Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 13: O Protagonista e a Guilda da Caveira

O sol despejava todo o seu furor sobre a cidade de Carrasco Bonito. Fazia um calor sufocante que escaldava os bebedouros posicionados nos cantos da rua.

Guilherme vestido com as roupas de camponês, pano grosso e pesado, avançava lentamente pela aquela rua cheia de gente esquisita.

Suas roupas seriam ideais para o inverno, mas num dia quente era sufocante. Pelo menos dava para se misturar no ambiente sem problemas.

Esse pano de bunda penica mais que pelo de gato.

Vou me acostumar!

É impensável, as histórias que jogam o protagonista com roupas modernas no meio de uma cultura medieval.

No mínimo, o coitado seria queimado na fogueira por heresia.

Amo ISEKAIS, mas havia caroços narrativos que eram indigestos até mesmo para mim.

Pensando em caroços narrativos, não sei…

Esse mundo é regido por deuses, mas ainda não vi nenhum tipo de adoração ou devoção para essas entidades.

Não há igrejas ou cultos.

Apenas boatos e falácias.

Na verdade, o único que vi demonstrar devoção foi o otário do Liel.

Qual era mesmo?

Ah sim… o deus Krig.

Será que aquele maldito loiro é um dos heróis representante desse deus?

— Pedra, qual é a representação do deus Krig?

— É o deus da guerra! Porque o interesse nesse maldito deus?

— Não é nada, coisa minha, esquece.

Maravilha, tinha que ser o deus da guerra.

Ainda sim é estranho a falta de adoração e respeito aos deuses desse mundo... nestas pessoas.

Parece até que são ignorados.

Bem, é melhor para mim.

As religiões acabam com a alegria de qualquer coisa.

Verdade!

Os passos de Guilherme com as sapatilhas de couro deslizavam no chão de pedras cobertas de poeira, enquanto ele viajava na sua toca de coelho, tentando não parecer estranho ao observar e analisar a situação.

Os raios de sol faziam brilhar o par de olhos curiosos.

O andar macio, felino; a maneira de olhar vielas e becos, contando as construções e medindo os moradores, denunciavam que o camponês não era da região.

Era um agricultor que buscava compradores para sua produção ou seria outra coisa?

Essa dúvida estava estampada nas faces das pessoas pelo caminho do rapaz, que precavidos, se mantinham distantes.

— O que está fazendo? — perguntou a pedra.

— Quero encontrar a guilda da caveira. Você já sabe bem disso. Não posso passar por ela sem perceber.

— Eu sei. Mas julguei que iria ver a verdade sozinho. Isso é um erro. Não precisamos de guildas, ou de qualquer apoio para as nossas aventuras.

Guilherme se sentiu mal, pois as palavras da pedra lembravam a sua vida antiga na Terra, quando todos só sabiam julgar suas ações e nunca apoiar seus sonhos.

A raiva preencheu seu coração com afirmações cruéis.

— Droga, pedra, você parece meus pais, só sabe criticar minhas decisões — conseguiu dizer, quando comparou o seu único companheiro com tudo que conseguiu deixar para trás.

Ele respirou fundo.

— Maldição, essa pedra tinha que ser a besta da encheção de saco, chaaato… porque de sabedoria não tem nada.

— Não posso me calar. Você não enxerga a estrada perigosa que está traçando, essa realidade não é a Terra. O preço será alto demais.

— Claro que sei que não é a Terra, aquele inferno cheio de mentirosos e egoístas. Esse é meu mundo, meu ISEKAI, aqui serei alguém!

— O verdadeiro cego é aquele que não enxerga a própria ruína.

— Ai, ai, ai… não estou muito certo sobre a guilda da caveira, é verdade. Esse mundo é perigoso, sei bem disso, por isso vamos precisar de proteção. Você é uma besta lendária inútil: não vê nada nas nossas costas, e nem na frente, para ser bem franco.

— É um erro. Pelo relato do Dick, duvido que esse lugar possa fazer alguma coisa a nosso favor.

— Você que está errado, pedregoso — murmurou o rapaz. — Bem, não importa. Diferente da Terra, nesse mundo sou o herói, o protagonista, eu vou tomar as decisões, entendeu?

O rapaz estava maravilhado com a ideia de ser um mercenário. Seu orgulho inflado chegou às alturas.

Ele poderia ser o jovem malvado, delinquente e revolucionário; a sua fantasia favorita, caía perfeitamente na situação, deixando tudo mais interessante.

Bad Boy!

