Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 20: O Protagonista e A Cigana - Parte 2

Os dois homens estavam avançando devagar, mas Guilherme não conseguiu reagir com o fato, tal o sentimento de impotência que pressionava seus músculos. O tempo todo tentou chamar a atenção da garota e quando, já pressionado na viela, ela olhou-o, ele caiu em desespero.

Miranda estava rindo.

Foi um choque tão grande ouvir o som daquelas risadas, que o corpo do rapaz parou de se mover, dando tempo para os dois homens o cercar. Depois do choque inicial, ele conseguiu focar nela, e disse, imitando os heróis dos contos de fadas:

— Não quero que se preocupe, linda dama, pois logo vou derrotar esses bandidos. — Ele ainda não tinha entendido a situação.

Miranda lançou um olhar frio para o infeliz, e só depois ergueu a cabeça e permitiu que todos naquela viela vislumbrassem toda a sua malevolência, deixando Guilherme pasmado com a mudança que se operava nela.

Quase que por um passe de mágica, a pose dela tornou-se sensual, o riso surgiu alto e cristalino. Mas aquilo tinha mais a aparência de chacota do que tentativa de sedução. A voz, quando ela voltou a falar, soou baixa e rouca:

— É esse mesmo, vai garantir bons lucros para o meu bando. — Miranda lançou um sorriso de deboche para o rapaz. — Meu herói, meu salvador… que mundo você pensa que é esse? Qual é o futuro que um coelho pode construir entre os lobos?

Os dois homens analisaram o rapaz.

— Não sei, tem certeza — disse o maior dos dois. — Para mim só é um mendigo.

— O futuro sempre é claro, tenho certeza — confirmou Miranda. — Eu o vi entrar nas casas dos comerciantes.

Guilherme estudou os dois sujeitos, pareciam velhos e acabados, porém fortes, suas roupas eram coletes de pano e calças escuras. Eles sorriram para a garota e o mau oculto no coração deles se manifestou em suas faces.

Com um lapso idiota de fúria, o rapaz reagiu desferindo um soco no agressor mais próximo. Só que foi inútil.

Num piscar de olhos foi golpeado nos joelhos, quase rompeu as ligações, e ainda mais rápido, já estava com a cara no chão, completamente imobilizado.

Um dos bandidos ficou por cima do rapaz, o maior entre eles, segurando os seus dois braços.

O outro, um gordo e baixo, pegou a bolsa de aventureiro de Guilherme e revirou seu interior.

— O que é isso? — Ele despejou o conteúdo da bolsa no chão. Caiu um pergaminho rasgado, um lápis de carvão e uma moeda de cobre. — Não tem mais nada aqui, é só lixo!

Se abaixou, pegou a moeda de cobre e a enfiou no bolso. Olhou o pergaminho e depois disse rindo:

— Miranda, esse aventureiro queria sua cabeça, tem a sua infâmia e a recompensa anotadas aqui no pergaminho.

Miranda

Infâmia: A cigana.

Prêmio: 40 moedas de bronze.

◈◈◈

— O que faço com esses meninos que desperdiçam seus futuros. — A garota passou a língua no punhal, enquanto encarava o trêmulo rapaz. — Todos vêm atrás do meu sorriso encantador. Não aguento mais decepar cabeças.

— Não, não… não sabia que era ela, eu juro. — Apavorado, a voz do rapaz titubeou.

— Mentiroso, antes de entrar nessa viela, você confirmou para mim que era um grande aventureiro!

— Responde a verdade, seu maldito. — O homem grande bateu a cabeça do rapaz contra o chão. — Onde estão seus companheiros?

Desorientado enquanto o sangue escorria pela a sua testa, estava ficando difícil para explicar sua situação:

— Eu menti! Não tenho companheiros, sou sozinho, sozinho. Por favor, não me machuquem. Eu sou um mercenário e só anotei o nome dela porque queria fazer negócios.

O homem gordo que revirou a bolsa de aventureiro de Guilherme rachou-se de rir.

— Esse sujeito não é aventureiro, todas as coisas dele são lixo. Vejam como está branco, apavorado. Aposto se lhe pressionar mais, vai urinar nas ceroulas.

Ele jogou o pergaminho fora, rasgou a bolsa, se levantou e chutou as costelas do rapaz. Então disse indignado:

— E ainda tem a pachorra de querer fazer negócios com você, Miranda.

Guilherme sentiu todos seus órgãos se moverem dentro do corpo, caso tivesse algo no estômago tinha vomitado tudo.

Minha bolsa!

