Last Downfall Brasileira

Autor(a): VALHALLA


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 1: Um Protagonista Desanimado

― Vai tomar no cu, seu inútil, filho de uma puta! Estava nova. Como alguém consegue queimar uma fritadeira industrial com meio saco de batatas? ― Um homem gordo e fedendo a óleo velho bufava de raiva. ― Está demitido!

Essa não seria a melhor forma de começar a história de um herói. Mas o que vou contar, não vai ser a história de um herói, mas a história de Guilherme, um cara comum que não tinha nada de especial.

Depois da demissão, caminhando pela calçada amontoada de pedestres, o mundo era emocionante e movimentado para as outras pessoas, mas não para aquele rapaz, seu mundo era sem cor e deprimente.

Enquanto desviava dos afoitos pedestres, não conseguia tirar os olhos da sua carta de demissão.

Três demissões em um mês, acho que deve ser uma espécie de recorde.

Pena que não paguem por isso.

Eu tinha que ganhar um prêmio.

Droga!

Num movimento rápido, um engravatado esbarrou nele e a carta de demissão saiu voando numa corrente de vento. Guilherme até pensou em correr atrás, mas desistiu no mesmo momento.

Vou precisar dela?

Bem... 

Que se foda, o molho especial daquela espelunca de esquina tinha cheiro de meia suada.

Além do mais, por que estou continuando? Ninguém se importa. 

Seria tão simples pular de uma ponte alta… hein?

Rs! Eu?

Sou covarde demais!

Guilherme tinha 25 anos, nunca namorou e não se preocupava com perspectivas, era a estampa de um homem ordinário com a pior aparência possível: a de um fracassado.

Ou, de forma mais detalhada: um pedaço de bosta virgem que nunca sentiu o cheiro de uma mexerica, lamentoso e solitário, que só desejava morrer.

Sua vida até dois meses atrás era um campo de flores, visto que vivia numa casa confortável, tinha comida e roupa lavada. Ele podia passar os dias escondido na internet e fuçando novos jogos online, bolando estratégia para as mesas de RPG e lendo novels, as mais irreais possíveis.

Trazia certo conforto imaginar que todos os problemas se resolveriam com um estalar de dedos.

Só que depois de uma briga horrível, computador quebrado, ofensas, promessas de independência e liberdade, o homem de barba suja e Hálito de salgadinho de bacon saiu da casa dos pais.

Conseguiu se virar bem no último mês e meio, só que muito se devia ao dinheiro que sua mãe colocou escondido em sua mochila. Gastou sem remorso, convencido que iria devolver cada centavo.

Guilherme não era um desses otakus de cérebro atrofiado, esse incoerente fato, tenho que deixar claro.

Ele era inteligente, pode-se dizer que acima da média.

Conseguia desenvolver um enredo do começo ao fim com facilidade. Todos os jogos que experimentou foi capaz de zerar em pouco tempo. Os amigos dos dias de  jogos até pararam de chamá-lo para as mesas de RPG com acusações de fraude.

Só que suas jogadas não eram trapaças, ele apenas decorou todos os aspectos dos livros de RPG, por isso conseguia criar estratégias e fugas inacreditáveis.

Esse homem com um pouco de dedicação poderia ganhar muito dinheiro no ramo de jogos, mas ele tem um grande problema: se chateava e desistia das ambições com facilidade.

Guilherme já estava terminando de atravessar uma avenida, mas parou para olhar um coelho felpudo saltitando na pista.

O orelhudo era branco como neve, olhos vermelhos e muito fofo. O animal olhou nos olhos do rapaz e sorriu. Mas não foi um sorriso comum, sorriu com vontade, mostrou os dentes e a língua.

Ah, um coelho?

O que? está sorrindo para mim, que fofo.

Parece com aquele do sítio.

Será que fugiu?

Pera, coelhos podem sorrir?

Tanto faz…

É meu bicho da sorte, vou apostar no pé de coelho e comprar um bilhete de loteria.