As garotas gostam dos caras malvados, não importa o mundo, até isso eu sei.

O que uma pedra vai entender de garotas.

Sobre tanto desejo reprimido.

Tantas decepções.

Não se pode imaginar o sofrimento de um otaku cabaço.

Foda-se tudo, minha prioridade é deixar de ser vigem.

É o caminho certo, não…

É o único caminho!

— Hum — murmurou a pedra —, você está cometendo um erro!

— Que saco, não importa, quem manda sou eu!

— É perda de tempo. Deveríamos estar buscando informações sobre Last Downfall.

— Como? Só tenho uma moeda de cobre e tudo no meu estômago é um pão de um dia atrás. Por sua culpa, sou um fracote, esqueceu?

— Sinto muito por não poder fazer melhor.

— Ta, ta, ta… sem drama. É só parar de torrar minha paciência. Eu vou transformar nós dois nos maiores heróis desse mundo!

— Como?

— Você escutou, na guilda dos heróis, como a vida poderá ser fácil. Quando a gente entrar na guilda da caveira, teremos comida e proteção, tudo vai se arranjar e será fácil buscar Last… essa bosta.

Asap…

Isso é verdade, não é?

Não posso ignorar minha sobrevivência.

Isso é o que terei que fazer para encher minha barriga?

No entanto, com toda essa dificuldade, minha maior aventura será não morrer de fome?

E as garotas?

Claro que não, sou o herói!

A pedra estava certa sobre o poder mágico das trevas, sobre o retorno do maldito Liel.

Tanto faz, consegui resolver isso sozinho.

Isso!

Também, ninguém pode estar sempre certo, muito menos esse pedregulho.

Para uma besta esquecida por mil anos, ela é bem sortuda.

Vendo por um lado diferente, esse corpo é bem resistente à fome, ou… eu não vou pensar nisto, mas… de fato era o corpo de um escravo.

Um corpo acostumado com a escassez.

Será que ele tinha família?

Será que alguém ainda chora por sua morte?

Será que alguém chorou por mim na Terra?

Droga, até quando posso aguentar?

Ainda tem a ilusão dos famintos: quanto menos consegue comer, menos sente fome, mas está morrendo.

A guilda da caveira será a minha melhor jogada.

Tenho certeza!

— O que pretende fazer?

A pergunta da pedra tirou Guilherme da toca do coelho.

— Encontrar a guilda da caveira, me inscrever como mercenário, ganhar algum dinheiro, me entupir de comida, arranjar uma garota, ficar forte, me entupir de comida outra vez, conseguir mais garotas e quem sabe… mais garotas… depois penso no resto.

— Ficar forte?

— Ora, sim! Sou eu que só escuta o que quer, né? Sei… o sistema de guilda é sempre o melhor para fortalecer o protagonista numa aventura e de quebra, ganhar algumas moedas. Não sabia disso, não é mesmo, cabeça de pedra?

— Já imagino de onde tirou isso: as novels! Esse conhecimento da sua antiga vida está mais atrapalhando que ajudando. Nunca pensei em aceitar essa possibilidade, mas optar por trazer as memórias, é uma péssima escolha para um herói.

— Você quer vencer os jogos, não quer? Então não atrapalhe minhas jogadas, sei o que estou fazendo.

— Você é um herói que gosta das justificações para as suas ações.

— Besteira, sou o grande herói da Terra e está tudo sob controle. E não esqueça quem é a besta da sabedoria que não sabe de nada, hein?

Na verdade, em uma situação dramática como esta, só restou arriscar tudo na opção da sinistra guilda.

O que significa que, se Guilherme quiser comer, terá que encontrar esse lugar e vencer os seus desafios, porque nesse mundo não poderia contar com o dinheiro da mãe, escondido na mochila.

Afinal, não importava o mundo, tudo girava em volta do trabalho, e ele iria morrer de fome se não fizesse nada a respeito enquanto podia, independente do quão trabalhoso fosse.

Considerando que iria viver nesta realidade a partir de agora, teria que ser capaz de obter comida em uma base regular. Neste pensamento, se pudesse esbanjar, seria ainda melhor, por causa disso, ser um mercenário era a melhor aposta.

— Faça como quiser — a pedra concluiu. — Só não vá falar nada sobre Last Downfall, as Bestas lendarias e a classe sábia.

— Tá, tá... droga, eu sei!

Ufa…

A pedra calou a boca.

Não sei por que insiste em me questionar.

Aff, eu derrotei aqueles lobos.

