Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 12: A Nova Estrada do Protagonista

Sob o sol fulgurante, Guilherme viu a expressão faceira, tênue como o rastro de uma serpente, traçada no rosto daquela imitação de Papai Smurf.

Se fosse de noite, quando a luz vinda das duas luas era fria e fosca, o rapaz com certeza não teria notado os macabros gestos, mas no meio-dia mesmo as menores rugas do rosto dele faziam sombras, e quando pensou em fugir, o cínico sorriso chamou a sua atenção.

Andou um pouco para trás e sentiu um arrepio súbito ao se dar conta de que não tinha opções de fuga pois estava encurralado em todos os sentidos, tanto físico, quanto mental.

— QUEM É VOCÊ? — O homem de cabelo azul encarou Guilherme.

Esfregando a barba, o sujeito sorriu e soltou um gemido satisfeito ao ver a situação do intimidado rapaz, contorcendo-se por dentro e querendo encontrar uma forma para escapar, deixando claro que havia acertado ao questionar a sua natureza.

O olhar daquele homem era afiado como a ponta de uma adaga.

Por causa do calor, os aromas das valas de Carrasco Bonito eram repugnantes.

Guilherme sonhou em viver uma aventura num isekai. Sempre imaginou as delícias e as aventuras, não os fedores e os perigos.

Na Terra, ele era o típico espertalhão desmotivado que acreditava ser destinado para algo grandioso. Ainda que não fizesse nada por sua vida, desperdiçando horas e mais horas na frente da tela do computador, entupido de salgadinho de queijo e embriagado com refrigerante de uva. 

Como na Terra, ele não conseguiu esboçar uma reação para se defender, ainda que isso pudesse custar sua vida, e era nisso que sua mente lhe torturava, como se fosse uma sofrida lição.

Aquela situação não era como lidar com o seu antigo computador, quando o problema se resolveria apenas reiniciando a máquina.

Não estou na Terra!

— Sinta esse ar pobre, rapaz — provocou o homem. — Nenhuma outra cidade do mundo tem os cheiros de Carrasco Bonito.

— Esse homem é perigoso — exaltou a pedra. — Cuidado com as palavras.

Uma sábia dedução, pedregoso imprestável!

Como vou escapar dessa furada?

Não vou arriscar correr.

Não posso contar a verdade.

Droga!

Foco, foco, foco.

Se ele quisesse me ferrar, não estaríamos nessa sinuca de bico.

É minha vez de dar a tacada.

Vou arriscar a persuasão.

É minha única opção.

— Quem eu sou importa? Por que, se fosse esse o caso, não estaríamos tendo essa conversa. Estou errado?

Os dois se encararam.

O rapaz segurou a respiração, e o silêncio naquele instante arrepiou até os fios mais bem escondidos no seu corpo.

De repente, o homem começou a rir, batendo a mão nas coxas, enquanto o impasse ficava um tanto quanto mais leve.

Guilherme suspirou aliviado, e para não usar uma expressão vulgar, vou mencionar apenas que ele destrancou a saída dos fundos.

— Calma, calma, é verdade, quem é você não importa nada para mim. Sou um aventureiro, e se não tiver moedas envolvidas, não arrisco fazer esforço desnecessário e prefiro beber. Calma rapaz, só queria jogar um pouco, e digo, foi muito divertido.

— Chega, velhote! — Guilherme, quando deixou de sentir o peso da espada sobre o pescoço, se sentiu mais confiante. — Estou com fome e ainda tenho que encontrar alguma forma de arranjar moedas. O que você quer de mim?

— Bem, moedas, era sobre isso que queria falar com você. Não quer?

— Cuidado, pode ser outra armadilha — avisou a pedra.

— Vai me convidar para entrar no seu grupo? Você viu que sou especial, e se não for isso, não estou interessado e vou embora.

