Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 5: A Habilidade do Protagonista

Guilherme observou o céu azul enquanto bebia água no córrego, sorrindo, lembrando da vitória da noite anterior contra a matilha de lobos ferozes.

Agora, não estou sentindo dor.

De certo não aguentei e desmaiei de exaustão, mas, agora, nenhuma parte minha sente dor.

Vou poder resolver a situação de uma vez com essa pedra.

Ela pensa que não percebo que está me enrolando.

Mas essa é uma mesa de sinuca que os dois podem jogar.

E só será caçapa bola 15!

— Você tem algum nome?

— Meu nome há muito foi esquecido. Pode continuar me chamando de pedra, é simples.

— Hum… certo! Você é como eu, não é, pedra?

— No quê? Carne e osso?

— Não, sei diferenciar rocha de carne. Ah, apesar que você também está vivo nesse mundo estranho. É isso que se trata tudo: informações. Quero dizer que nós dois vamos lutar juntos para sobreviver, e não sabemos nada um do outro.

— Não sei porque está surpreendido com a realidade — disse a pedra limitando a voz.

— Não é isso, quero dizer que somos iguais. Não carne e pedra, mas eu tenho algumas perguntas e quero responder as suas também, tem alguma?

— Nenhuma, especialmente agora. Não vou ser descortês com sua bondade, posso fazer uma pergunta: por que escolheu trazer as memórias da sua vida anterior?

— Sou um poço de conhecimento sobre mundos, por isso, achei o mais lógico manter as memórias. Também tinha lembranças que não queria perder.

― Sobre mundos? Lembranças? Como? Você se refere sobre os tais manuais de treinamento?

― Mais ou menos! Como vou explicar: Novels, videogames, mega-sena.

— Muito bem, preservar as memórias foi uma escolha astuciosa. Os dois presentes do deus Skog foram uma armadilha. Os deuses são egocêntricos e cruéis, em especial: o Skog é sádico.

Skog é o nome daquele querubim deformado com pernas de bode.

Então o lance de presentes para o herói era mesmo outra pegadinha…

Sabia que era estranho!

— Como assim?

— Para sua defesa, não é? O que você acha que iria acontecer com o herói ao reencarnar junto de algo da antiga vida, mas que deixou as memórias para trás?

— Seja o que for, não iria servir de nada.

— Essa é a armadilha: os heróis escolhidos não vão lembrar de nada.

― Heróis? Então há muitos outros?

― Não posso saber, faz mil anos que não vago por esse mundo. Mas na antiguidade, os heróis eram numerosos e lindos como as estrelas no céu noturno.

― Ta, ta, ta… e sobre as habilidades?

― A habilidade Skog, que é o representante das florestas e dos animais, são as bestas lendarias. Se houver outros heróis, as suas habilidades dependerão da essência do padrinho celestial.

O maldito Liel era devoto de um tal deus Krig.

Ele também é um herói?

Droga!

Skog e Krig?

Nunca ouvi falar desses  deuses, se ainda me lembro de God of War.

Claro que sim, zerei todos os jogos um monte de vezes.

Será que esse balaio de gato é tão fundo assim?

Isso não é bom.

― Pode haver mais de um herói sobre a proteção do mesmo deus?

― Sim! Lembra, os deuses são cruéis. Tudo dependerá do humor deles.

― A minha situação é ruim ― Guilherme suspirou alto.

― Você está na vantagem. Sem as memórias, os outros heróis irão acabar como camponeses, absorvidos por esse mundo, mantendo a engrenagem e divertindo os deuses. Last Downfall se tornará apenas uma lenda inalcançável.

— Só uma lenda… 

— Uma lenda é capaz de despertar o espírito da aventura de um verdadeiro herói. Não entende isso?

— Não me faça rir, pedra. Sou um grande herói. Coleciono lendas.

O relato simples da existência de LAST DOWNFALL, incompleto, tinha o efeito das grandes histórias. Acentuava o desejo, numa linha insinuante que se movia sensualmente, arrastando o rapaz para o desconhecido, de maneira inevitável. 

O coração de Guilherme começou a bater tão forte, que ele precisou se controlar, como se pudesse evitar a perigosa teia da faminta aranha, porém, todos os arranjos para a armadilha estavam preparados.

— Tá, mas… Last Downfall é real? — O rapaz reagiu da forma que podia.

— Sim!