Sim senhor, acabei com eles.

Uma super vitória considerando as minhas dificuldades: arrasei com a minha primeira presa.

Meu futuro parece ser o de um grande caçador.

Eu sei que consigo

Sou o melhor desse mundo de xucros.

Ótimo!

Se as coisas apertarem, vou poder me virar nas florestas!

Só…

Que droga, que bela bosta de Isekai eu vim parar.

Preocupações para ganhar dinheiro para comer jamais deveriam fazer parte de um enredo, no mínimo, decente.

Cadê a vida mansa, cadê os tesouros que caem do céu, cadê as garotas com os bolsos cheios de ouro?

Argh!

◈◈◈◈◈◈

Ao pensar que havia superado o pior, Guilherme se enganou redondamente.

Ao adentrar, numa parte isolada da cidade de Carrasco Bonito, e de imediato se sentir deprimido pelo ambiente sombrio, composto de construções precárias e pessoas de olhares frios. Pensou que aquele lugar era parecido com as quebradas perigosas da Terra.

O tipo de lugar que um otaku só visitaria para encontrar alguma garota que conheceu num aplicativo de relacionamento, e ter a constrangedora surpresa que era uma armadilha para arrancar dele o custoso dinheiro para comprar jogos ou mangás.

O rapaz caminhou sempre ao leste, e seguiu o sol que imitava o curso do sol da Terra, no fim, não estava enganado.

Será que errei?

Não!

Dick mentiu para mim?

Não!

Guilherme lembrou das palavras da pedra e um frio percorreu seus ossos.

— As trevas são má sorte!

O coração do rapaz se apertou de angústia ao encontrar a guilda da caveira.

O que foi que eu fiz?

Vou sobreviver nesse buraco?

A choupana parecia estar em ruína, abandonada e para não exagerar, nada a diferenciava de um mausoléu esquecido. O lugar parecia que seria engolido pela floresta.

Veio na mente do rapaz a intuição de que ao entrar alguma criatura acabaria com sua raça. Portanto, o que estava lá dentro, não queria ser incomodado.

O edifício em si era baixo, longo e irregular, feito de troncos pesados e pedras que pareciam pedaços de lápides. As suas janelas tinham barras grossas de ferro, todas enferrujadas, e a porta estava fechada.

Por cima da porta, pairava pregada na madeira o agourento símbolo da guilda: o crânio vendado.


É a boca do inferno.

D-droga!

— O que foi, por que parou? — perguntou a pedra.

— Encontrei a guilda da caveira.

— É que tipo de lugar?

— U… uma belezura.

Guilherme bateu na porta da soturna choupana.

O ruído das batidas do rapaz quebrou o silêncio e reverberou através das sombrias casas ao entorno produzindo ecos sinistros. O som do ranger das tábuas do assoalho de dentro do lugar era ainda mais arrepiante.

— Você mentiu, herói. Tenho para mim que este lugar tem um aspecto ameaçador — disse a pedra. — É perigoso!

Não diga.

Eu adoro as constatações da realidade dessa pedra desgraçada.

Droga!

A porta se abriu lentamente e uma face inchada e barbuda espreitou para fora. O dono daquele rosto deu um passo para trás e gesticulou para que o rapaz entrasse; um gesto de boa vontade, como o tinhoso sorrindo para o pecador.

Aquela aura sinistra, aquela vocação para psicopata, as mãos gigantes dentro de luvas pretas e encardidas, fizeram o sangue do rapaz gelar… se aquele homem ameaçador fosse o gerente de um hotel diabólico de um filme de terror, ao invés de uma guilda, ele não ficaria surpreso.

— Seu nome, rapaz? — perguntou de súbito o homem.

— G-Guilherme — respondeu ele, palpitante. — Estou procurando a guilda da cav… caveira.

— Viu o crânio vendado na porta, é o símbolo: os mortos não podem ver. Esse é o lugar. Sou o Gerente da guilda da caveira — disse de forma soturna. O tom que usou parecia intimidar o visitante a finalizar a conversa.

O GERENTE

O Gerente era responsável pelo controle dos usuários de magia negativa, apesar de que ele não se importará se os mercenários morrerem por qualquer motivo, desde que a guilda não seja prejudicada.

O homem usava roupas pesadas e luvas encardidas que escondiam as grandes mãos. O cabelo escuro e curto, que lhe deixava amostra sua robusta testa que lembrava um pedaço de madeira, junto do nariz em forma de garrafa, davam-lhe a ideia de um sovina inveterado. Os olhos eram cerrados e fundos, escuros, e a boca grande. Tinha uma barba rala que deixava a aparência ainda mais medonha.

