de modo simples. — Pensei que estivesse morto, juro, só isso. Tem certeza que não é sua imaginação. Mesmo assim, vou verificar. Droga, tá vivo. Eca, cuspiu água em mim. O que vai fazer?
— Ele não vai morrer aqui. — Houve uma pequena pausa. — Vamos levar para casa.
— Perdeu o juízo? Papai não vai gostar.
— Ele não vai massacrar a gente e nós não vamos abandonar esse garoto aqui. Você perdeu, eu venci… aceite!
Droga… que porra de papai, calem a boca, malditos.
Guilherme perdeu os sentidos.
...
◈◈◈◈◈◈◈◈◈◈◈◈
Olá, queridos leitores.
O que acharam do início do Arco 2?
Bem… espero que tenha sido tão empolgante para vocês quanto foi para mim escrever.
Mas quero falar com vocês sobre outra coisa. Eu comentei anteriormente que poderiam apoiar meu trabalho. Então, é isso.
Peço aos leitores, os que gostaram do mundo que criei e que acreditam no potencial dessa história. Espero que possam me ajudar a continuar. É de uma forma segura, bem simples, fácil, comum.
Essa é a chave PIX:
Podem contribuir com qualquer valor… mas falando sério, tirem o escorpião do bolso para ajudar a literatura brasileira! Rsrsrs. Brincadeira. Qualquer valor será muito bem vindo.
P.S.: Essa conta é do meu pai, por isso, se puderem mandar uma mensagem junto para diferenciar a contribuição de vocês, será muito bom.
Deixo os meus mais sinceros votos de confiança que o apoio de vocês irá construir uma grandiosa aventura.