Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 30.2: A Frustração da Cigana

Miranda acelerou mais os passos. Tinha as mãos trêmulas. Dividia a atenção entre a trilha e os sinais de que não estava sendo seguida, já que naquela altura não podia mais errar. O corpo tremia por causa do frio.

Aquela noite, em especial, estava gelada demais.

— você vai matá-las como matou seu pai, é tudo culpa sua, sempre, sempre… — os sussurros do bosque eram uma companhia maligna.

Quanto tempo mais levará para chegar ao esconderijo? Pensou, enquanto esfregava os braços para esquentá-los.

Ela sabia que se tratava de cinco ou quatro minutos por certo, mas estava tão assustada que não conseguia raciocinar, só conseguia pensar nas meninas. E aquela corrida parecia uma eternidade.

O local do esconderijo ficava numa parte afastada no Bosque dos Sussurros, mas não muito adentro da mata, ainda sim, já era o suficiente para ser afetado pelos horripilantes sussurros do vento:

— Eles vão arrancar os corações de todas…

Além das copas das árvores, a cigana avistou a montanha iluminada pelas as duas luas no céu.

O esconderijo foi montado numa pequena e sombria caverna, escondida profundamente na montanha. Um pouco distante da boca de entrada, do outro lado, havia uma queda d'água, não era muito volumosa para chamar de cachoeira, mas ainda sim tinha um fluxo de água considerável. 

Quando se aproximou, o seu coração quase parou de bater pelo tamanho do pavor.

O som de estrondos ecoavam por toda parte, e a cada novo ruído pausava o movimento da água por um a dois segundos, e então voltava ao normal.

Era como se alguém estivesse socando a montanha com tanta violência que era capaz de fazer o fluxo da correnteza retroceder e assim, interromper a queda d'água.

Miranda entrou na caverna, não, não… não é possível que o circo já encontrou o nosso esconderijo, sua mente dava voltas enquanto adentrava na escuridão do lugar, eu imploro aos céus, por causa do medo não conseguiu perceber que aqueles poderosos golpes faziam parte de sua rotina, deus Hekseri, senhor da magia, que elas estejam seguras.

Ao passar por fendas apertadas, ela chegou numa grande galeria, onde tinha lamparinas acesas, várias caixas e outras coisas. Só então conseguiu respirar aliviada.

Havia uma garota concentrada no trabalho de catalogar as mercadorias, tirando objetos das caixas e anotando num livro de capa vermelha.

Era uma jovem, entre 18 e 19 anos, envolta até os pés numa atmosfera acadêmica formada pelo cabelo preso num rabo de cavalo e um óculos de grau, e junto de um rosto suave, era uma erudita linda.

Seu vestido era florido e leve. Uma fita azul formava o laço que mantinha o longo cabelo escuro arrumado.

Ela parou de anotar, fechou o livro e o guardou num suporte que usava na cintura, semelhante a um coldre de pistola, só que feito para um livro.

Em seguida, encarou com desconfiança o olhar afoito da cigana sobre ela, mas ignorou, já que depois do último saque, os bons ventos estavam ao lado delas. Só mesmo uma monumental burrada para estragar a abonança.

— Miranda, não vai acreditar, o nosso presente é maravilhoso. Têm coisas graúdas nesse saque — disse empolgada. — Ao vender tudo, talvez já teremos moedas suficientes para a travessia do grande lago salgado.

— Shiva, o futuro é curto, onde estão Eleanor e Isabel?

— Eu estou aqui, oh! — Outra garota levantou a mão entres as caixas de madeira. — O passado nem brilha tanto assim por mim.

Estabanada, ela se levantou do meio das caixas.

Aquela garota tinha o cabelo comprido, preto e cacheado. Usava como enfeite um colar de pluma de pássaros em volta do pescoço. Seu vestido era longo e vermelho, feito de um tecido leve.

A aparência dela era mais jovem que as das outras duas garotas, sendo que sua idade não passaria dos 16 anos. Junto do olhar espirituoso e a atitude espevitada, criava um gostoso ar de inconsequência.

— Isabel, que bom, você está bem — Miranda suspirou e relaxou os ombros.

— Meu passado foi bom, ora bolas, se eu cair, dou uma cambalhota e caio em pé, sabe disso.

— Não é disso que ela está falando, sua tapada. — Shiva levantou e ajeitou os óculos, então lançou um olhar de preocupação. — O que você fez dessa vez, Miranda?

— Não há tempo para explicações, vão, agora, juntem todas as moedas, vamos deixar essa cidade.

— Hã? Não… poxa. Agora que o jardim floriu para mim, eu conheci o filho de um nobre, ele é bonitinho, e ainda pode render um bom lucro. — Isabel fez cara feia.

