Lana – Uma Aventura de Fantasia Medieval Brasileira

Autor(a): Breno Dornelles Lima

Revisão: Matheus Esteves


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 30: Conselho

Na manhã do dia seguinte, após chegada dos viajantes ao reino de Polaris, um trenó puxado por um lobo branco deixava a capital, do alto da torre era possível ver o pequeno ponto na neve se distanciando cada vez mais em meio aos gélidos ventos do norte.

Mais tarde Rafael entrava animado no salão de refeições.

— Bom dia mãe! Bom dia irmã! — cumprimentou o jovem se juntando ao desjejum.

— Acordou agora meu filho? — perguntou a rainha.

— Não, acordei cedo e resolvi praticar um pouco de esgrima.

— Você não se cansa de treinar? — perguntou Karine.

— Jamais minha irmã. Manejar a espada requer uma dedicação única em minha vida.

— Mas você já sabe manejar a espada.

— Treinar todos os dias garante que eu não esqueça o que eu já sei e me permite aprimorar o que eu faço e quem sabe aprender algo novo — disse pegando uma maçã.

— Que coisa chata. Não gostaria de passar o resto da minha vida presa a uma rotina tão cansativa.

— Deveria aprender, eu tenho certeza que não se arrependeria.

— Eu manejando uma espada? Melhor não irmãozinho.

— Pois saiba que em minha jornada de retorno para casa eu conheci uma jovem que manejava a espada como ninguém.

— Sério? — perguntou a Karine surpresa.

— Ela lutou sozinha com uma espada cega contra um general inimigo e venceu. E aquilo não foi sorte. Somente quem treina diariamente e de verdade sabe dos riscos e do nível de preparo necessário para vencer uma luta tão desigual.

— Nossa!  E como ela era? Aposto que é feia, bruta e nada delicada — desdenhou Karine.

Um misto de saudades e de embaraço preencheu o rosto do príncipe que com um leve sorriso respondeu:

— Nada disso. Ela tem a pele clara como as princesas do norte, os olhos verdes como esmeraldas e o cabelo vermelho como o fogo.

— Cabelos vermelhos? — questionou surpresa a irmã.

— Sim. — Rafael virou o rosto e olhando para o teto, buscando das memórias continuou. — É verdade que Lana não tem o melhor dos temperamentos, age de forma indelicada, mas é firme e decidida, por vezes teimosa, mas está longe de ser feia e bruta. É sem dúvida a melhor espadachim que já vi lutar em toda minha vida.

— Mas eu pensei que você fosse o melhor espadachim do mundo meu irmão.

— Eu quis dizer a melhor espadachim mulher minha irmã.

— E depois? O que mais aconteceu? – perguntou Karine.

— Bem, aconteceu muito coisa naquele mês — disse Rafael contendo sua empolgação.

— Você gosta dela? E ela gosta de você? — insistiu Karine. — Você a beijou, a teve em seus braços?

— Karine! — exclamou a rainha que até então acompanhava tudo em silêncio.

— Que foi? Qual o problema?

— Que modos são estes? Isso não é assunto para se discutir à mesa.

— Não tem problema minha mãe. Não aconteceu nada, mas isso me faz lembrar que preciso falar com o supremo agora. — disse o jovem terminando sua refeição e levantando-se da mesa. — Com a sua licença.

Karine fazia força para conter a empolgação e a rainha apenas fitava o filho com um olhar de reprovação.

Enquanto Rafael seguia pelos corredores do castelo um leve sorriso se desenhava em sua face. Aquilo tinha se tornado uma reação automática sempre que o assunto era Lana. Entretanto quando entrou na sala do trono sua expressão assumiu um tom de neutralidade.

— Meus olhos avistaram Edmundo saindo cedo, seguia apressado num trenó — disse o supremo antes mesmo que Rafael pudesse se pronunciar.

— É verdade meu pai, foi uma solicitação minha. Posso explicar — disse o jovem príncipe.

— Não é necessário. Já fiquei sabendo que ele foi atrás do armeiro.

— Bom neste caso talvez seja necessário eu explicar o que aconteceu. Não sei o que Edmundo disse, mas gostaria de reforçar o meu ponto.

— O sagaz? Ele não disse nada, como uma velha raposa furtiva ele partiu bem cedo. Uma outra hora conversaremos sobre isso meu filho. Passarei a manhã toda no conselho de guerra — disse Eric se levantando do trono e após alguns passos em direção ao filho, parou e disse. — Você… quer participar?

