Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 30.3: O Espetáculo dos Artistas Principais na Velha Macieira

Na cidade de Boca dos Famintos, um mistério envolvia a colina da velha macieira, a árvore que alimentou os primeiros moradores daquela terra de chão duro.

As bocas supersticiosas disseram ao longos dos anos que figuras misteriosas se reuniam naquele lugar durante as noites da grande lua vermelha para fazerem sacrifícios, outros afirmavam que eram orgias em adoração aos deuses antigos, e os conspiradores suspeitavam que as reuniões tratavam de planos macabros para abalar a estrutura do grande império Tusso do Norte.

O único ponto em comum, nas inúmeras versões, eram os mantos negros que os participantes usavam para esconder suas identidades.

Ninguém nunca viu, de fato, mas havia uma recompensa de uma algibeira cheia de moedas de bronze, financiada pelo Círculo Dourado, para qualquer herói que capturasse uma dessas figuras misteriosas.

◈◈◈◈◈◈

Um pequeno grupo estava a pouco menos de um quilômetro da colina da velha macieira, mas era suficiente para sentir a pressão no ar.

Algo estava acontecendo de fato.

— Estou sentindo o clima sinistro. Todos os pelos do meu corpo estão arrepiados. Tenho certeza que o sujeito que vi está lá — disse um soldado da guarda ponta vermelha, ele que liderava um pequeno contingente formado com outros soldados e aventureiros.

Todo o grupo sentia o sol do meio-dia esquentar suas malhas de couro e não tinha nenhuma nuvem no céu para amenizar o calor.

Os homens caminhavam por uma planície com touceiras de mato na altura dos joelhos, e daquele ponto, já podiam ver a colina, tão nítida que fez a tensão se elevar entre todos.

— O que você está sentindo é o sol fritar o seu juízo. Como permitir que você me convencesse a largar meu posto para vir nessa loucura? — Um dos soldados não estava satisfeito. — Essa lenda não passa de conversinha dos camponeses. Além do mais, os boatos dizem que os lunáticos se reúnem durante as noites. O que estariam fazendo aqui em pleno sol do meio-dia? Se não for eles?

O soldado que liderava o grupo pressionou com firmeza a espada que escorregava da mão por causa do suor.

— Essa gente é maluca! — afirmou ele. — Eu vi um encapuzado sinistro vindo para essas bandas. Ele andava afoito e grilado.

— O ar está com cheiro azedo — disse um clérigo, que era membro de um grupo de aventureiros classe C. — Há uma energia maligna aqui. Estou com um pressentimento ruim que não consigo explicar. Sinto como se estivesse sendo observado ou como se algo ruim estivesse se aproximando. É uma sensação angustiante que está pressionando meu peito.

— Acho melhor a gente dar meia volta e esquecer dessa história.

— Besteira! Isso só prova que o sujeito encapuzado está lá. Imagina quando a gente botar as mãos na algibeira cheia de moedas que o círculo dará como prêmio. — O líder do grupo comemorou. — Eu só chamei você, que é meu amigo, alguns companheiros do batalhão que são de confiança e um grupo de aventureiros de classe C. Irá me agradecer hoje, na taverna, com uma linda mulher brincando de cavalinho sobre suas pernas.

Empolgado, o grupo continuou avançando.

◈◈◈◈◈◈

Seis figuras sinistras ocultando as identidades com albornozes negros acoplados com grandes capuzes se encontravam reunidas na clareira, próximos da velha macieira.

O ar estava parado e o silêncio só era interrompido pelo som de galhos quebrados que vinham da copa daquela grande árvore. Alguém pulava de um galho para outro atrás das suculentas maçãs.

No solo, o sol não era capaz de iluminar os rostos das seis figuras misteriosas. Ainda assim, os volumosos tecidos negros pareciam fumegar no calor escaldante.

Todos ali se mantiveram em silêncio, como se estivessem esperando alguma coisa.

Quando um sétimo encapuzado se aproximou dos demais, o calor já havia ultrapassado todos os limites.

O recém-chegado suspirou; foi um dia duro para ele e usar vestes tão pesadas num dia tão quente era demais para ossos cansados.

— Eu não concooordo com uma reunião em pleeena a luz do dia — disse, tirando o capuz. Ele mirou de lado a lado os demais encapuzados e abanou a cabeça, cheio de dúvidas e calor.

Era um velho de face oriental, pele pálida, olhos fundos e pesados.

KAMO KRONNER

Bando: Circo Horror.

Artista: Contador de histórias.

Função: Feiticeiro.

Infâmia: A balança.

Recompensa: 1 moeda de ouro.

◈◈◈

— A culpa é da Paulinha, foi ela que marcou a reunião nesse lugar — explicou um dos encapuzados. Ele tinha uma voz arrastada, mas suave. Esse também tirou o capuz, revelando o seu rosto. — Tudo que eu queria era procurar uma poção para a minha triste condição.