— Miranda, nosso presente é sólido, não vê? Por isso se acalme, respire…

Miranda esfregou os olhos e suspirou.

— Isso, agora conta tudo — continuou Shiva. — Onde estão os dois irmãos que você contratou?

— Eu fui tola, Shiva, cometi um erro terrível, ferrei com o nosso futuro. Os dois irmãos estão mortos.

— Mortos? — Isabel perguntou surpresa.

A garota, estabanada, abriu caminho empurrando as caixas, tirou o colar de penas e correu para o encontro das outras duas. No meio da corrida, deixou cair alguns búzios, só que muito rápido recolheu-os e os enfiou de volta num bolso no seu vestido.

— Eles eram tão legais. — Ela parecia chateada. — Quem foi o sujeito que fez isso? Vamos mandar a Eleonor encher a cara dele de murro.

Shiva lançou um olhar interrogativo para a cigana.

— Tem a ver com o comprador misterioso que você arranjou, não é isso? É tão grave assim que não podemos resolver?

Miranda estremeceu. Lembrou do velho de rosto enrugado e pálido, olhos negros e profundos. Ela sentiu como se aqueles olhos desejassem a sua alma.

— Eu vi o rosto de um deles: o Circo Horror!

Nível ouro

Circo Horror: Bando de mercenários nível ouro.

Infâmia: A anarquia é a arte de controlar o circo, de dentro da gaiola dos goblins.

O bando é um completo mistério, sendo reconhecido apenas pela a marca que os membros usam como tatuagens: o pierrot.

Acreditava-se que em muitos dos negócios obscuros no mundo, conflitos e quedas de reinos, direta ou indiretamente, tenha tentáculos desse bando.

◈◈◈

— Passado que me pariu! — Isabel abraçou Miranda. — O que você foi fazer?

Shiva olhou a cigana com indignação.

— Não acredito nisso, você não para de cometer erros. Os irmãos contaram que você fez uma ferida horrível no rosto de um rapaz alguns dias atrás. — Shiva precisou ajeitar os óculos que estavam quase caindo. — A sua imprudência vai nos matar a todas.

— Aquele traste era só um miserável, não tinha futuro, já deve estar morto em alguma vala, da mesma forma que os irmãos também estão. Já a gente, somos as sobreviventes.

— Dessa vez é diferente, o nosso presente está ferrado por sua culpa. Aposto que foi a sua insistência em querer ver o futuro, será possível, será que nunca vai aceitar que não herdou esse poder.

— Não é justo, eu sou a líder do bando. Eu merecia esse poder.

— É a líder, mas não é a mais velha. Além do mais, só é a líder porque Eleanor é ainda mais cabeça de vento que a Isabel.

— Ei, Shiva, me deixa fora dessa. Tss-tss! O passado não importa, não é hora para a gente ficar brigando. Para as duas!

Shiva respirou, buscou se controlar e perguntou ansiosa:

— O que vamos fazer?

— Encontrar uma saída. Peguem todas as moedas, vamos deixar Carrasco Bonito antes do amanhecer.

— Todo esse presente de Valhalla, que maravilha! O que vamos fazer com todo esse roubo? Podemos vender tudo de uma vez, não será lucrativo, mas pelo mesmo um pouco mais de moeda irá ajudar.

— Não vamos vender nada!

— Ora, perdeu o juízo também? — Shiva acreditava que ela poderia arranjar um comprador rápido, afinal, as mercadorias eram boas demais. — Por que quer deixar tudo para trás?

— Os dois irmãos foram leais até o fim. Vamos deixar todo o saque aqui! Ficará para as famílias deles. Irá garantir por um tempo uma renda para as esposas e crianças. Já mandei uma mensagem explicando a situação, para esperarem pelo menos dois meses antes da pilhagem.

Shiva ficou em silêncio, e se deu por satisfeita, pois gratidão era uma mercadoria que ela não podia barganhar. 

— Mesmo assim, o circo é um bando de maníacos, eles podem ir atrás das famílias deles. — Isabel acariciou o rosto da cigana, entretanto, o seu próprio tinha uma expressão de preocupação.

— As famílias vão ficar bem. O Circo não quer nada dessa pilhagem. E quando partimos, o futuro daquelas mulheres e crianças não será ameaçado, porque irão nos perseguir.

— O presente é duvidoso, como você pode ter certeza?

Miranda enfiou a mão por baixo do vestido. Sua mão explorou por entre as roupas íntimas, localizando o objeto entre as pernas, e preso por fitas. Então retirou um ORBE VERMELHO como sangue do tamanho de um olho humano.

— Por que isso é o que eles querem, e é o nosso futuro. — A Cigana mostrou o orbe para as outras.

— O que é isso, deixa eu ver? — Isabel pegou rápido e começou a olhar. — Que esquisito, isso parece que tá olhando para mim. Que negócio nojento.