Um garotinho segurando uma bola de futebol passou correndo na frente de Guilherme e parou no meio da pista, perto do coelho, e começou a quicar sua bola.

A sequência de eventos foi rápida demais, comum demais, traiçoeira demais. Uma buzina ensurdecedora, gritos desesperados e a carreta desgovernada.

Guilherme não hesitou e usou toda a força dos músculos para saltar. Ele conseguiu empurrar o garoto para fora da pista, o coelho correu desesperado e o homem desmotivado ficou de cara com o parachoque de aço.

Isso não é bom.

É, não sou um covarde.

Mas…

― Por que fiz uma tolice dessas?

― Mortais são engraçados. Eu também não entendo. Por que pulou na frente de uma carreta? — Uma voz fina e infantil.

Guilherme sentiu o metal frio contra o seu corpo e percebeu que cada osso do seu corpo seria feito em pedaços. Apavorado, fechou os olhos.

Então nada aconteceu, não sentiu dor ou ouviu algum ruído.

Por um momento nada fez sentido. A última coisa que se lembrou era do miserável moleque e a carreta.

Provavelmente, eu morri por causa disso, mas, agora, nenhuma parte minha sente dor.

É estranho!

A estranheza da situação era capaz de fazer qualquer um ficar confuso, porém ao abrir os olhos era ainda pior.

Guilherme voltou segundos antes do encontro com a carreta. Tudo em sua volta se movia em câmera lenta, inclusive ele mesmo. Todos os seus sentidos estavam entorpecidos.

Diante de seus olhos enxergou uma criança roliça que usava túnica e flutuava como um balão de festa. E não podia deixar de reparar as pernas peludas e os cascos de bode que eram os pés da criatura. Guilherme sentiu um arrepio de apreensão.

— Eu vi o que você fez, mortal, e não compreendo…

Pera só um pouco, que isso?

Não é uma criança, esse querubim deformado tem barba.

Que porra é essa?

— Talvez ainda não tenha entendido o que está acontecendo. Mas não dá tempo, eu só quero saber por que você pulou para a morte?

— Não faço ideia por que fiz o que fiz, se fiz sem perceber… meu corpo se moveu sozinho.

— Então se tivesse a oportunidade iria fazer diferente?

— Sim! Pera um pouco, não sei. Tudo aconteceu tão rápido.

— Os céus estão do seu lado, é seu dia de sorte.

Uma bola passou em câmera lenta, dava para ver cada detalhe dela.

— Aí está a bola, em seguida.... Aí está ele também, o garoto. O que você vai fazer, qual é sua escolha?

Da mesma forma com a bola, Guilherme conseguiu ver cada detalhe da criança, a cor de seus olhos, as manchas de tinta na roupa, a forma como sorria brincando com seu brinquedo.

Mas o que chamou a atenção foi o coelho, que também estava lá, no mesmo lugar, olhando-o.

A buzina da carreta gritou enlouquecida. Por causa do efeito de câmera lenta, o som entrou nos ouvidos do rapaz como um espeto sólido. O ser flutuando parecia eufórico.

Guilherme então respirou fundo e ignorou o garoto, a carreta, a buzina ensurdecedora, o maldito coelho e também o olhar malicioso do querubim deformado.

Na sua mente, ele era o senhor do tempo e razão.

Nos momentos difíceis, quando precisava compreender uma situação anormal, ele era capaz de apagar a existência de tudo que não importava e se concentrar apenas nos seus pensamentos, suas deduções.

No passado, quando rompia as fases complicadas de um jogo, quando bolava estratégias invencíveis nas mesas de RPG, nunca foi trapaça, era sua habilidade especial: a sua toca de coelho.

Por que eu pulei para a morte para salvar o garoto?

Isso agora não importa, tenho uma questão maior: quem era aquele ser barrigudo? Por que se importava comigo para me dar uma segunda chance? 

Foco, foco, isso agora também não importa.