— Fico feliz que você considerou um mero grupo de aventureiros classe G, mas não poderá entrar. Os outros membros arrancariam as minhas bolas: as duas! Não posso chegar com um novo companheiro tão estranho como você. Pensando bem, que tipo de capitão idiota faria algo parecido?

— Não sou estranho! — Guilherme se sentiu ofendido.

— Se fosse por mim. Até gosto dos estranhos, mas não posso fazer nada, meus companheiros iriam ficar furiosos, principalmente a Penélope, sabe, ela é um monstro terrível.

O homem estremeceu todo o corpo.

— Não estou interessado nisso!

— Você não entendeu, ela é uma garota assustadora, gosta de pendurar as pessoas pelos pés e…

— Não estou interessado, mas que droga, ainda tenho que encontrar uma forma para poder comer.

Guilherme se virou e foi embora.

— A guilda dos heróis não é a única forma para ganhar moedas com aventura.

— O que, como assim?

O rapaz voltou muito mais interessado, parecia um peixe atraído pela irresistível minhoca no anzol.

— É uma armadilha — alertou a pedra. — Vá embora!

— Cala a boca, pedra — sussurrou Guilherme. — Eu decido o que é melhor para nós.

— Você só escuta o que quer. Não vê que esse homem está encurtando os fios, marionete?

— Já mandei calar a maldita boca, merda. Reclamando nos meus ouvidos só vai me atrapalhar.

Guilherme disfarçou mexendo os lábios como se estivesse bocejando.

— O que você disse? — perguntou o homem desconfiado.

— Nada, não é nada… o que você falou sobre ganhar moedas com aventuras?

— Também não sabe disso, né? Do que observei da sua conversa dentro da guilda, não… o interrogatório com aquele escudeiro chorão, julguei que também não saberia.

— Se vai ficar jogando comigo, é melhor parar e ir direto no que importa porque não quero perder mais tempo. Como faço para ganhar moedas?

— Muito bem, rapaz. Não, primeiro é certo nos apresentar como bons aventureiros, qual é seu nome? O meu é Dick.

Guilherme observou a animação daquele sujeito ao enrolar o ponto que lhe interessava e se irritou com o olhar indulgente dele, daqueles que considerava todas as pessoas com dificuldades como coelhos indefesos dentro de uma armadilha.

Já tinha motivos de sobra para não gostar do tal Dick, mas tinha que admitir que admirou suas ardilosas jogadas.

Que tipo de personagem é esse?

Vai ajudar ou atrapalhar o meu isekai?

— Guilherme! — A sua própria voz lhe tirou da toca do coelho. — Como posso ganhar moedas?

— A guilda dos heróis não quer você, mas pode tentar na guilda da caveira. Não poderá ser um aventureiro. Então, que tal o outro lado da mesma moeda? Poderá ser um mercenário, soa bem, hein?

Guilherme teve uma sensação de perigo ao notar o brilho nos olhos do homem quando ele olhou para o lado, precavido, ao terminar de falar, e entendeu que o Dick o provocou o tempo todo para chegar nesse momento.

A pedra tinha razão.

É uma armadilha.

Mas aquela cabeça rochosa só não sabia que eu também estava preparando a minha arapuca, e a hora de fechar o alçapão chegou.

Esse velhote não vai fugir!

Sem se deixar abalar, o rapaz apenas observou porque acreditava ser o melhor ator nessa encenação de intrigas. Como todo bom ator, era perspicaz para captar a personalidade e o sentimento das pessoas.

Mas aquele sujeito o intrigava. Era um homem hábil nas palavras, controlado e frio, mas afetuoso como uma mãe, e sabia colocar cada sentimento específico na frase certa.

Agora, não posso fazer mais nada.

Não dá para recuar.

Ele preparou essa armadilha para mim, mas para qual fim?

Bem… o ganho só é grande quando a aposta é alta.

Vou até o fim!

Um ligeiro movimento de alguém entrando na guilda, fez um alto barulho, e chamou a atenção de Guilherme. Fez ele sair da toca do coelho.

