Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 11: O Protagonista e o Papai Smurf

Sobre os degraus de pedra do imponente prédio da guilda dos heróis, procurando dentro da sua bolsa de aventureiro, Guilherme desejava uma luz para os seus problemas.

Sendo humilhante aceitar que aquele pedaço de pano velho e uma moeda de cobre eram tudo que ele tinha naquele mundo.

Um calafrio percorreu todo o seu corpo.

Isso não é bom!

Pensou em olhar suas anotações em busca de uma resposta, mas desistiu porque tinha poucas informações.

Por falta de uma opção melhor para um caminho, o rapaz observava, entre olhos cerrados os frequentadores da guilda, os tipos mais variáveis que chegavam em luxuosas carruagens brancas e outras pretas com decorações douradas, guiadas por cocheiros vestidos com roupas espalhafatosas.

Algumas carruagens tinham brasões dourados aplicados nas portas, indicando que os donos pertenciam às famílias com títulos de nobrezas.

Um homem desceu de uma das carruagens, só que esse foi diferente que os demais, por um momento encarou o rapaz, então acenou. A luva na sua mão era branca como neve. Então ele entrou dentro do prédio da guilda.

Guilherme entrou em pânico.

Analisou com cautela o brasão na carruagem daquele homem, com medo de ser o mesmo que tinha naquelas roupas de escravo que se livrou.

Aquele símbolo fantasmagórico vai assombrar os receios dele para sempre.

Ainda mais com homens suspeitos aparecendo a torto e direito no seu caminho. 

Se acalmou, quando lembrou que Ramsdale havia comentado que não conhecia o brasão de armas naquelas roupas surradas e que deveria ser de algum senhor de terras distantes.

Cara, chega né?

Não vou me preocupar com isso, bosta, já tenho preocupações demais.

Não quero ser um covarde para sempre!

Se toda vez que ver um nobre, esbugalhar os meus olhos de medo, não vou arranjar um financiador para minhas aventuras.

Foco, analisa a situação.

Hum…

Uma coisa é certa, só poderosos frequentam a guilda dos heróis.

Será que todos são clientes?

Para um lugar que diz proteger o povo… cadê o povo?

Bem… isso não é da minha conta.

Vamos lá, é hora de seguir em frente.

Mas não sei para onde.

Não acredito que pedir a mamata da guilda dos heróis!

Um herói sem guilda, quem pensou nisso é patética!

Droga!

Guilherme começou a descer os degraus, ainda absorto na toca do coelho.

— Ei, garoto da magia das trevas!

O homem de cabelo azul chamou e acenou. O sujeito estranho saiu da guilda correndo.

— Suas pernas secas parecem voar — ele interrompeu as palavras, para poder respirar. — Te vi conversando com o escudeiro chorão dos Gaviões, me virei para xavecar uma gracinha e você sumiu.

Guilherme ficou surpreso, mas se encheu de esperança, pensou que talvez ele quisesse convidá-lo para entrar no seu grupo de aventureiros, e iria aceitar sem importar que fosse um mísero grupo de classe G.

Eu sabia que alguém iria reconhecer o meu valor.

Mas que porcaria…

Tinha que ser aquele velhote estranho, e ainda o grupo dele é a vergonha da guilda?

G!

É normal nas histórias de isekai o protagonista começar no ponto mais baixo, mas é apenas uma jogadinha suja para dar peso à uma narrativa vazia, já que no capítulo seguinte se revela que o sujeito é especial e tudo mais.

 Bem… tanto faz, estou salvo!

Com minha inteligência, vou tomar a liderança desse grupo de caipiras num piscar de olhos, e então, usando essa gente, vou ultrapassar as classes SS.

Até posso imaginar a cara de bunda daquela atendente metida…

Se ela implorar, talvez, posso deixar ela entrar para o meu harém, afinal, a desgraçada é um biscoitinho com mel!

Ah sim, e o pedregoso vai ter que aceitar que eu sempre tive certo.

É isso!

Agora, a primeira coisa é enrolar esse velhote.

Vai ser molezinha!

— PAPAI SMURF — Guilherme pensou alto.

— O que? — O homem não entendeu.

— Não é nada!

— Além de apressado e esquisito, você é descuidado — disse o homem ao terminar de se aproximar. Ele tinha um malicioso brilho no olhar. — Os escravos precisam tomar muito cuidado com as palavras entre os homens livres.