— Não sei o que é! — Miranda tomou de volta. — Pensei que era uma jóia comum. Mas certo que não é!

— O presente sempre é real. Onde encontrou isso?

— Eu confundi o futuro. Estava entre a pilhagem.

— O passado é um vento que não sopra mais. Não é culpa sua.

— Arruinou o presente. Essa idiota não contou para a gente antes.

— Desculpa, foi tudo muito rápido. — Miranda abaixou a cabeça. — Não pensei, quando o comprador ofereceu tanta prata só por um item, achei que era a chance de mudar nossas vidas de uma vez. Deixar toda essa merda para trás, e atravessar o grande lago salgado.

— Bem que estranhei você arranjar um comprador tão cedo, nem tivemos tempo de catalogar tudo. — Shiva passou a mão pelo seu rabo de cavalo.

— Eu entendo. — Isabel voltou a abraçar Miranda.

— Você é uma cabeça de vento, não entende a nossa situação. — Shiva puxou Isabel e encarou Miranda. — Eu preciso pensar, qual vai ser a jogada dessa vez?

— A clássica: fuga e sobrevivência. Termos que descobrir o que é o orbe, só assim vamos poder barganhar e ter uma chance para manter o futuro.

Shiva levantou a cabeça mostrando irritação. Pegou o orbe e o olhou bem, então perguntou:

— E aonde vamos começar?

Os lábios de Miranda esboçaram um sorriso trêmulo antes de dizer: — Vamos para a terra de origem da caravana: Império Tusso do Sul.

— Que merda… isso é um péssimo passado!

— Pouco adianta o presente, ou descobrir qualquer coisa, se a gente vai morrer de qualquer forma. É melhor a gente se entregar para o Circo e implorar que sejam gentis. Voltar para aquele inferno, você enlouqueceu?

— É o nosso futuro. Não temos outra escolha.

Shiva olhou perplexa e perguntou assombrada:

— Mil bruxas banguelas! Você arruinou tudo, como se atreveu a nos enfiar numa situação dessa?

— Calma, Shiva, você sabe como a Miranda é, lembra do passado? Papai sempre dizia, que ela era louca, louquinha.

— E você é a tonta que mais tem flores na cabeça de nós quatro, Isabel — suspirou Shiva, se dando por conformada. — Vai sobrar para mim, pensar numa estratégia para salvar o nosso pescoço.

— Eu acredito em você. Mesmo assim, você é uma quatro olhos que nunca vai arranjar um namorado. — Isabel riu de forma discreta.

As três não queriam se iludir com a seriedade da situação, mas sentiam que uma era o apoio da outra, por isso, por um momento conseguiram rir juntas.

— Sobrevivemos uma vez, e vamos sobreviver de novo. — Miranda abraçou as outras duas. — O bando das cartomantes sempre irá sobreviver. Eu posso ver o fut…

— Vá se ferrar, Miranda — interrompeu Shiva, ameaçou tirar seu livro do suporte na cintura, mas não fez nada. — Se terminar essa frase, juro que seu presente acaba aqui.

Nível prata

As Cartomantes: Bando de mercenários nível prata.

Infâmia: O bando é conhecido como uma festa de garotas ensandecidas.

Um grupo de mercenárias formado por quatro irmãs vindas do Império Tusso do Sul. São conhecidas como especialistas em trabalhos sorrateiros, cartomancia e jogos de azar. Prometem trazer a pessoa amada em três dias.

◈◈◈

MIRANDA

Bando: As cartomantes.

Posição no bando: Líder.

Função: Atiradora. 

Infâmia: A cigana.

Recompensa: 40 moedas de bronze.

Era a segunda irmã. Uma mulher com o cabelo curto, na altura dos ombros, cacheado e preto. 21 anos. 1,65 de altura. A garota possuía olhos doces e ingênuos, de um tom de castanho suave, que poderia se assemelhar a um lírio seco. Suas sobrancelhas eram finas e bem desenhadas, curvas, representando uma personalidade curiosa e forte. A cor da pele era morena clara. Sua arma favorita eram as adagas. Sua vestimenta irá depender do seu humor no dia ou do trabalho.

Miranda era o símbolo perfeito de uma pessoa leviana, tudo o que uma líder não poderia ser. Ela era uma daquelas mulheres confusas, egoístas e insensíveis. E o fato de ela ser responsável pela vida das irmãs, de conhecer as dificuldades delas e seus sonhos, a deixava fragilizada. Porém, ela amava aquelas garotas mais que qualquer coisa nesse mundo, e seria capaz de fazer o impensável para mantê-las seguras.

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SHIVA

Bando: As cartomantes.

Posição no bando: Tesoureira, estrategista.

Função: Suporte/Conjuradora.