Ele sentiu tontura, as suas pernas bambearam, era como ser esmagado por uma forte pressão atmosférica. Havia uma estranha energia em volta deles; não podia ver, mas sentia que algo estava pressionando cada parte do seu corpo.

Dick com a cabeça levantada relou de leve a barba do queixo e sorriu, ajeitando as luvas de couro nas grandes mãos, e depois se inclinou para o rapaz e perguntou com delicadeza:

— O calor dessa cidade é forte demais para você? Está se sentindo bem?

Os dias de verão no Tocantins eram piores que as caldeiras do inferno.

Eu posso aguentar um calorzinho mixuruca como esse.

— Claro, não seja idiota, quem pensa que sou? — Quis se fazer de forte, mas estava usando todas as forças para não desmaiar. — Você falou sobre a guilda da caveira e mercenários, não foi?

O rapaz fez a sua aposta.

— Para o Conselho das Guildas é mais vantajoso que as pessoas de poder mágico negativo se tornem fazendeiros ou donos de tabernas. Acho que é para evitar os problemas, ou coisa assim. Mas sempre há os audaciosos demais para uma vida pacífica.

— Como assim?

— O Conselho criou a guilda da caveira para deixar os audaciosos ocupados — disse ele num tom sugestivo. — Há trabalhos que a guilda dos heróis não pode aceitar, então vão parar naquele lugar.

Guilherme mordiscou a ponta da língua.

— Esses trabalhos, não seriam crimes?

— Você pega a ideia rápido. Sim, na grande maioria são trabalhos criminosos.

Guilherme andou um pouco para trás e pôs-se a contemplar o prédio da guilda dos heróis. Sentiu um profundo rancor e comentou:

— Pera, esse lugar me chuta porque meu poder mágico é negativo, mas cria um lugar para que as pessoas possam encomendar crimes. É loucura!

Dick sorriu.

— O mundo é uma loucura. Além de que, nem todos os trabalhos são criminosos, você pode escolher. — Ele suspirou. — É muito constrangedor admitir. Mas para o Conselho, melhor que uma pessoa com poder negativo trabalhando numa fazenda ou escondida numa taberna, será essa pessoa com a cabeça separada do pescoço.

Dick riu, deliciado e caçoou:

— Só joga o jogo o jogador que sabe jogar!

Jogo?

Esse cara tá me tirando como otário?

Você está diante do maior jogador de todos, espertalhão!

— Como faço para encontrar esse lugar?

— A guilda da caveira é um antro de ressentidos, vergonhas, e é ignorada. Nem toda cidade tem uma.

— Aqui tem uma?

— Sim! É um contraponto interessante. Aliás, se houver uma guilda da caveira numa cidade, é só andar para o leste usando a guilda dos heróis como ponto inicial que irá encontrar.

— Entendo, só não entendo porque está me ajudando. — Guilherme refletiu por um momento, então disparou a suspeita que tinha na ponta da língua: — Você é um membro do terrível bando do Circo Horror, velhote?

— Ah, como? De onde tirou isso? Rarara… não, claro que não! Pera, velhote? Já disse que só tenho 30 anos!

— Sei… era normal nos enredos das novels esse tipo de clichê.

— Outra vez vai se apoiar nessas benditas novels — ironizou a pedra. — Se não consegue ver água no poço, como matará a sede?

— Não! O que, novels, enredo? O que é? Uma encenação de bardos, teatro? — Dick fez um malabarismo com as palavras. — Você é engraçado, Guilherme, menos a parte do velhote.

— Esquece, não é nada, são hábitos da minha terra natal, você não entenderia. Certo, em todo caso, agradeço por sua ajuda. Agora vou achar essa guilda da caveira e resolver a vida!

— Guilherme! — O olhar de Dick se estreitou. — As coisas podem se complicar rápido demais. Ao sul, há uma terra de lindas mulheres e adoradores de árvores. É um lugar que costuma ser mais tolerante com escravos fugitivos.