— Pode realizar qualquer desejo?

— É o poder capaz de refazer a criação.

— Está debaixo da água, no céu, é um lugar ou algum objeto?

— Não sei! Ao ser conquistada e realizar o desejo, mudará de forma e de lugar. Uma nova lenda nascerá e a roda voltará a girar. A última vez foi há quinhentos anos.

Pera, isso é uma baita informação.

Essa pedra falou que estava esperando há mil anos.

Será que não foi ela que pegou o desejo?

Tá de sacanagem.

Já estava contando com esse clichê para matar a charada.

Então, o que ela estava esperando?

Aff!

— Você participou do último desejo?

— Ah, não, não quero falar sobre isso! Só que… — a pedra respondeu rápido — o jogo preferido dos deuses é torturar os mortais com seus maiores desejos.

— Por que você odeia os deuses?

— Não pode confiar nos deuses porque são criaturas cruéis. Você só precisa saber disso e… não esquecer!

Entendo, suspeito.

Então há assuntos que não vai responder mesmo.

Qual é seu segredo, pedregulho?

Tudo bem, não vou forçar.

Só posso aguardar o momento certo para acertar a bola na caçapa.

— Certo, agora é minha vez de começar uma pergunta. Como você conhece tanto da Terra? Nem adianta empurrar que é a besta do saber, porque a sabedoria seletiva não vai colar.

— Não quero falar sobre isso.

— Que droga, pedra, se você não responder minhas perguntas, não é justo.

— É só fazer as perguntas certas. Não misturar as ordens, porque há diferenças entre sabedoria, inteligência e conhecimento.

— Certo, tudo bem, como você foi parar debaixo daquela pilha de rochas?

— O meu último herói não tinha memórias e estava perdido nesse mundo. Quando me encontrou, mesmo explicando tudo para ele, nada adiantou e zombou das habilidades que ofereci, então, antes de firmar um contrato comigo, me atirou num rio. Veio uma tempestade, quinhentos anos e o resto você já sabe.

Quinhentos anos?

É verdade, será que foi esse tal herói que conquistou Last Downfall?

Isso explicaria esse mau humor dela.

Será?

Guilherme chegou no assunto que importava. Por falta de uma abordagem melhor para arriscar, ele observava, através dos contornos da pedra, os seus sinais discretos, que na maioria, era o par de olhinhos trêmulos.

Alguns pontos deixavam referência clara do nervosismo da besta, indicando que ela escondia segredos que queria muito afastar do rapaz.

Como um ator cínico, Guilherme imaginava quantas daquelas palavras seriam legítimas.

De súbito, tudo aquilo pareceu pesar-lhe nos ombros, nada mais era divertido ou interessante. Toda aquela história de trapaças e jogadas, todas as regras e cerimônias, nada tinham a ver com ele, e uma onda de desânimo arrasou seu espírito.

Esse bicho quer me ganhar no cansaço.

Não posso desanimar, não vou voltar a ser aquele fracassado da Terra.

É difícil, mas posso vencer, é apenas uma pedra.

Já ficou claro que sou o herói desse mundo.

Não vou desanimar.

Acorda!

— O contrato vai liberar a minha habilidade?

— Sim! Vai aceitar o contrato?

— O que vou ter que dar em troca?

— Nada que não possa suportar. Vai aceitar o contrato?

Não adianta, é evasiva demais.

Não sei o que fazer.

Vou ter que continuar apostando às cegas?

Não é bom.

Quanto mais?

Não gosto disso, mas não tenho escolha.

Um herói já mandou essa pedra catar coquinho e pelo visto se saiu muito bem.

Hummm.

É como nos jogos de RPG.

O mestre que dissuadir o foco principal.

Comigo não, mané.

E eu vou vencer!

— Sim! O que tenho que fazer?

— Que a grande lua vermelha parta ao meio, já era hora. É só responder à minha pergunta: eu, a besta da sabedoria, lhe ofereço o contrato de nossa união, você aceita, herói?

Guilherme, apesar de não conhecer todo aquele mundo, percebeu que não sobreviveria sem habilidades poderosas, e seus testes mostraram que a única forma de consegui-las era através da pedra.

Ele não era um herói de verdade, e sim um fracassado, por isso não podia se dar o luxo de tentar buscar outra solução.

Depois, quando eu conhecer os segredos desse mundo.

