Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 3: A Rivalidade do Protagonista

Os segundos de indecisão sucediam-se, nebulosos. A demi-humana gata, depois dos abusos e das agressões, estava entregue às vontades lascivas dos agressores.

O ar ficou pesado, tornando impossível respirar. Guilherme sentiu-se enclausurado na própria covardia e, para libertar-se, pensou nos heróis das suas novels favoritas.

O que eles iriam fazer?

No início, você era normal como eu, hein, Subaru…

O que você iria fazer?

Não se podia dizer quantos segundos haviam se passado desde que o rapaz começou a observar a cena. Ele decorou as características de cada um dos agressores.

Um era alto, forte e com o cabelo loiro. O outro, era menor, não muito, e apesar de ser mais magro, aparentava destreza, o seu cabelo era de uma cor puxada para o verde. Muito bonito por sinal.

Os dois usavam roupas de camponeses, mas ambos também usavam coletes de couro e portavam espadas curtas.

Um ódio cresceu dentro de Guilherme de tal maneira, que não entendeu bem sua origem, porque não fazia sentido se importar com aquela garota gato.

Quando vivia na Terra, nunca ligava para as pessoas que eram maltratadas ou sofriam bullying, até porque, o pobre e frágil rapaz estava ocupado demais se esquivando para não ser ele próprio a vítima dos espancamentos gratuitos.

Esses malditos mobs.

Será que esses sentimentos horríveis são os respingos dos sentimentos do antigo usuário desse corpo?

Bem…

Não quero saber de nada disso.

Mas é uma oportunidade de testar minha força.

O vilarejo não é muito movimentado e os guardas saíram à vista.

Vou testar esse corpo. A pedra poderia estar mentindo, né? Natsuki Subaru.

Essas são as melhores ocasiões para despertar os poderes ocultos do protagonista.

No caso, eu.

Buffar minha habilidade ultra, mega, power roubada.

Hein? Subaru.

Checando seus arredores de novo, ele coçou a cabeça pela décima vez e decidiu apostar nos seus conhecimentos em histórias de isekai.

Guilherme pulou de trás da árvore em que estava escondido e avançou para a direção dos vilões que intensificaram os abusos contra a menina gata.

O menor segurava o braço dela. Enquanto o outro, o maior e mais forte, apalpava o corpo nos lugares mais sensíveis, e enfiou a mão por baixo do vestido dela várias vezes.

A menina estava indefesa, com seu jarro de barro, só conseguia gemer enquanto equilibrava-o para não derrubar o que tinha dentro.

— O que seu Senhor vai fazer se quebrar esse jarro, hein? Por isso fica quietinha — disse o agressor que segurava o braço dela. — Meu companheiro só quer testar sua maciez.

O loiro, com sua mão grande, apertou com força um dos seios da garota que pareceu que iria o arrancar fora.

A menina começou a chorar.

O ódio dentro de Guilherme explodiu.

— Canalhas! Vocês são corajosos para se aproveitar de uma garota?

— O quê? — disse surpreso, o de cabelo verde. — Como ousa? — Ele soltou a escrava demi-humana.

A menina correu na direção do rapaz com pose de estátua centenária. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas e sua face corada.

É agora…

Ela vai me abraçar e me beijar.

Vou poder me acabar naquela pele macia e fofa.

Mas… qual parte do corpo dela vou tocar?

O que vou fazer?

O que? o que? o que?

Enquanto o ababacado decidia se deveria usar as mãos ou não, a garota gato passou direto por ele que nem olhou-o. O rapaz ficou apenas na vontade e com a expressão arrasada.

ãh?

Não vai nem agradecer, gatinha?

Tudo bem, na sua situação, ninguém pode reclamar com você.

Mas vai perder o nascimento de um herói. O castigo desses canalhas.

Agora, é a hora de testar o clichê do protagonismo, não é, Subaru?

A feição do agressor loiro era de raiva, então avançou contra Guilherme.

O corpo do rapaz reagiu de uma forma inexplicável. Algo que só poderia ser descrito como: deprimente.

Os movimentos se mostraram lerdos e parvos para uma briga.

O loiro avançou rápido. Guilherme não conseguiu acompanhar a velocidade dele. Em comparação com o corpo do atacante, seu corpo era de uma lesma. Num piscar de olhos, o brutamonte desferiu um poderoso soco.

O golpe acertou no meio do abdome.

Guilherme sentiu como se fosse golpeado por uma marreta. O soco foi tão intenso, que sacudiu todos os órgãos internos e a dor se espalhou em espasmos pelos outros membros.

— O que foi que você falou, escravo maldito? — disse o loiro segurando Guilherme pela gola da camisa.

— Ele só é um escravo que fala demais — disse o menor, de cabelo verde, ao se aproximar. — Vai cortar a língua ou matá-lo?

— Ande logo! Olhe a cara desse animal! Grande Krig: olhe pelos homens livres, o mundo está estranho.

— Ah, Liel, não estamos no nosso vilarejo, precisa tomar cuidado com as suas palavras. Não sabemos até onde vão os ouvidos do Círculo Dourado.

