Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 22: A Dança do Protagonista

Na guilda da caveira, todos os mercenários no salão sentiram a aura sinistra da figura sombria. Seus movimentos eram sensuais como os de uma serpente.

Apenas o nosso inocente herói não tinha percebido a seriedade da situação, porque ainda acreditava que sua história era o ponto principal dessa narrativa.

Sem saber que as suas palavras desesperadas, de momentos antes, haviam desencadeado um redemoinho que iria tragá-lo para a escuridão sem fim.

Guilherme levantou os olhos ao sentir a figura encapuzada próximo dele, tentou examinar o rosto através da densa escuridão, mas não conseguiu ver nada.

Apesar dos constantes arrepios, desta vez ele sorriu aliviado e por um momento pensou que tinha encontrado um aliado inesperado.

Seja quem for, não deixou esse tarado me machucar.

O que quer?

Me ajudar?

Acorda para a vida, idiota.

Não… isso não acontece nesse mundo.

Droga!

Pem sentiu um frio mordaz começar no início da espinha vertebral e subir até a o pé da nuca, viu todos os pelos do seu corpo eriçarem, e sabia o que isso significava, que aquela mulher oculta era perigosa, mas não podia recuar, senão, sua infâmia estaria arruinada.

Seria chamado de cão de rabo entre as pernas; isso seria inadmissível.

Um perfume peculiar impregnou o local, lembrava o aroma das flores de um caixão.

O salão estava quente e abafado. Guilherme respirou depressa, deixando entrar nos seus pulmões o ar quente que vinha da lareira, junto do calor, também inalou o cheiro de flores, e o seu corpo amoleceu.

Durante o desenrolar da situação, segurou a pedra e deixou o temor invadir sua mente cansada. Coçou a cabeça por não saber o que fazer. A ferida no rosto ardia ainda mais, como um atroz aviso: vá para o mais longe que puder, corra, corra, pois a morte gosta de flores!

— Hhe… hhe… nnão…

Ao chegar perto do balcão, a figura misteriosa ergueu a cabeça e exaltou a escuridão dentro do capuz. A vestimenta completa, que era uma combinação de um albornoz, uma túnica e um pano pesado de lã, tinha uma coloração baseada em tons de preto, desde o breu da noite até o claro das sombras, e combinava com a aura ameaçadora e perigosa da dona.

Que pressão absurda é essa?

Sinto o meu coração achatar como omelete numa frigideira quente.

Então é isso, a sensação dos animes, das novels, quando um personagem é forte demais? 

Meu corpo parece que irá ficar esmagado.

Aliada ou inimiga?

Droga!

Esse rasgo no meu rosto não para de arder, é como se o punhal daquela maldita cigana ainda estivesse rasgando a minha carne.

A voz dessa coisa é de uma garota, tenho certeza, mas…

Algo tão ameaçador pode ser mesmo uma garota?

Você está muito ferrado, seu cachorro miserável.

Isso até eu sei.

O Cão Molestador levantou o machado e apontou o fio da lâmina para a figura. Um brilho opaco percorreu toda a extensão do corte mostrando como estava afiada.

Ele deu uma olhada para o salão, com vontade de ser o centro das atenções, mas resolveu primeiro se garantir o mais forte, sobrepujar a mulher misteriosa.

Depois, numa tola demonstração de virilidade, bateu o machado no chão e voltou a levantá-lo, para provar a sua agressividade.

A figura não moveu um músculo.

Não podia mais recuar, então o cão disse confiante:

— E quem você pensa que é, mulher idiota, por chamar minha infâmia dessa forma tão grosseira. Além de esconder o rosto, não tem amor pela vida? Meu machado não distingue carne de homem ou carne mulher.

— Pare de latir, Cão Molestador, pois agora, meu assunto não é com você. Escória imunda. Seja grato por isso. — A voz feminina foi absoluta como o vento do inverno.

— Sua língua dará um bom enfeite, vadia… — Pem avançou.