Posso me livrar desse pedregulho.

Buscar algo melhor.

Mas agora só há uma resposta.

— Aceito! — A fez torcendo que não fosse um erro.

Nesse instante, a pedra começou a brilhar e flutuar. Um fio dourado surgiu do nada e transpassou o corpo pedregoso da besta e se fechou num laço perfeito, criando um colar que aterrissou em volta do pescoço do rapaz.

Guilherme seguiu toda a ação com o olhar e no fim, não sentiu nada diferente, além de que, agora, possuía um cafona enfeite no pescoço.

O laço do colar fechou.

O rapaz ficou nervoso e tentou puxar, quebrar e tirar o colar de todas as formas, mas não conseguiu.

Apesar do fio parecer um trançado de metal fino e comum, era forte que nem os cabos de aço das construções, e não passava pela cabeça dele.

— Está ajustado ao seu corpo. Não vai sair, não vai arrebentar, não será cortado — disse a pedra, pendurada na altura do peito — a única forma de tirar esse colar é conquistar Last Downfall ou você morrer.

Droga!

Fui muito burro!

Não pensei que algo assim pudesse acontecer.

— Você me enganou. Era por isso que queria tanto fechar o contrato.

— Peço desculpa por meu comportamento, mas não podia arriscar. Mil anos esperando é tempo demais. Mas minha união com você não irá atrapalhar sua aventura. Apenas, agora, não poderá se livrar de mim. O bom é que posso liberar suas habilidades, não está curioso?

Você não conquistou a porra do desejo.

Então o que estava esperando?

Não tenho outra escolha, agora é ajoelhar e rezar.

— Hum, tá certo, tá certo. Deixa pra lá. O que importa é o meu poder. Não sinto nada diferente, qual é minha recompensa, digo, habilidade?

Chegou a hora de sheipar essa bosta.

Não quero saber de ladainha chata.

O que importa nas histórias de ISEKAI é o poder do protagonista, ou seja…

Meu poder.

Qual será?

Chamas infernais? O frio polar? Hipper velocidade? Força de um dragão? Harém infinito? Beleza divina? Um círculo mágico fodastico? O corte supremo de mundos?

Não aguento esperar.

— Você vai entender quando ver — disse a pedra. — É só me segurar entre a sua mão direita e apertar forte.

Ansioso, assim Guilherme o fez, então uma pequena palavra brilhante apareceu flutuando no ar.

Ele tocou a palavra, e por um instante não conseguiu respirar por causa da ansiedade. Então um grande painel se abriu na sua frente, flutuando no ar, brilhante como o leiteiro dos bordéis da Terra.

— Ãh? Tá de sacanagem. É um tipo bizarro de ficha de RPG — disse Guilherme com um suspiro admirado.

— Eu não conheço isso, RPG, mas se você reconhece, é suficiente. Essa habilidade se adapta conforme os conhecimentos do herói, já que possui suas memórias, ela será vasta.

— O que faço agora?

— Ora, você começa a aventura.

Aff…

Essa pedra não ajuda em nada.

Deixa eu pensar.

Esse iniciar... acho que é como começar um game.

Clichê básico dos isekais.

Mas será que vou poder escolher o tipo de personagem?

Hummm.

Oba, vou querer ser um guerreiro fodástico ou um vampirão.

Bem, vamos lá…

Ele tocou na palavra iniciar.

As letras e tudo mais começaram a brilhar tão forte que Guilherme precisou tapar os olhos, e quando voltou a enxergar, ele sentiu uma ardência forte no olho esquerdo, no entanto, ignorou porque ficou encantado de como a sua ficha havia mudado.

— Sou da classe sábia. É incrível!

— Exato, realmente tem bons olhos. A classe sábia é muito rara e poderosa, por isso, ninguém pode saber que pertence a ela. Isso é muito importante, entendeu?

— Bem…

— O que foi?

— Você precisa saber que esse corpo pertencia a um escravo. Vai ser complicado manter qualquer segredo.

— Escravo, como? O que aconteceu com esse mundo em quinhentos anos? Como descobriu isso?

Quinhentos?

― Bem… com uma dupla de bananas, eram camponeses do vilarejo próximo daqui. Me ameaçaram levar aos guardas, acredita nisso, pedra? Mas não se preocupe, dei uma boa escovada neles.

― O que? Não! Tem certeza que resolveu essa situação, não vão voltar atrás de vingança?