É uma soma simples: moleque remelento + carreta imparável (assassina) + entidade misteriosa + quebrar a realidade = Será?

Não há dúvida, esse é o momento que fantasiei minha vida toda, minha chance para escapar dessa vida de fracassado e monótona. Isso!

Todos os meus erros serão apagados.

Vou para um mundo de ISEKAI!

O tempo voltou a passar normalmente.

Guilherme não sentiu medo, não duvidou, apenas saltou usando toda a força dos flácidos músculos e empurrou o garoto para fora da estrada.

Outra vez estava diante da carreta assassina, sentiu o aço frio e então tudo escureceu.

Então é isso, agora não há mais volta, fiz minha jogada…

será que alguém vai sentir minha falta?

Sei que não.

Não vou poder pedir perdão para ela... tanto faz, né? Né?

Droga!

◈◈◈◈◈◈

Guilherme sentiu frio, mas não um frio comum que pinicava a pele, era uma friagem que atravessava seu ser levando uma parte da sua alma, pelo menos era assim que parecia.

Então abriu os olhos e viu que estava num lugar todo escuro.

Que bosta é essa?

Esse lugar não parece nada com os lugares fantasiosos das histórias.

O rapaz estremeceu, mas manteve a calma para analisar a situação.

O querubim peludo flutuava na frente dele e tinha arranjado uma maçã, a qual dava avantajadas mordidas. As redondas bochechas pareciam que iriam explodir numa gargalhada.

— Você é demônio, um deus?

— Sim, bem, um dos muitos, não vou explicar.

— Então eu morri?

— É o que acontece quando se joga na frente de uma carreta, oh, membros e entranhas por toda parte, uma grande sujeira. — O ser conteve um sorriso. — De toda forma, o seu esforço foi inútil porque já tinha morrido na primeira vez.

— Pera, o que? Por que me deu uma escolha inútil?

O deus jogou a maçã para longe e gargalhou.

— Uma piada é uma piada. É divertido. Ainda mais na piada de um mortal sacrificar a vida por outra vida. Isso é tão raro. É ainda mais raro manter firmes as decisões na segunda oportunidade e não implorar por suas vidas.

O sorriso daquela criatura criou contornos assustadores.

— É hilário assistir o desespero no rosto justo quando percebeu que perdeu a dignidade.

— Ah! Não, é cruel!

— Os mortais só servem para entreter os deuses — disse o roliço flutuando para perto de Guilherme e o encarando direto nos olhos. — Bom... você me surpreendeu, apostei que iria fugir. Por que salvou a criança?

Na primeira vez, acho que foi… sei lá, loucura ou coisa parecida. 

A segunda vez eu que fiz uma aposta, uma aposta que vou ganhar!

Seja o que for essa coisa, esse querubim deformado, não posso deixar ele perceber minhas intenções.

Tenho que bancar o herói altruísta.

Foco!

— Uma criança não pode morrer, era o certo a fazer!

— Verdade ou não, para pular duas vezes na frente de uma carreta, é preciso ter coragem. Vou lhe dar uma recompensa! Quer ser um herói?

— Vou poder voltar para minha vida? — Disfarçou as intenções.

— Não, você morreu e nada pode mudar isso, nem mesmo os deuses são capazes. Só há um poder na existência capaz de reverter a morte.

— Só um poder… — Guilherme conteve o impulso alegre. — O que vai acontecer comigo?

— Depende, sua recompensa é uma escolha. Ter sua alma fragmentada e espalhada pela eternidade, ou pode ser o meu campeão nos jogos dos deuses. Ser um herói — disse o deus se afastando. — Qual é sua escolha?

— Escolha? É uma das piadas, como? Não consigo compreender metade disso que falou. O que são os jogos dos deuses?

— Sua recompensa foi uma escolha, não respostas.

Certo... sem informações, está bom para mim!

Pelo menos mostrar indiferença funcionou.

Isso!

— Escolho os jogos.

— Sinto que você é promissor, será um grande herói. Só um dos meus campeões conseguiu vencer os jogos.