Era um homem ruivo, cabelo longo e a face de uma tristeza comovente.

PEDRO

Bando: Circo Horror.

Artista: Mestre do globo da morte.

Função: Conjurador/suporte.

Infâmia: O corvo broxa.

Recompensa: 1 moeda de ouro.

◈◈◈

Kamo olhou para a figura que foi acusada, uma bem pequena em comparação às demais, e começou a bater impaciente com os pés no chão, mostrando sua insatisfação.

— Não adianta olhar para mim, seu velho. — Uma voz feminina e vivaz. A encapuzada revelou o rosto, mostrando os pontudos dentes brancos. — A culpa é do Rose, foi ele que queria comer maçãs. Vá brigar com ele.

Era uma garota, muito nova, com traços orientais. Era pequena para uma mercenária com uma recompensa tão alta, bem era verdade, mas sua expressão era confiante. Em seu rosto pálido sobressai os olhos verdes, cheios de brilho, e na boca, o conjunto de dentes serrilhados sobressaltou a visão de qualquer um.

PAULINHA

Bando: Circo Horror.

Artista: Contorcionista.

Função: Tanque.

Infâmia: Tubarão Cabeça-chata.

Recompensa: 2 moedas de ouro.

◈◈◈

O calor estava alto e o suor escorria pela pele enrugada do Kamo.

— Bhahhh… um pouco de sol vai lhe fazer bem para os ossos, meu velho. — Uma voz masculina, forte e intimidadora se fez presente. O dono dela revelou o rosto entre risadas. — Calor faz bem aos homens fortes! — Ele tirou de dentro do albornoz um cantil e bebeu com vontade o líquido que continha.

ZUNNICHI

Bando: Circo Horror.

Artista: Homem forte.

Função: Tanque

Infâmia: O Sapo.

Recompensa: 3 moedas de ouro.

◈◈◈

Em Boca dos Famintos, choveu durante a maior parte do mês. Na velha macieira havia folhas novas e as maçãs estavam suculentas e vermelhas, ainda assim, aquele dia de calor era intenso demais.

— Vá se danar, sapo! Só diz isso porque sua pele é mais enrugada do que a do Kamo, bem… é mais enrugada que qualquer outra. — Foi outra voz masculina, com um timbre de malandragem. Esse encapuzado revelou o rosto logo em seguida. — Eu não posso tomar sol direto na cabeça, senão vou queimar e perder os pouquinhos de pelos que ainda tenho.

Era um homem, um pouco acima do peso, moreno e careca, de tal forma que parecia que sobre a cabeça lisa nunca cresceu um fiapo de cabelo.

EDU GOÉTIA

Bando: Circo Horror.

Artista: Bala de canhão humana.

Função: Atirador.

Infâmia: O careca.

Recompensa: 2 moedas de ouro.

◈◈◈

— Deixa de história, Edu, vá procurar sombra em alguma masmorra fria. — O sapo caiu na risada. — Sua careca é mais lisa que couro de lagarto saído do ovo.

— Todos vocês são pálidos demais, precisam mesmo pegar sol. Esses albornozes não fazem bem — Desta vez a voz masculina foi suave e calma, tanto que lembrava uma melodia. Esse também revelou o rosto logo em seguida. — Zunnichi, me dá um gole disso aí que você bebeu. Está tão quente que estou cuspindo poeira.

Era um homem branco, jovem e com o cabelo liso, loiro e curto.

WILGNER

Bando: Circo Horror.

Artista: Domador das feras.

Função: Inteligência/espionagem/domador.

Infâmia: O leão branco.

Recompensa: 2 moedas de ouro.

◈◈◈

O Sapo estendeu o cantil para o Leão Branco que depois de apanhar, já deu uma golada na bebida. Mesmo coberto pelo tecido pesado do albornoz, deu para perceber que todo seu corpo estremeceu. No entanto, a sua expressão de dor foi o que chamou a atenção de todos, só que foi ainda mais curioso, porque em seguida, ele sorriu.

O Sapo olhou para a Balança e perguntou:

— Quer um gole também, meu velho? Vai sentir o calor das terras altas.

— Não! Esses estraaatos dos homens-feras é pior que o magma das entraaanhas da terra. Não é o momeeento para beber, estaaamos em campo aberto, vulneráveis.

— Não divida sua incompetência com todos nós. — Uma voz feminina, puxada e sensual. A envolvente encapuzada revelou o rosto. — Meu feitiço já está ativo sobre toda essa clareira.

Era uma mulher, muito bonita, com cabelos negros e cacheados que lembravam cachos de limão.

MENMA

Bando: Circo Horror.

Artista: Dançarina do ventre.

Função: Feiticeira/suporte.

Infâmia: Tulipa sangrenta.

Recompensa: 2 moedas de ouro.