A mulher apenas levantou o braço esquerdo suficiente para a manga do albornoz descer um pouco, revelando assim, a sua mão bem tratada e com as unhas pintadas na cor vermelha, tom intenso e vibrante, e acima do polegar tinha uma sinistra tatuagem.

O pavor congelou o corpo do Cão Molestado. Sem ação, seus lábios apenas balbuciavam palavras covardes: — Perdão, imploro, perdão, minha ignorância transformou-me num cão, perdão, peço seu perdão, Menma, a Tulipa de Sangue.

Para aquele cão, ficar com o rabo entres as pernas se revelou melhor do que ser tragado pelas profundezas da terra. Ele abaixou a cabeça. Só faltou ganir, para completar a humilhante cena de submissão.

Mas sua reação não foi exagerada, foi consciente, pois o desenho daquela tatuagem era conhecido e temido em todo o submundo dos criminosos.

Pem não conseguiu fazer mais nada, além de tremer encolhido na sua insignificância, e recuar passos para trás.

A figura ignorou e caminhou devagar, até que ela chegou perto daquele pobre cão trêmulo.

Todos os mercenários, bandidos e homens da pior espécie naquele salão começaram a suar de nervosos. Todos entendiam o que significaria se aquela mulher ficasse contrariada.

Muitos pensaram em fugir, mas ao olharem para a porta, viram uma visão ainda mais assustadora. Então, cercados como ratos, começaram a suplicar por seus deuses, em silêncio, nas suas mentes assustadas.

O gerente ainda continuava distante, nas sombras, anotando tudo o que acontecia.

Intimidado e tíbio, Pem quase caiu de joelhos.

— Já disse, maldito cão, meu assunto não é com você. Suma da minha frente, molestador de inocentes — ela disse.

— Sim, sim, magnífica senhora! — O cão se enfiou entre os outros da mesma laia no salão e não deu mais nenhum ganido.

Até aquele momento, Guilherme acompanhou passivo toda a sequência de acontecimentos e só se deu conta quando a misteriosa figura já estava do seu lado, e se encontrou pressionado contra o balcão de madeira e o corpo dela.

Para ele, a fuga vergonhosa de Pem, de repente, tinha mais sabor amargo do que doce. Um sentimento de impotência crescia dentro dele. Não conseguia entender o porquê disso incomodar tanto. Talvez fosse o cansaço e a solidão que o deixassem tão frustrado.

Toda a sua existência nesse mundo resumia-se a uma sequência de derrotas, lamentações e fugas.

Toda a sua frustração se resumia numa pergunta: quando ficaria sensato e forte o bastante para enfrentar as dificuldades e lutar, em vez de fugir?

A pedra estava certa quando dizia que se eu continuasse com os mesmos erros, minha nova vida, seria uma segunda chance desperdiçada.

Uma vida jogada no lixo.

Bem… não é muito diferente da minha vida na Terra.

Um grande desperdício, afinal.

O que sobrou de mim?

O que posso fazer?

A mulher puxou uma cadeira, sentou-se e usou as mãos para apalpar o rapaz, alisando-o em cima e baixo, apertando entre as coxas e conferindo se ali havia algo a mais além de trapos fedorentos, enquanto o infeliz abobado se arrepiava todo, segurando-se no balcão e olhando-a fazer o que queria.

Guilherme não conseguiu julgar se aquilo era bom ou ruim. Sempre desejou ser tocado com entusiasmo por uma garota, mas não dessa forma, era invasivo demais.

O que pensa que sou… hã?

Sigh… huuum!

Ai!

Nossa, ela aperta forte.

O rapaz quis fazer ela parar, no entanto, não tinha forças suficientes, e se sentiu oprimido diante a esmagadora pressão vinda do corpo dela, era como ficar debaixo de um elefante.

O coração disparou e quase não conseguia respirar. Então se esforçou para enxergar o rosto escondido nas sombras, mas não dava, porque dentro do capuz só existia a escuridão.

Num momento de deslumbre, empurrou as mãos dela, pedindo-lhe que parasse com aquilo e dissesse o que queria dele.