Campeões? Herói? Vários deuses?

Significa que haverá vários outros jogadores.

Mas quantos?

Ele não vai dizer se eu perguntar. Além do mais, só posso arriscar uma pergunta.

Tem uma questão que é prioridade.

— Não vai dizer quais são as regras dos jogos?

— Vou, apesar de sempre ser informação inútil para os jogadores. É tudo uma questão de escolha. Uma aventura. O herói para salvar um mundo.

O querubim deformado girou no ar, empolgado. Então parou gargalhando e continuou:

— O herói que conquistar LAST DOWNFALL será o vencedor, o prêmio é um desejo.

Conquistar Last Downfall!

Um desejo!

Será esse o poder capaz de superar a morte?

— Aos meus campeões, tenho o direito de dar dois presentes. O primeiro presente é algo da antiga vida para levar junto consigo. O que você quer levar, pode escolher qualquer coisa?

Levar algo da antiga vida?

Só consigo pensar no meu smartphone, na verdade, meu smartphone era minha vida, era onde tinha meus jogos, minhas músicas, meus amigos ingratos, minhas paqueras que nunca davam em nada.

Guilherme vislumbrou seu querido smartphone na sua mente enquanto viajava na toca do coelho.

O aparelho começou a se materializar em suas mãos. Sentiu a nostalgia apertar seu coração.

O deus admirando o smartphone nas mãos dele, sorriu e disse:

— Um smartphone é uma excelente escolha. Eu posso instalar qualquer aplicativo nele, na verdade, todos os aplicativos, memória infinita, que tal, essa é sua escolha?

Uma pausa. Guilherme lembrou de uma novel abominável que leu uma vez.

É meu ISEKAI, não vou cometer o mesmo erro!

— NEM FODENDO!!! — Jogou o smartphone no chão e começou a pisar nele até despedaçar. Depois olhou para o deus e fez sua escolha: — Memórias, quero levar as minhas memórias!

— Oh... — O deus se surpreendeu. — Meu nome é Skog e meu poder é vasto. Por isso meu segundo presente é uma besta lendária do meu jardim. Qual você escolhe: A fênix, a besta do fogo; O tigre, a besta do relâmpago; O urso, a besta da nevasca...

Fogo, raio, gelo, nossa... tudo isso seria o sonho de qualquer otaku babão, mas não para mim, além do mais, se realmente quero vencer esses jogos, num lugar que não conheço nada, bem...

Hum…

Entre as bestas, a besta da sabedoria é a mais forte.

Não é mesmo?

É a besta ideal para mim!

— Quero a besta da sabedoria!

— Sabedoria, ohh… ele?

— Não existe?

— Existe, mas... se bem, memória e sabedoria, suas escolhas são inusitadas. Não errei na minha aposta, você realmente é promissor. — O deus bateu as palmas da mão. — O grande herói. Seus presentes, meu campeão, faça o mundo estremecer, memória e sabedoria, que assim seja!

Um portal se abriu e começou a puxar Guilherme, que não tendo nenhum apoio foi sugado como poeira por um gigante aspirador de pó. Antes de atravessar, gritou:

— O animal, qual, qual representará a sabedoria?

— Você já sentiu dor de verdade?

No fim só se ouviu as gargalhadas do deus Skog.

◈◈◈◈◈◈

Guilherme abriu devagar os olhos e de início a claridade ofuscou sua vista, mas logo se acostumou. Estava encostado numa frondosa árvore.

Então sentiu sede, muita sede, a garganta tão seca que parecia que dormiu com uma esponja na boca.

Olhou para as mãos e percebeu que estavam menores, mais delicadas, apesar dos inúmeros calos ressecados.

Aquele querubim de merda... não acredito que fez isso comigo.

Droga, droga, droga.

O rapaz estremeceu, então se levantou o mais rápido que conseguiu.

Uma algibeira de couro caiu no chão fazendo um barulho metálico. Ignorou porque estava com uma preocupação mil vezes maior.