— Não, não adiantaria nada para mim. Não sou escravo.

— É de se admirar, a forma que vocês podem manter uma conversa quando as opiniões são diferentes, ou… — comentou a pedra — pedir desculpas por alguma sugestão involuntária.

— Contanto que não se esqueça, sempre é possível encontrar um escravo desesperado pelo caminho.

Dick fez uma pausa, parecia indeciso sobre alguma lembrança, suspirou e continuou:

— Reino da Árvore Sagrada, é esse o lugar. Só precisa tomar cuidado com a terrível Rainha Vermelha.

— Terrível? A Rainha Vermelha, o que tem de errado?

— Ora, Guilherme, é mulher! Não entende? Digo, esses pedaços de alegria podem ser temperamentais às vezes, e quando tem uma coroa sobre a cabeça, huuu, é melhor evitar.

— Claro que entendo de mulher! — O rapaz revirou os olhos. — Tanto faz, não tenho a menor vontade de ir nesse reino. Chega de conversa, pois ainda tenho que encontrar a guilda da caveira, e mais uma vez, obrigado!

Guilherme cumprimentou com a cabeça.

Dick sorriu para ele, e se deparou com um olhar superficial e afiado do rapaz.

Não ficaram naquele impasse por muito tempo, e Guilherme sentiu a tensão no ar se dissolver.

A compreensão e a boa vontade daquele sujeito em ajudá-lo fizeram com que modificasse, um pouco, a ideia que fez sobre o tal Dick. Por outro lado, a habilidade que ele demonstrou naquele momento, ao convidá-lo às suas vontades, o impressionou.

Se afastou o suficiente da guilda dos heróis e dessa vez olhou melhor se não tinha ninguém observando sua conversa como o próprio Dick havia feito antes.

— Pedra, você só presta para ficar sussurrando na minha cabeça, ou vai ser útil para variar? — perguntou com um leve toque de ironia. — Você sabe alguma coisa desse lugar, Reino da Árvore Sagrada?

— Sei que é uma espécie antiga de árvores. Mas ficou interessado? Disse que não iria precisar porque não era escravo?

— Nunca se sabe o que pode acontecer, é bom ter opções. Achou que fiz errado?

— Apesar da teimosia, você agiu bem. Rodear o galinheiro com um olho na raposa e o outro no galo, é uma ótima estratégia.

— Urgh… sabe mais alguma coisa?

— Na minha época, não existia reino. Mas essa árvore era famosa por ser uma espécie milenar, ainda sim, muito rara e emblemática; era considerada a Árvore Mãe. As tribos de elfos a cultuavam como a origem da vida. As tribos acreditavam que era o símbolo do amor da deusa Moren pelos seres vivos deste mundo.

— Moren? Outra deusa?

— A grande Mãe, a deusa da vida!

Hum…

Aquele senhor, simpático, que encontrei ao chegar nessa cidade parecia odiar os elfos.

Não posso ignorar isso.

Tudo que queria agora era uma latinha bem gelada de fanta uva.

Talvez seja melhor deixar toda essa história de lado.

Encontrar uma elfa peituda para o meu harém é fundamental.

Mesmo!

Mas vai valer o risco?

É claro que devo ir na direção contrária de qualquer coisa batizada: A Terrível Rainha Vermelha.

Alice deixou isso bem claro.

Bem… acho que posso esperar um pouco para conquistar essa tal rainha, afinal, todas vão tombar diante do grande herói, cedo ou tarde, hein, Peter Grill?

Vou focar na guilda da caveira.

Isso!

Mercenário soa melhor que aventureiro.

É foda pra cacete!

As coisas estão se ajeitando para mim!

Guilherme até ensaiou um sorriso, enquanto descia a rua na direção leste, conferindo as construções pelo caminho. No mínimo, esperava que a guilda da caveira fosse semelhante à guilda dos heróis, só que mais legal.

Sou das trevas, trevoso, sou foda.

É isso!

Mercenário é irado!

...



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