— Posso? Digo, seria uma honra! — respondeu o jovem empolgado, era como se uma criança tivesse recebido autorização para brincar.

— Foi uma feliz coincidência você chegar a tempo de participar de uma reunião destas. Normalmente estas reuniões são longas e chatas, mas é importante que você e seu irmão vejam como as decisões são tomadas.

Os dois subiram pelas escadas para um outro nível do castelo, seguiram por um longo corredor até que finalmente chegaram num espaçoso salão. Elegantes poltronas formavam um semicírculo. Haviam nove cadeiras e todas apontavam para o centro. Oito cadeiras eram ocupadas por nobres senhores das terras de Polaris, na nona, em uma das extremidades, sentava o príncipe Ricardo.

Silenciosamente Eric foi em direção a única posição vaga, a décima posição era um trono disposto diante do semicírculo de forma mais elevada. O supremo sentou-se, por alguns segundos apenas contemplou a expressão de cada um presente na sala. Rafael estava de pé ao seu lado e apenas observava.

Eric batia com os dedos da mão direta no encosto do trono. Fazia um leve barulho e era tudo que podia ser ouvido naquele recinto. Então levou a mão a barba espessa e a roçou suavemente.

— Todos sabem que eu convoco este conselho somente quando o assunto é de máxima importância e com certeza não pedi que viessem de suas distantes terras para que apenas apreciassem a minha barba. Mas eu vejo que nesta sala não há um consenso, seus olhos espelham seus anseios e será uma pena pois alguns se sentirão contrariados — discursou o supremo enquanto os nobres se entreolhavam desconfiados. — Este era um assunto que eu gostaria de adiar ao máximo, mas isso já não é mais possível. Quero deixar claro uma coisa inicialmente, sim nós teremos guerra. Mas esta não é a pergunta certa. A pergunta a se fazer é aonde iremos guerrear. Se vamos esperar que venham as nossas terras ou se devemos nos antecipar e já marcharmos para o sul.

Um pequeno murmúrio se faz ouvir na sala e então ele continuou:

— O que os nossos olhos no continente viram nos levam a crer que esse expansionismo que vem do Leste não deve cessar tão cedo. Bravia e Ária já caíram, agora resta saber para onde eles irão. Extremo oeste, sudeste ou para o norte?

— Em termos geográficos, o Oeste é mais perto e Álbion e Porto Celestes seriam os alvos mais próximos — disse um velho nobre. — Até para garantir um abastecimento das tropas seria útil a conquista destes reinos antes de partirem para Polaris ou Merídia.

— Se esses reinos caírem haverá problemas com os suprimentos de grão e frutas — disse um outro.

— Neste caso teríamos que voltar a intensificar os trabalhos de pesca — comentou um nobre da região costeira.

— Seguindo para o norte eles chegariam mais rápido em Polaris do que se fossem para o sul em Merídia — disse outro.

— Mas temos a cordilheira a nosso favor!

— E Merídia possui os bosques.

— Não se compara! O frio intenso de Polaris os fariam recuar!

— Talvez antes de chegar na torre de gelo, mas até lá já teriam penetrado em minhas terras! — acrescentou preocupado um dos nobres que governava nas fronteiras.

— É possível pegar um atalho pelos cinco feudos e chegar em Merídia sem passar pelos bosques — disse outro.

— Mandar uma tropa fechar as cordilheiras não seria o bastante? — perguntou o príncipe Ricardo.

— E se falharem as minhas terras serão invadidas!

— Exército algum consegue passar por aquelas cordilheiras, todos sabem disso! — respondeu o príncipe.

— Não vou deslocar minhas tropas da costa para as muralhas! Já temos problemas o suficiente para nos preocuparmos! — retrucou o nobre da região portuária.

A essa altura os ânimos se exaltaram e a discussão tomou conta do salão e por horas muito foi debatido sem que houvesse um consenso.

Quando o dia estava prestes a dar por encerrado Eric finalmente decidiu dar por concluída a reunião e então todos fizeram silêncio para escutá-lo:

— Eu irei ponderar sobre tudo que foi dito aqui nesta sala, tudo será considerado. Mas a reposta final será dada em breve e todos deverão cumpri-la, porque a palavra do supremo é a lei! Agora vão, retornem para seus feudos em paz.

E a reunião foi encerrada.



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