Olhou dentro das calças e respirou aliviado.

Graças a deus, mas qual deus, digo, Skog, aquele querubim deformado: EU AINDA SOU HOMEM!!!

Isso!

Não é o clichê de troca de sexo.

Só que, é uma miséria, pequeno e torto, bem, poderia ser pior.

Sem dúvida.

Guilherme pegou a algibeira de couro e dentro dela encontrou dez moedas, que pela cor e textura, só poderiam ser de bronze.

Hum…

Então nesse mundo há um sistema de dinheiro, muito bem, vou ter que descobrir qual é o valor, antes de pensar nas tabernas e antros de alegria.

Que se dane, que venham as donzelas.

Rs!

Guilherme olhou ao redor. Estava num bosque. Respirou fundo e sorriu. O ar era tão puro que sentiu pela primeira vez o sabor do oxigênio, mesmo que fossem admirações de um abobado.

Havia um córrego próximo. Então amarrou a algibeira de couro por dentro das calças. Ignorou as inúmeras manchas de sangue na roupa.

Primeiro a água, depois uma avaliação detalhada da situação.

Foi até o córrego, que a água cristalina mostrava o fundo, raso, por isso não se preocupou de ser abocanhado por alguma criatura esfomeada. Nisso, se perguntou como seriam as criaturas mágicas desse mundo.

Espero que não tente me comer de cara, é sério isso, estou num mundo novo, O MEU ISEKAI.

Muito irado.

Se abaixou rindo e ao ver o seu reflexo na água, entendeu sua situação.

Eu sou um adolescente, 17, 16, não, 15 anos.

Apesar da aparência comum, não sou feio, olha só... vai dar para aproveitar.

As Furry raposinhas; vou ensinar para Naofumi como se faz.

Também quero uma coelhinha!

Minha lista é grande: vai de elfas, até várias orcs bem avantajadas, não vou ser criterioso.

O que será que vou encontrar nesse mundo?

Seja o que for, não vou misturar meu harém, vou dividir por seção, por raças.

Isso… rsrsrs!

Bebeu a água até se sentir saciado, tinha um gosto ácido, mas não era nada demais, poderia se acostumar. Encheu a boca com água até encher as bochechas.

Algo chamou sua atenção, não muito longe, viu uma criatura parecida com um cervo, só que tinha 3 chifres. O bizarro era que sua urina era verde. O infeliz estava mijando dentro do córrego.

Guilherme cuspiu toda a água que estava na boca, o que já tinha bebido, não podia fazer nada, pelo menos não estava mais com sede.

— Bicho desgraçado, xô,xô.... — bateu com as mãos contra o corpo.

Cervo tri-chifrudo saiu pulando e desapareceu entre as árvores.

Guilherme avaliou melhor suas roupas. Um brasão, com belos bordados, chamou sua atenção. Era um tecido de qualidade, mas com furos e todo ensanguentado.

Nesse estado parecia que havia passado por um pelotão de fuzilamento, mas não sentia nenhum ferimento no corpo.

Reencarnei num presunto?

Pelo menos não comecei como um bebê.

Chato demais!

Guilherme conhecia os enredos de novels o suficiente para saber que esse corpo poderia ser de algum defunto morto por qualquer motivo.

Só que as roupas nesse estado?

Não é bom sinal.

Com toda a informação que conseguiu juntar até esse momento, ele não podia formular uma hipótese. Mas sabia que tinha que ser precavido, porque, seja quem for que empacotou o infeliz, não iria ficar satisfeito ao ver o corpo do defunto andando normalmente.

Preciso encontrar a minha besta lendária o mais rápido possível.

Mas não preciso me preocupar, se eu vim parar nesse lugar, só pode indicar que minha fabulosa entidade está em alguma parte desse bosque.

O enredo favorece o protagonista! Oi! Eu!

Guilherme explorou o bosque, mas sempre mantendo o córrego como ponto de localização. Enquanto caminhava, começou a fantasiar o tipo de besta que seria a do conhecimento.