Uma onda de indignação inundou o coração de Guilherme. Se essa gente tivesse certeza de que seu corpo pertencia a um escravo, já teria tomado providências para impedi-lo de sair de dentro da guilda.

Mas todos haviam sido pegos de surpresa com suas jogadas lógicas, e ainda deviam estar perdidos em falsas ilusões, tentando aceitar o potencial da sua magia das trevas.

Além disso, Guilherme foi esperto. Estava usando roupas normais e não deixou ponta solta, de modo que na cabeça chuca daquelas pessoas não passariam de um simples camponês sonhador, e não havia no quadro de missões pedidos por um escravo fugitivo. 

Não tinha o que temer. Ainda assim, a palavra escravo tinha o poder de abalar sua mente.

O rapaz balançou a cabeça, que já exibia as pequenas feridas de tanto ele coçar agoniado, e erguendo a mão para demonstrar raiva, quis aparentar indignação.

Muito irritado, por muito pouco não fez um gesto obsceno. Ele entendeu que precisava atacar para poder resolver de uma vez esse perrengue de escravidão.

— Desgraçado, o que você disse?

— Sei que ouviu bem. — O homem riu.

— Herói, essa situação é estranha — avisou a pedra. — Não fale mais nada e apenas vá embora.

Depregoso idiota!

Não vou deixar esse cara se sair melhor que eu.

Já basta Liel.

Vou dar uma boa lição nesse papai smurf.

— Outra vez isso, velhote? Não sou escravo, não há provas. — Guilherme tentou ser o mais intimidador que conseguia com aquele corpo franzino. — Vou precisar chamar o Guilve ou o Leon para explicar como funciona, hein, classe G?

O homem de cabelo azul não demonstrou o menor sinal de preocupação. Ele foi mais rápido que os jogos infantis do rapaz petulante.

Guilherme não tinha nenhuma chance contra o sujeito, e nem poderia imaginar do que aquele homem experiente era capaz.

— Velhote? Como ousa? Só tenho 30 anos. Insultos levianos não vão salvar seu pescoço. Não vou cair nesse truque que usou para se salvar dos Gaviões Prateados.

Ele passou a mão pelo queixo, sobre a barba mal feita. Tinha um olhar tão afiado quanto uma navalha.

— Mas se vai insistir nesse truque barato, de provas e mentiras, aconselho deixar o cabelo crescer para cobrir a marca de escravidão atrás da orelha.

Guilherme foi pego de calças arriadas e se desesperou. As suas pernas bambearam, todo o seu corpo ficou fraco de repente.

Ele não estava preparado e não tinha como lidar com algo tão comprometedor como uma MARCA, então começou a pensar numa saída, e tinha que ser rápido.

Se enfiou dentro da sua toca do coelho.

Droga, droga…

Por que não investiguei esse corpo.

Sou um maldito noob.

No passado da Terra era comum os miseráveis senhores de engenho marcarem os pobres escravos.

Droga!

Como fui cometer esse erro?

Eles vão decepar minhas mãos.

Ou, muito pior…

Arrancar um dos meus olhos. 

Calma cara, Calma!

Pensa, pensa, pensa.

Ele quer alguma coisa, senão já teria chamado os pontas vermelhas.

Mas o que?

O sujeito é classe G.

Hum…

A classe que é um castigo, uma vergonha.

É isso!

Sem dúvida deve ser um idiota metido a sabichão que só estar atrás de uma jogada fácil.

Talvez eu possa usar isso ao meu favor.

— Tem bons olhos, senhor. Você é um grande aventureiro, até eu posso perceber isso, mas ainda sim é um classe G, isso, né? Deve ser uma grande vergonha essa posição injusta.

Guilherme passou a mão de leve na orelha esquerda, para poder saber como era a forma da marca e assim bolar alguma ideia para contornar essa situação. Não encontrou nada.

— Consigo imaginar seus planos!

— É mesmo, quais são, estou curioso? — O homem se mostrou receptivo. — É impressionante como conseguiu mudar o tom ameaçador para o de bajulador num piscar de olhos. Você é perigoso, rapaz.

— Não, de forma alguma, só quero ser útil. Posso provar. Bem… imagino que queira o topo das classes da guilda. Com isso, espera voltar a subir ao entregar um pobre escravo fugitivo, não estou certo? Mas eu tenho uma oferta melhor. Nós dois vamos ganhar!