◈◈◈

— Ououo — chamou Paulinha. — Temos visitas. — Ela viu o contingente de soldados e aventureiros, então ficou empolgada. — Menma, depois eu posso ficar com os ossos deles, é bom para roer. 

— Pode, se sobrar alguma coisa. — A Tulipa encarou a Balança. — Você só chegou aqui porque eu permiti — ela aludiu, irritada. — Se Rose tivesse aceitado minha vontade, você já teria se transformado em adubo para as plantas desse bosque.

Kamo encarou a companheira furiosa, sem nenhum sinal de vacilação, e os seus olhos vieram fixar-se nos demais companheiros. Ninguém se moveu, ou esboçou qualquer gesto, até Menma voltar a falar:

— Muito bem. É fácil acabar com você porque homens velhos são fáceis de quebrar. — Ela moveu o quadril de uma forma insinuante.

Tirando a Balança que não aguentava mais o calor, derretendo em suor, todos os outros começaram a rir.

Os sete astros principais do circo mais horripilante do mundo estavam reunidos. Só a menção dessa trupe já seria suficiente para fazer tremer as coroas nos topos das cabeças de reis de terras distantes.

Só que naquele momento, nenhum deles sabia dizer qual seria a apresentação, mas uma coisa era certa, seja para qual for a plateia, o espetáculo seria de matar.

◈◈◈◈◈◈

O grupo de soldados e aventureiros já conseguiam avistar a grande macieira, e próximo dela, havia um grupo de pessoas usando albornozes neglos.

— Eu já consigo ver os vultos dos lunáticos religiosos. Acho que tão fazendo uma oração, sei lá — disse um soldado.

— Tiramos a sorte grande, tá vendo só, homem, falei que era verdade. É muito melhor, porque é a seita toda reunida. — O líder do contingente brincou com o amigo. — Vamos todos encher os bolsos. Talvez vai dar até para largar essa vida sofrida de soldado.

Agora, ainda mais motivados, o grupo avançou com cautela pelo capinzal. Ainda que não tivesse perigo à vista, já que as touceiras de capim eram baixas demais para uma emboscada, todos estavam alertas.

Era inevitável as faces satisfeitas deles, já que a situação estava favorável.

De repente, tudo mudou.

O chão tremeu e os capins começaram a se agitar de forma violenta, como se estivessem vivos. Os soldados e aventureiros olharam um para o outro com expressões assustadas, tentando entender o que estava acontecendo.

— É magia negra! — avisou um dos aventureiros de classe C.

Mas não deu tempo para nada. Ramos repletos de espinhos saíram do chão e se enroscaram no homem. O corpo do infeliz, muito rápido, foi todo enrolado pelas hastes espinhosas.

Os demais companheiros correram para ajudar, mas não deu tempo para salvar a vida dele.

O homem foi esmagado e seu sangue gotejou para todos os lados.

A chuva de sangue imitou um véu vermelho que cobriu a paisagem, transformando a clareira em um pesadelo encharcado de morte. 

Segundos depois, o que sobrou do pobre infeliz foi tragado para dentro da terra.

Então, outro grito de terror naquele ciclo desesperador, agora, de um dos soldados, quando também foi puxado para baixo do solo pelos violentos ramos espinhosos. Ele desapareceu de vista em questão de segundos.

O grupo logo se deu conta de que estavam sendo atacados por uma força poderosa e prepararam suas armas para lutar.

— Você é um clérigo, caramba! É um aventureiro de classe C, ande, abençoe essa clareira e livre essas plantas do controle do mal! — gritou o líder do grupo.

Mas quando ele buscou por resposta, o clérigo já havia desaparecido. Não só ele, mas quase todos os homens já estavam nas profundezas da terra.

Os poucos que restaram entraram em pânico e tentaram correr para longe da clareira, mas não conseguiram escapar. Um a um, eles foram puxados para dentro do solo pelas hastes agitadas.

— Me ajude…

O líder viu o amigo ser tragado pela terra. Mas não podia fazer nada, estava lutando para se livrar daqueles tentáculos espinhosos, mas seus esforços eram inúteis, porque toda vez ele cortava um ramo, outros cinco tomavam o seu lugar.

Então, num momento de descuido, muitas das hastes agarraram suas pernas e começaram a subir, enrolando-o, e prendendo-o num abraço mortal. O homem só conseguiu assistir impotente.

Os espinhos penetraram fundo rasgando a sua carne. A dor era lancinante.

— Socor… — Ele tentou gritar, mas as hastes espinhosas romperam e adentraram por sua boca, nariz, olhos e ouvidos, de forma que qualquer som foi abafado.

No fim das forças, tudo que o soldado sentiu foi o frio úmido do solo enquanto era enterrado vivo, e tinha o corpo esmagado por uma pressão absurda.

No fim, o silêncio tomou conta da clareira, como se a natureza tivesse consumido tudo o que se movia, e uma vez saciada, voltou a dormir.

...



Comentários