◈◈◈

— Bem-vindo onde os pesadelos ganham vida — o Gerente finalizou. — O que você deseja?

— C-c-certo. Vim para me…

— Qual o problema com sua voz, rapaz, há mais alguém com você?

— Não, não, senhor.

— A guilda da caveira recebe poucos visitantes — grunhiu de forma áspera, o gerente — e muitos bandidos. Venha comigo. Para acertar nossos assuntos, com as portas fechadas e no balcão, será mais apropriado.

Guilherme entrou meio duvidoso, meio apavorado e certo do seu fim.

Vou morrer!

O Gerente fechou a porta e depois atravessou o salão com passos pesados.

O que, não há garotas?

Isso não!

Se o Tropeço é o responsável por esse lugar, já me considero o maior dos azarados.

Esperava uma gótica parecida com a gracinha da guilda dos heróis.

Isso não posso aceitar.

Ava…

É melhor dá meia volta.

Vou dar o fora.

— Nem pense em ir embora, sem antes resolvermos nossos assuntos — o Gerente disse sem olhar para trás. — Veio até minha casa, quero saber o porquê?

Guilherme se sentiu pressionado e engoliu meio litro de saliva, toda que tinha acumulado dentro da boca.

Outra diferença entre as duas guildas era o quadro de recompensas.

O quadro desse lugar ficava num canto, afastado e iluminado por duas velas negras, e ganhava o nome: lista de trabalhos.

Tinha as esterificações, tais como: assassinatos, roubos, sequestro, espionagem, segurança e outros.

A maioria desses crimes…

Maldição…

São trabalhos que iriam trazer a espada afiada de um aventureiro direto para o meu pescoço.

Bater as botas, não, não…

Espionagem e segurança, posso me virar com isso!

Pensamento positivo, Guilherme.

Não sou trevoso?

Ora essa, claro!

Eu vou tirar de letra, é só superar a péssima primeira impressão que será molezinha!

Nas novels, essas aparências sinistras só eram para dar um pouco de tensão para a história.

Se tiver errado?

Não estou, droga, é tudo que me resta!

Sobre impressões negativas, mesmo lutando para ignorar, Guilherme não podia deixar de se impressionar com a sombria atmosfera daquele lugar, mesmo durante o dia e com as janelas, as sombras reinavam como na última badalada da madrugada.

No salão havia várias mesas, todas iluminadas por velas negras. Mais ao fundo tinha uma lareira que ardia como a garganta de um demônio.

Havia grupos de pessoas que tinham a cara igual ou pior que o Gerente, comendo carne semi-crua e bebendo mijo, a aparência era de vinho, mas cheirava a mijo.

O rapaz passou por uma mesa onde havia dois homens enchendo a cara com profundas canecas, ambos com o porte de quem come crianças assustadas na janta.

Um era homem alto e magro, na cabeça usava um gorro que tinha o desenho de um cervo sem chifres e no corpo vestia tristes roupas negras que realçava a palidez sombria do seu rosto; ele tinha um machado franquisque simples encostado na cadeira.

O outro homem pertencia a um tipo inteiramente diverso, suas roupas adornadas com tiras e lasca de couro, embora esses ornamentos estivessem servindo para remendar os rasgos nas peças principais, ele não deixa de se portar como um pavão; esse simpático passava a língua numa adaga.

Os dois eram bem parecidos de um modo vigoroso, e seus olhos inquietos saltitavam por toda órbita ocular sem perderem o foco no rapaz que avançava tímido.

O homem com as tiras de couro pregadas nas roupas parou de lamber o seu punhal e se levantou, ficando ao lado do rapaz, e depois recuou um pouco para a escuridão, parado de pé como um retrato sombrio.

— A menina gosta de brincar no escuro? — ele perguntou enquanto passava os dedos pelo cabelo de Guilherme de uma forma sugestiva. — Para poder passar, precisa pagar tributo para o bando: Cervos sem Chifres.

Cervo Sem Chifres: Bando de mercenários nível bronze.

Infâmia: O bando é conhecido por seus membros serem homens suados. Mulheres também não são admitidas.

◈◈◈

Morrer nesse lugar?

Não! Não!

Vou ser estuprado, tou fudido, fudido pra valer.

Não era isso que pensei quando priorizei perder a minha virgindade.

Pedra…

Socorro!

...



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