Ele não podia ver, mas sentia que os olhos da figura o encaravam.

— As flores crescem melhor quando são regadas com sangue dos virgens.

— E-está se sentindo bem, senhora? — Entreouviu a malevolência na fala dela. — Não s-sou virgem!

Então ele ouviu uma curta risada, e depois a mulher afastou as mãos e se ajeitou melhor na cadeira de madeira.

— Devo lhe parabenizar, criança — ela continuou. — Estou liberando parte do meu poder, e mesmo assim você não desmaiou e ainda consegue afrontar a minha vontade. Quantos monstros poderosos encontrou na sua jornada até aqui?

O efeito que as mulheres causavam nele eram evidentes. Guilherme se esforçou para se acalmar, ou pelo menos não parecer tão idiota.

— Eu não… não sei do que está falando. O que quer de mim?

— Uma rosa…

— O que?

— Sou diferente de todos os cães desse canil. Apesar de também fazer parte dessa sujeira, não duvide disso. Ainda assim, garanto, se é para sentir medo, não precisa se preocupar comigo. Pelo menos, não por agora.

— Não entendo, como assim?

Ela fez um gesto com a mão esquerda, apontando para a pedra pendurada no peito dele.

— Existe uma lenda dos povos antigos, os habitantes das planícies de vidro, além do grande lago salgado…

“Há séculos, um homem vindo do nada, um miserável, chegou numa terra devastada por guerras e doenças, fome e a seca, junto dele havia uma pedra. Ele encantou os famintos com palavras de um mundo diferente e prometeu riquezas inimagináveis aos poderosos.

“Esse homem transformou aquela terra de ninguém num reino próspero, destruiu reinados e matou todos os inimigos, curou, alimentou e enriqueceu o povo.

“Esse homem foi adorado como um deus. Amado por multidões. A sua glória ficou escrita na história como: O Rei Sábio, a Rocha.”

Guilherme franziu a testa, sem compreender direito o que ela estava dizendo.

— O que aconteceu com esse rei?

— Oh, criança, não sei. Ninguém sabe. Dizem que foi traído, que foi destruído, desapareceu, nunca existiu, só é uma lenda… da mesma forma que LAST DOWNFALL também é. São lendas que você bravejou de forma inconsequente diante de todos nesse salão.

“Ora, ora, ninguém nunca lhe contou sobre a importância dos segredos? Discrição é uma arma poderosa.

"Apesar disso, é uma coincidência enorme para ser ignorada. É curioso como essas duas lendas se enquadram agora, nesse lugar, perfeitas nas suas palavras. Não minta para mim, criança: essa sua pedra, é a pedra da velha lenda?”

— Não sei nada sobre esse tal Rei Sábio, eu juro. Mas sou melhor que isso, acredite.

— É mesmo, então me conte.

A Tulipa de Sangue agarrou a coxa direita do rapaz e apertou-o forte, como se fosse a arrancá-la fora.

De certa forma, Guilherme dormiu durante toda a lancinante viagem desde que reencarnou e chegou nesse momento, e só acordou quando o aperto em sua coxa já havia ultrapassado o sentido de dor e a maioria de seus músculos reagiram com tremores.

A mulher que lhe despertou da letargia dos sentidos estava na sua frente e ele nunca saberia quem era ou o que queria, de verdade.

Ela poderia estar atrás de aventura quando entrou nessa sombria taverna por engano ou ter apanhado um caminho errado em algum lugar. Talvez ela fosse como ele, um miserável perdido.

Não, não!

Arcoda maldito.

O que ela quer comigo?

Olha o que ela fez nesse salão de bandidos, apenas com sua presença.

Ela é perigosa.

Mas conheço essa voz.. é familiar.

De onde, droga, não lembro.

Obcecado, entretanto, pelo desejo de ser especial, o rapaz amoleceu o corpo e se deixou levar por aquela correnteza. Afinal, ele era melhor que todos ali, e nenhuma de suas palavras foram mentiras.

Ele era o escolhido de um deus.

Vou contar tudo.

Serei o herói dela!

...



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