— Pássaro morto! Não vou negar minha fé ao poderoso Krig. Eu deveria separar a cabeça desse escravo do corpo e oferecer para saciar a sede do deus da guerra. — Liel agarrou no punho de sua espada.

Deus da guerra?

Fé?

Noob…

Me deu uma saída!

Guilherme sentiu medo. Seu corpo estava tremendo todo.

Ele pensou nas paisagens que viu no caminho até aquele vilarejo e organizou as informações em sua cabeça. Lembrou da pedra e também do querubim deformado.

A morte não tem volta nesse mundo.

Não é?

Entre deuses e humanos.

Minha aventura num ISEKAI vai acabar desta forma deprimente?

Não!

Eu posso vencer.

Há algo que ninguém é melhor que eu.

Que se dane a honra!

— Por favor, me desculpem… — Guilherme estava chorando. — Não me matem, eu imploro pelo glorioso deus Krig.

— Não faça nada com ele, Liel — disse o de cabelo verde, esfregando os dedos na roupa do rapaz. — Esse pano é de boa costura. Não conheço o brasão, mas os detalhes do bordado, sem dúvida o Senhor deve ser rico e poderoso, provavelmente um nobre de terras afastadas.

— Tem certeza, Ramsdale? Olha o estado desses trapos, um nobre poderoso jamais admitiria essa vergonha para seu brasão?

— Pode ser um escravo fugitivo. Na guilda de heróis poderá haver uma gorda recompensa.

— Não sou fugitivo. — Guilherme estremeceu.

— Não minta, seu rato imundo. — Ramsdale deu um murro na cara do rapaz. Sangue brotou de seu nariz. — Suas roupas contam a verdade.

Outras pessoas perambulavam pelo vilarejo, ninguém falava uma única palavra. Os escravos nos arredores abaixaram as cabeças e se concentraram nos trabalhos.

— Eu não sou um fugitivo. Junto de outros escravos, estamos arando um pedaço de terra. O meu Senhor a adquiriu como prêmio numa batalha.

— Seu senhor é poderoso. Um Senhor poderoso que deixa seus escravos se vestirem com trapos surrados? — disse e sorriu, Ramsdale.

— Meu Senhor não gosta de desperdiçar moedas com escravos. Nossas roupas devem ser como nossa pele, porque só íamos ter uma para a vida.

— Um Senhor sensato. — Com um tom de cinismo, ele riu e depois continuou: — Pois não é sensato o suficiente. Deixar um escravo vagar solto e sem correntes, afrontando homens livres nos seus direitos. O que você veio fazer no vilarejo?

— Nada escapa aos seus olhos de águia, hein, Ramsdale? — Liel segurou no pescoço de Guilherme. — O que você está fazendo aqui?

— Vim comprar suprimentos. — Guilherme não tinha outra escolha, tirou a algibeira da cintura e estendeu. — Vejam, as moedas estão aqui. Peguem! Podem ficar com tudo, com a generosidade do meu Senhor, é para reparar as ofensas.

Liel deu outro murro ainda mais forte no abdômen do rapaz.

Guilherme não aguentou e caiu de joelhos. Vomitou toda a água que tinha na barriga.

— Escravo maldito — disse furioso. — Não somos ladrões!

— Esse sujeito é suspeito de mais. Já ouvi histórias que Nobres de outros reinos costumam deixar seus escravos soltos, mesmo assim, é suspeito. O que você vai fazer com ele?

— Não vou matar esse lixo. Não vou arriscar. Os poderosos sempre querem compensar suas perdas. O importante agora, é a nossa inscrição na guilda dos heróis. Se ele estiver mentindo, vamos caçá-lo e exigir a recompensa.

Liel agarrou Guilherme pelos cabelos e o arrastou como se fosse um saco de lixo.

— Vou lhe dar outra marca nessa pele imunda.

Havia um monte de fezes que uma das vacas peludas tinha acabado de fazer.

Liel enfiou a cara de Guilherme dentro da merda e a esfregou até chegar no fundo, e depois se levantou e pisou na cabeça dele, firmando-a no lugar.

— Não importa quem seja seu Senhor, nem os costumes diferentes, uma lei não muda: os escravos são inferiores aos homens livres. Nunca saia do seu lugar, estrume!

O cheiro era horrível. Uma fração de ar que Guilherme respirava, vinha junto um montante de merda, então segurou o máximo que pôde a respiração. A merda ainda estava quente, a sensação era a mesma que pressionar a cara contra o traseiro do próprio animal.

Eu não consegui reagir, quão enorme é a diferença?

Meu isekai? Meus poderes ocultos?

Maldito seja você…

Natsuki Subaru!

Após perceber que foi deixado de lado pelos dois rapazes, a primeira coisa que Guilherme tentou fazer foi cuspir toda a merda de dentro da boca, apesar de que muito foi engolida.

Parecia que esse mundo estava constantemente lembrando-o de que era um lixo. Mais cedo engoliu urina e agora engoliu fezes, se no futuro não tiver disenteria, já será lucro.

Amarrou a algibeira com as moedas na cintura.