Sou tão miserável assim?

Mas a dor de ver suas coisas espalhadas pelo chão era maior; aquilo era tudo o que ele tinha, e nem isso foi capaz de proteger. Ele sentiu que uma parte de sua alma foi rasgada junto da sua bolsa de aventureiro.

— Miranda, você errou outra vez. Outro trabalho que só deu prejuízo — disse o homem grande. — Suas irmãs não vão gostar. Shiva vai virar uma fera.

— Calado, não contratei um capanga para reclamar!

Ela pensou por uns estantes, mordiscou os lábios enquanto encarava o rapaz, então disse:

— Não pode ser só essa miséria. Tinha certeza que dessa vez seria um bom lucro. O futuro não é tão nublado para mim. — Ficou nervosa. — Olhem nos bolsos, dupla de idiotas.

— Você não consegue ver o futuro, desista dessa merda — resmungou o homem em cima de Guilherme.

Ele começou a apalpar o corpo do rapaz, e procurou em todos os cantos.

— As roupas do infeliz nem bolsos têm. — Achou a Pedra e a colocou para fora da camisa. — Só tem esse colar!

Miranda foi até Guilherme, se abaixou e o agarrou pelo cabelo, então olhou-o nos olhos.

— Não é só isso. Vi você entrando nas casas de comércio para receber as recompensas. — Ela colocou a ponta do punhal sobre o olho esquerdo do rapaz. — Diga, onde estão as moedas? Diga para poder ter um futuro. Se não falar, vai sentir uma dor que nunca sentiu na vida.

— Não tenho moedas, não tenho nada, eu juro. — Guilherme estava quase chorando. — Eu queria só um trabalho, mas ninguém acreditou em mim, ninguém quis me contratar. Só sou um miserável.

— É ele, olha só. — O homem que estava por cima olhou melhor o rosto do rapaz. — É o idiota que se escreveu na guilda da caveira, o miserável, é comedia em todas as rodas de mecenários, é verdade, deu um nome ridículo ao próprio bando: coelho.

— Não! O Sábio Miserável? — perguntou o outro, com uma feição desapontada.

— Valhalla não seria tão injusta. — Miranda se mostrou muito irritada. — Meu futuro não é tão escuro. Eu não errei outra vez!

— Lamento, esse infeliz é o Sábio Miserável, não há dúvidas. Você se enganou outra vez. Sim, é azar, esse sujeito aqui não vale nada!

— Só posso olhar para o futuro, e não posso mudar o passado. Bem que ele era um maldito palerma deste o começo. — A garota encarou o homem que estava por cima. — Pegue o colar, deve valer alguma coisa.

— Não quer sair! — O homem grande puxou a Pedra.

— Como assim, não quer sair?

— Não quer sair, já falei! — O homem puxou com força, tentou tirar de todas formas, até cortar o cordão com uma faca. — É mais resistente que aço. Só vai sair se arrancar a cabeça junto.

Guilherme sentiu muita dor por causa dos puxões.

— O que está esperando, arranca a cabeça de uma vez, então. — A garota colocou o punhal na altura do pescoço do rapaz. — Futuro ruim, tenho que fazer tudo aqui. Vai fazer sujeira. Guh! Vou usar meu punhal para decepar. Tampe a boca dele. Segure firme, não quero sujar meu vestido com sangue.

— Enlouqueceu? — interrompeu perplexo o homem gordo que havia pegado a moeda de cobre. — Vai chamar a atenção dos Pontas Vermelhas.

A garota deu uma gargalhada seca. Em seguida, voltou ao trabalho. O punhal afiado fez um raso talho ao encostar na pele do rapaz.

— Para, isso doí, doí, doí… — Guilherme se desesperou.

— Não vou sair de outro trabalho sem um ganho — afirmou Miranda.

O homem grande não gostou da ideia e a lembrou de outras possibilidades:

— Sua situação não está tão mal assim, seu bando ainda tem os itens da pilhagem da caravana do Império Tusso do Sul. Pode render muitas moedas. Sangue desperdiçado em vão que atrai má sorte.

— Isso! Espere! Não me mate, não me mate, só sou um miserável, um miserável. — Guilherme começou a chorar. — Esse colar não vale nada, é só uma Pedra. Meu pai me deu antes de morrer nas minas de Allahu.

Para ele, só restou usar sua arma mais poderosa, a mentira.

— Nosso pai também morreu naquela boca do demônio — disse o homem gordo desviando o olhar do rapaz.

O homem grande confirmou com um gesto triste.