O gosto forte de merda veio na boca de Guilherme.

Droga!

Quem quer se vingar é quem apanhou…

Eh!

― Oh-ho, sim, claro… eu dei uma boa surra neles. Pode acreditar, nunca mais vou ver a cara daqueles dois!

― Ótimo, você é um herói, destemido e poderoso, muito bom. Mas muito me preocupa o quanto esse mundo está diferente.

― Deixa disso, pedra. Sou um grande herói. E com minhas habilidades despertas. Vou conquistar Last Downfall em um mês, não, no máximo dois meses.

― Acredito! Nossa jornada vai ser vitoriosa. No entanto… a classe sábia é fraca de início, por isso você deve dominar suas habilidades o mais rápido possível.

― Vai ser moleza, deixa comigo!

Guilherme percebeu que na sua ficha, muitas das opções deveriam ser escolhidas, isso abriria um leque de possibilidades quase infinitas.

Então olhou seus pontos.

Que números miseráveis são esses.

Por isso esse corpo não aguentou nada.

Loucura.

Ainda tem um tanto de números para usar, mesmo assim é ridículo.

Humanos neste mundo não valem nada.

Mas em que lugar valem alguma coisa?

O corpo de Guilherme estremeceu e lembrou da sua vida na Terra.

— Sonhos, desejos? Os humanos nunca valem nada. Você é um vagabundo preguiçoso, e nada vai mudar isso… poderia receber um tesouro, e mesmo assim daria um jeito de jogar no vaso junto da sua bosta.

Não suportando, ele deu um tapa no próprio rosto para voltar dessa lembrança horrível.

Eles só sabiam gritar comigo, nunca me apoiaram em nada.

Não estavam errados.

Foco, foco, foco.

Na terra eu não valia nada, xiii, esquece isso cara.

Esse é o seu ISEKAI. Seu recomeço.

Para que leu tanto?

Não era um sonho?

Eu posso fazer isso!

Eu vou avaliar, vou fazer minha jogada.

Queria facilidades? Claro que não!

Essa pontuação logo ganhará status astronômicos, vou ser grande, o deus deste mundo!

Continuou analisando sua ficha. O sistema não era MMORPG, FATE, BRPS, Gumshoe, HeroQuest, e muito menos era D&D.

Buscou no vasto conhecimento, mas a jogabilidade não era nada parecida com as que conhecia. Não encontrou os pontos de vida. Não tinha o valor das jogadas, ataque e defesa.

Mas isso não quer dizer que era impossível, ele só precisará estudar cada detalhe dessa ficha, em outras palavras, todas as características dessa habilidade, contrapor com as variantes, vantagem e desvantagem.

A força reside em conhecer a si mesmo.

Aprendi que, quando alguém não conhece a si mesmo, está perdido. Irá se tornar uma ferramenta para os outros.

bom… meio isso, né?

Certo, garapa gelada, eu posso fazer!

— Você reconheceu a potencialidade dessa habilidade? — perguntou a pedra.

— Sim, vou poder escolher a forma da minha evolução.

— Você foi o primeiro herói que notou esse tesouro. No entanto, é apenas uma fração do potencial. O principal poder ainda não percebeu.

— Não vai me contar, né?

— Não!

— Você é cheio de segredos.

— Há coisas que você terá que descobrir sozinho para não influenciar suas escolhas, afinal, você é o herói.

— Faz sentido. — Guilherme coçou a cabeça, um pouco indignado, mas aceitou a situação.

Sou fraco, não posso ignorar.

Vou precisar de boas ferramentas e poderosos itens.

Ele lavou o rosto no córrego para que pudesse pensar melhor sobre a situação, antes de decidir qual seria sua próxima jogada.

Essa água é tão gostosa.

Dá vontade de deitar nela e relaxar.

Droga!

Não é hora de relaxar.

Ignorou os estranhos efeitos da água do córrego sobre o seu corpo.

A pedra é cheia de segredos, e mesmo que não fosse assim, ela ficou fora do mundo por muito tempo, não seria útil afinal.

Minha habilidade é incrível.

O FICHÁRIO DO JOGADOR… vou chamar assim.

Mas inicialmente é fraca e ainda preciso testar seus limites.

Então tudo se resume em informação.

Vou ter que voltar naquele vilarejo.

Droga!

...



Comentários