Infâmia: A bibliomântica.

Recompensa: 25 moedas de bronze.

Era a terceira irmã. Uma mulher com o cabelo longo, que alcançava as costas, cacheado e preto. Ela costuma deixar os cabelos presos num rabo de cavalo. 19 anos. 1,60 de altura. A garota possuía olhos fundos e analíticos, de um tom de castanho suave, quando não estava séria, transmitia uma beleza suave. Suas sobrancelhas eram finas e um pouco curvadas para baixo, combinando com o formato dos raros sorrisos. A cor da pele era morena clara. Tinha que usar os óculos por causa da severa miopia. Ela sempre está com o livro que ganhou de presente do pai, que usa para anotar as finanças do bando, coisas importantes, receitas gostosas e como arma. Sua vestimenta irá depender do seu humor no dia ou do trabalho.

A tensão de Shiva só fazia aumentar ao analisar a situação do bando. O seu aparente descompasso e impaciência tinha um motivo. Era porque ela sabia que teria que resolver a situação e criar uma estratégia para proteger as irmãs. Mas ela não o fazia de mau grado, até porque daria a vida para proteger cada uma delas. É grata pelo esforço das duas irmãs mais velhas que a permitiram estudar e conhecer os livros na pior fase de suas vidas. E queria preservar o sorriso da irmã caçula, que era o último resquício de inocência das quatro. Ela não se importaria de rasgar a última página do seu livro da vida, se fosse para manter todas em segurança.

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ISABEL

Bando: As cartomantes.

Posição no bando: Caçadora.

Função: Atiradora. 

Infâmia: A adivinhadora.

Recompensa: 5 moedas de bronze.

Era a irmã caçula. Uma garota com longo cabelo cacheado e preto, ela gostava de deixá-lo solto ao vento. 16 anos. 1,59 de altura. A garota tinha um doce encanto, olhos gentis e de cor castanho. O rosto era bem formado, com um sorriso leve e espontâneo, quase não tinha expressões de preocupação, comum nas outras companheiras do bando. A pele tinha um tom de moreno claro. Ela não tinha uma arma aparente. Sua vestimenta irá depender do seu humor no dia ou do trabalho.

Era engraçado como Isabel encarava sua posição no bando. Ela já viveu tanto tempo desempenhando seu papel de espevitada e desajeitada, absorvendo todos os problemas e dores das irmãs, que quase se esqueceu da sua lembrança familiar que mais amava: quando ainda uma menina, podia catar búzios na areia da praia, as irmãs podiam brincar no mar e o pai ainda estava vivo. O seu maior sonho era trazer de volta esses doces dias da infância, e por isso manterá sempre o sorriso no rosto, para que as irmãs nunca esqueçam que um dia todas foram felizes.

◈◈◈

As tragédias ainda eram momentos vivos nas memórias das irmãs, dolorosas e cheias de ações cruéis. Apesar disso, elas tinham de admitir que, muitas vezes, as atitudes individualistas de cada uma nada ajudavam a situação do bando como todo, nisso, sentindo falta de um rumo digno, e cada vez mais distantes do conforto de um lar, a vida parecia perdida.

Ainda assim, num mundo de monstros, a união delas, era algo a se destacar.

— Eu sinto falta do passado. Quando a gente encontrar Last Downfall, vamos poder trazer o papai de volta, aí, tudo vai ficar bem.

— Cabeça oca, Last Downfall só era uma baboseira que o papai contava pra gente dormir. Não existe! Nossa prioridade é sobreviver, e não buscar lendas idiotas, diz para essa tonta, Miranda.

A cigana vendo as irmãs discutindo, a fizeram lembrar das brincadeiras do pai, com isso, ela começou a rir.

— Miranda é tão tonta quanto você, Isabel. O nosso presente está em risco. Ela será deposta da liderança do bando porque é uma péssima líder — ameaçou Shiva, mas num tom de brincadeira, então começou a rir.

— Eu acredito que Last Downfall é real e o passado voltará — disse Isabel, séria. — Pena que não pode ser expulsa do cargo de irmã. — Não aguentou segurar e riu junto das outras. — É péssima nisso também!

— O nosso futuro pertence a nós, minhas irmãs. Cadê... onde está Eleanor que ainda não apareceu?

— Ela está no pé da cachoeira — respondeu Shiva. — Ela quer superar o tempo que consegue segurar o fluxo de água.

— Aquela pilha de músculos só sabe treinar — acrescentou Isabel. — Nunca vai arrumar um namorado assim. É um monstro do bem.

— É o jeito dela — completou Miranda. — Enquanto ficarmos juntas, ficaremos bem.

Os olhos das irmãs brilharam, enquanto davam outro abraço em conjunto, desviando os temores que pairavam nos corações de cada uma.

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