Pelo menos não levaram as minhas moedas.

É todo o dinheiro que tenho e vou ter que usar cada centavo.

argh!

Tentou se limpar o melhor que podia, porém os olhares e as risadinhas dos moradores do vilarejo, direcionadas a ele, eram ao mesmo tempo, de preocupação e chacota, como se estivessem olhando para uma espécie de palhaço perigoso.

Ele não sentiu raiva daquela gente. Aquelas pessoas eram todas precárias, sobrevivendo com o mínimo possível.

Se deixasse abater naquela situação, estaria sendo hipócrita, porque na vida anterior, ele era como elas, a diferença, nunca teve necessidade de levar uma vida miserável e egoísta.

Ficou evidente que não receberia nenhum tipo de ajuda, muito menos água e sabão, se esse luxo existir nesse mundo.

Voltou para dentro do bosque, pegou a vareta com a gosma corrosiva que havia deixado num canto e apertou o passo, visto que já estava no entardecer.

 A ideia de passar a noite nesse lugar antes de resolver sua situação, era assustadora.

Guiado pelas marcas nas árvores, conseguiu voltar para o riacho. Se lavou o melhor que pôde, conseguiu tirar todo o resíduo, mas a inhaca estava impregnada em cada fio do tecido de suas roupas.

A noite começou a predominar. Guilherme jogou mais um pouco de água na cara. Ele ainda sentia o gosto de fezes na boca, e não saia por nada.

Beleza, vamos lá.

Não estou imaginando coisas e tenho confiança no meu conhecimento sobre histórias de ISEKAI.

Não morri, já é um bom sinal.

Guilherme apertou a mão forte. Seu corpo não parava de tremer. Queria gritar, mas achou melhor ficar em silêncio.

Preciso me acalmar e analisar todas as informações.

O contexto principal desse ISEKAI: deuses são reais; se morrer é fim de jogo; minha fonte de poder é uma pedra falante; o objetivo para vencer é Last Downfall.

Hum! Muito bem…

O contexto desse mundo: a base narativa é medieval; as criaturas fantásticas são reais, até animais de aparência inofensivas são perigosos; também há monstros como zumbis, e vai saber quais outras abominações; escravidão é uma realidade, o meu antigo corpo era o de um escravo, ainda que eu não esteja inteiro certo dessa possibilidade; os humanos não são a única raça consciente; há um sistema monetário e a linguagem é universal.

Certo!

Ah…

Uma informação importante: existem guildas com um sistema de aventureiros e recompensas.

Serei a caça ou o caçador?

Droga!

Guilherme lembrou do soco no estômago. Nunca havia sentido uma dor como aquela, parecia que todos seus órgãos internos derreteram.

O gosto de merda ainda estava fresco na sua boca.

Então um arrepio percorreu todo o corpo, uma emoção invadiu seu coração. Ele olhou para o céu que já pedia os últimos raios de luz.

Não posso me esquecer da informação principal: não podia ser diferente para minha vida, mesmo que uma nova.

O que é esse mundo comparado ao que sofri na Terra.

Mas não será como naquele dia, no cafezal, não mesmo.

Não vou deixar!

Esse mundo é regido pela lei do mais forte.

Guilherme sorriu com um sorriso longo e perverso. Sem perceber, mordeu o lábio inferior, e um fino fio de sangue escorreu no canto da boca.

Mas sou o herói predestinado.

O herói.

O protagonista.

Não vai ser fácil!

Preciso ter uma conversa com aquela pedra.

Após esclarecer a si mesmo sobre as circunstâncias em que se encontrava, partiu para onde estava a sua besta lendária.

Sua realidade nesse mundo era diferente do que imaginou no início, porém, se as coisas complicarem de verdade, usaria seu conhecimento do mundo moderno para superar as dificuldades, afinal, apesar de tudo, conseguiu lidar com aqueles dois arquétipos de aventureiros.

Liel e Ramsdale, não vou jurar vingança porque é clichê demais, e afinal, vocês me ajudaram bastante na minha pesquisa.

Mas não vou me esquecer de seus nomes; isso é uma promessa!

Em pouco tempo, Guilherme havia voltado para onde estava a pedra. Sem nenhuma surpresa, ela não saiu do lugar. Era a hora de criar um vínculo de confiança com essa besta.

— Oi! — disse da forma mais humilde possível.

— Então voltou, herói, fico feliz que não morreu. Veio aceitar meu contrato?

— Não!

— Não? Outra vez isso. Viu que vai precisar de mim, então voltou. Não, não, não, não… na realidade da Terra o NÃO é a única forma de resposta? O que há de errado com você?

— Eu não sou um peão. Entendo sua situação, mas espero que entenda a minha. Eu quero conversar?

— Hum!? Para saber do presente de alguém, olhe o seu passado; para ver o futuro de alguém, entenda o seu presente.

— Aceita conversar comigo?

— Sim! Mas só amanhã, agora vamos ter que arranjar alguma forma de você sobreviver essa noite.

A escuridão dominou todo o bosque. Uivos se espalharam, parecia que vinha de todas as direções.

...



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