— Dois irmãos sentimentais, futuro amargo, fui contratar idiotas. — Ela ia continuar a decapitação.

O gordo foi até ela, segurou na sua mão com força e disse: — Não desperdice sangue em vão, não ganha nada, não perca nada. Olho por olho, pequena.

Miranda puxou a mão irritada, então suspirou.

A garota pegou a Pedra e olhou bem os detalhes, soltando-a depois, e suspirou mais uma vez, desanimada. Pensou por uns segundos e se levantou. A visão deprimente do rapaz parecia incomodá-la bastante.

— É uma pedra sem valor — disse ela. — Matar esse inútil não vai trazer lucros, só problemas.

— Então… não? — perguntou o homem que estava por cima do rapaz.

— Exatamente, só prejuízo. Esse aí é só um miserável que não tem futuro. Maldição, fiz confusão. Erros e erros. Vamos embora, mas antes, dê-lhe um bom castigo, meninos, para aprender a falar com as mulheres.

Os dois homens chutaram o corpo de Guilherme, e focaram na cabeça, de forma que o linchamento lembrou uma brincadeira com bola de futebol, fazendo com que a testa dele se chocasse várias vezes contra o chão.

Sangue começou a escorrer por todos os lados.

O rapaz, desesperado e impotente, encolheu-se à medida que os homens continuavam a emendar golpe após golpe.

Por fim, quando terminaram o castigo, a garota se abaixou e pegou a cabeça ensanguentada pelo cabelo.

Guilherme beirava a inconsciência.

— Ninguém vai voltar a confundir um bom lucro. Um bom futuro. Vou lhe dar a marca que todos vão reconhecer o arrogante, o idiota, o miserável que você é.

Com a ponta do punhal, ela fez um corte profundo que começou abaixo do olho esquerdo e seguiu cortando até o começo do queixo. A lâmina rasgou a carne fácil demais.

— Lhe favorece um bom futuro. Não há espaço para fracos. Um beijo do meu punhal para se lembrar de mim, meu herói!

Guilherme não suportou essa tortura final e caiu na escuridão, inconsciente.

Depois de algumas horas, quando voltou a acordar, estava sozinho, com o corpo todo ferido e com muito frio.

A madrugada intensa, escura e gelada.

— Herói, acordou, estou aliviado — disse a Pedra. — Você não me escutou. Nunca vai escutar ninguém. Me diga, você está bem?

E mais essa.

O copo de amargura transbordou com essa última gota. Além de apanhar de uma garota e se sentir um fracassado inútil, era obrigado a engolir mais um gole desse cálice: as lamentações de uma Pedra tão inútil quanto ele.

Seria melhor ter ido até o fim, me degolar, acabar com isso…

Desgraçada, não aguento mais isso…

A cigana, Miranda, vadia!

Passou a mão no rosto, sentiu a ferida profunda e úmida. Todo o rosto estava machucado e inchado, doendo, mas a ferida do punhal parecia ferro em brasa sobre a pele.

Sangue escorria pela ferida e descia pelo pescoço empapando a camisa.

A lua azul brilhava no céu, era como o farol de sua dor.

Pegou a bolsa que estava jogada num canto, estava toda rasgada, toda surrada. Então atou as tiras de pano num nó para poder aguentar mais um pouco. Colocou dentro o pergaminho e o seu lápis de carvão, tudo que restou da grande aventura por um mundo novo. Depois a jogou nas costas.

Aquele maldito levou minha moeda.

Que fome, deveria ter comido alguma coisa, como ele me avisou… droga, a Pedra estava certa… certa o tempo todo.

Não, esse pedregulho é o atraso da minha vida.

É culpa dele, é culpa dele, é culpa dele.

Tudo é culpa dele… desde o início.

Tenho que arranjar um jeito de me livrar dessa porcaria!

Ao deixar a viela, se arrastando pelos cantos, aquele Guilherme em nada lembrava o rapaz empolgado e seguro de si, que reencarnou num ISEKAI, e cujo conhecimento sobre jogos e novels faziam dele especial.

Ele era apenas um aventureiro sem sonhos, atormentado pelo remorso das lembranças de todos aqueles que haviam lhe avisado sobre as suas escolhas de vida, e que de agora em diante seriam seus companheiros inseparáveis, fantasmas, reflexos de uma vida desperdiçada.

A verdade: ele nunca deixou de ser um fracassado sem perspectivas.

Eu odeio esse maldito ISEKAI!

...

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Essa é a arte feita por um leitor. Como achei muito fofo, e gostei bastante, queria mostrar para todos.

 



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