Por estar num bosque, pensou que poderia ser um poderoso Ents. Se imaginou como um hobbit empoleirado nas suas costas para derrubar a fortaleza de um mago maligno.

Vamos... a última marcha dos Ents!

Rsrsrs!

Pensou também numa coruja, afinal, era o animal símbolo da sabedoria. Seria o próprio Harry Potter ao despertar a magia.

Mas nem fodendo vou ficar balançando uma varinha e gemendo como uma gata no cio, não mesmo!

Rsrsrs!

Enquanto o empolgado rapaz caminhava imerso em suas fantasias dentro da toca do coelho, uma voz súbita quebrou o silêncio do bosque:

— Sou a besta da sabedoria, GRANDE e TERRÍVEL. Quem é você, e por que invadiu os meus domínios?

— Pera, não, não, espere só um pouco. Oh… 

Eu não posso falar que nem um mané.

Tenho que ser igual ao Escanor, falar igual… ser orgulhoso.

Mas heróis são orgulhosos?

tanto faz.

Mas o que vou falar agora?

Droga! 

Tem que ser palavras impressionantes. Tenho que mostrar quem é que manda.

Já sei.

Ainda bem que li um tantão de livros velhos.

Se aquela jogada funcionou com a sardenta do interior, vai funcionar comigo também…

É isso!

— Sou Guilherme, PODEROSO e VALENTE. E venho em busca da minha besta lendária para salvar este mundo. Sou o herói!

Ele aguardou até que houvesse uma resposta, mas não veio nenhum sinal, então continuou andando no mesmo ritmo.

Mal tinha acabado de chegar numa pilha de rochas perto do riacho, quando uma voz alegre festejou:

— Eu sabia que esse dia iria chegar. Você escutou meu chamado, significa que é o meu herói, o representante da sabedoria. Me liberte dessa prisão para que possamos firmar o contrato.

— Onde? — Guilherme já estava de pé próximo das rochas, mas não conseguia ver nada.

— Peço desculpas — amenizou a entidade, falando enrolado. — Sou prisioneiro sem liberdade, sufocado abaixo dessa pilha de rochas inúteis. Por favor, me liberte...

Por um momento Guilherme pensou que fosse uma armadilha, mas nessa situação não fazia sentido.

Só que sua fantasia de um poderoso Ents ou a imponente coruja escorreu pelo ralo. Enquanto retirava rocha por rocha, tentava imaginar o que iria descobrir.

Poderia ser uma serpente, também seria dá hora.

Quem sabe é um lagarto preso por eras; eu sempre quis ter uma iguana de estimação, legal.

Ou, será?

Sim, faz sentido, sou o herói escolhido.

Os enredos das novels favorecem os protagonistas.

É uma criatura tão poderosa que precisou ser selada e apenas o verdadeiro herói tem o poder para libertá-la.

Tem que ser isso.

 É clichê nos ISEKAIS.

Por que não?

Por que tô tão nervoso?

Depois de um considerável esforço, Guilherme conseguiu mover todas as rochas. Mas não tinha nada naquele lugar, apenas uma inútil pedra.

— Obrigado herói!

— Mas, mas onde… cadê você?

— Estou aqui, herói. Peço um último favor, pode me virar para cima. Depois de uma tempestade fui arrastado pela correnteza e acabei aqui, com todas essas rochas inúteis em cima de mim. Faz quinhentos anos que não vejo o céu.

Guilherme sorriu de nervoso. Então virou a pedra. Nela havia dois olhinhos que se moviam frenéticos. Parecia o brinquedo senhor Cabeça-De-Batata.

— Quem é vivo sempre aparece. — A voz saiu de uma boquinha, os lábios estavam quebradiços, parecia que iria esfarelar. — Agora podemos firmar o contrato!

GRANDE e TERRÍVEL?

— Puta... — Guilherme engasgou. — Pedra que pariu!!!

...



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