Preciso enrolar esse velhote, e na primeira oportunidade sair correndo.

Ele mostrou agora pouco que não aguenta correr.

Mas se for outro truque para me testar?

Não é!

Ele não aguenta correr.

É velho!

Bem… eu também nunca fui de correr.

Mas agora é diferente porque tenho pontos de habilidade, e são suficientes para escapar desse otário.

É isso...

Vou correr!

O homem parecia se divertir analisando o rapaz revirando os olhos, como se estivesse vendo um palhaço contorcer o corpo dentro de um caixote. Coçou a pele de uma das mãos por baixo da luva de couro e resolveu finalizar o espetáculo.

— Calma ae, já querendo corromper um honesto aventureiro, que sujeira. Você ameaçou chamar aquele menino sensível, o Guilve, e também  chamar o Leon, não foi?

Ele sorriu e continuou com um perverso brilho nos olhos:

— Agora me responda, o que aquele rapaz estourado, como era o nome dele, Liel. O que o Liel iria fazer com você se descobrisse que foi feito de idiota?

Guilherme se arrepiou todo.

— P-pera, não é isso, entendeu errado. Sempre há vários pontos de vista diferentes. Não v-vamos envolver outros aventureiros nisso.

Ele aceitou que estava espremido que nem sardinha em lata, não dava para se mexer para lado nenhum.

Passou a mão por trás da orelha direita, ainda tinha esperança de arranjar uma saída, só que não demorou para entender que sua lata foi selada a vácuo por aquele homem sagaz.

Era uma armadilha desde o início, e caiu nela como um faminto coelhinho atrás da cenoura. Naquele momento se viu enjaulado numa gaiola apertada.

Aquele animal indefeso não encontrou o tal sinal da escravidão na orelha direita também. Na verdade, não tinha marca nenhuma nas duas orelhas.

— Velhote miserável… você não falou em qual das orelhas tinha a marca.

O homem parecia satisfeito, respirava entre dentes, sorrindo de um lado ao outro do rosto.

— Claro que não! Como você bem disse, sempre há pontos de vista diferentes. Não existe marca de escravidão, mas um escravo nunca saberia disso.

O homem se aproximou mais de Guilherme, parecia querer reduzir a possibilidade de uma fuga, então continuou:

— Há apenas duas respostas para esse problema: isso não existe! Qualquer outra só mostraria que você é um escravo fugitivo.

— Ele te pegou, herói. Não acredito que não se lembrou das únicas duas formas de provar a escravidão que o aventureiro Guilve explicou — disse a pedra.

— Droga, pedra — sussurrou o mais baixo que conseguiu. — Você não está ajudando.

— Você é estranho, rapaz! — O homem não tirava os olhos de Guilherme enquanto mexia a boca feito um boneco de ventríloquo.

— Rapaz? Não escravo? Vai me entregar para os guardas da ponta vermelha?

— Não posso entregar uma pessoa que não é um escravo. Você encontrou uma terceira resposta para o problema. Devo admitir que fiquei surpreso.

— Como assim?

— Você acreditou na existência da marca. Mas um escravo nunca pensaria em procurar atrás das orelhas em busca de compreender a situação. Observei sua conversa com aquele escudeiro chorão, cheio de perguntas. Mas a questão entre nós é: QUEM É VOCÊ?

Guilherme quis manter a compostura, entretanto, não conseguia ficar calmo. Só conseguia relaxar quando estivesse correndo para longe daquele Papai Smurf assustador.

Ficou ali, perto dele, apenas alguns minutos, mas já era o suficiente para sentir grande aversão. Não que o conhecesse bem ou soubesse como foi encurralado, era outra sensação que não conseguia entender. Isso o assustava mais do que tudo.

O fluxo de carruagens na rua aumentou e ele mentalizou que poderia escapar correndo entre elas, que para seu bem, não eram velozes como os carros em uma movimentada avenida da Terra.

Precisava acalmar-se. Estava em um ponto decisivo. Se cometesse um erro, uma precipitação, poderia ser o fim de sua aventura nesse isekai.

Como a situação guinou dessa forma?

Caí nessa armadilha como um maldito noob.

Preciso encontrar uma forma de escapar.

Ainda bem, que para fugir, ninguém é melhor que eu.

Sou um covarde…

Isso nunca mudará!

...

 

 



Comentários